Foi apresentando, a 21 de novembro, na Assembleia da
República (AR), para reapreciação, o decreto vetado politicamente pelo Presidente
da República (PR), nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP), e cuja confirmação ficou agendada para o dia 22,
após o que o PR, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, terá de o promulgar nos oito
dias seguintes.
Sem surpresa, o Partido Socialista (PS) surgiu isolado a
defender a confirmação do diploma sem alterações, num debate marcado pelo
protesto de duas dezenas de membros da plataforma ‘Casa para Viver’, que
convocou uma manifestação para 30 de setembro. “Casas para viver, casas para
viver”, gritaram os manifestantes a partir das galerias da AR, quando Hugo
Carvalho, deputado do PS subia ao púlpito para discursar. O protesto das
galerias obrigou Santos Silva, presidente da AR, a pedir a intervenção dos
agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP). E Hugo Carvalho declarou: “Reconfirmamos,
não por capricho político, mas por convicção. Não se trata de arrogância,
sobranceira, falta de diálogo, como foi dito. Trata-se de respeito democrático,
que respeita o caminho traçado de diálogo, debate, auscultação, num diploma que
foi melhorando ao longo dos meses.”
O deputado reiterou o esforço de aproximação aos restantes
partidos, apesar de só terem aprovado uma dúzia de propostas da oposição e
sustentou que legitimidade do PR a vetar o diploma é a mesma do governo e do PS,
que acreditam que o pacote será “fundamental” para responder à crise na
Habitação. Já o Partido Social Democrata (PSD), a Iniciativa Liberal (IL), o Chega,
o Partido Comunista Português (PCP) e Bloco de Esquerda (BE) acusaram o PS de arrogância,
ao manterem medidas insuficientes e o braço de ferro com o chefe de Estado.
A deputada do PSD, Patrícia Dantas, acusando o PS de
“autismo”, ao insistir com um programa que não resolve o problema, clamou: “O
pacote Mais Habitação, em vez de somar, só subtrai.”
O líder da IL,
Rui Rocha, criticou o programa e acusou o Executivo de cobardia política ao
faltar ao debate: “O governo não teve a coragem de enfrentar dezenas de
famílias que vivem do alojamento local”, defendeu, apontando para as
consequências negativas do diploma já antes da sua entrada em vigor. “Está na
moda escrever livros por parte dos primeiros-ministros sobre os tempos em que
foram governantes. Se António Costa algum dia escrever um livro, só pode ter o
título: “A arte de rebentar o que restava do mercado de Habitação”, ironizou.
Também André Ventura, líder do Chega, criticou a
intransigência do PS, ao reconfirmar o diploma na íntegra, falando no “maior
ato de ingratidão da História democrática em Portugal” contra os proprietários
e o Alojamento Local (AL).
O PCP e o BE
também não pouparam críticas ao PS e ao governo. O deputado comunista Bruno Dias
sustentou que o programa do governo é um instrumento que só serve para “favorecer
a especulação imobiliária e financeira”; e a coordenadora do BE, Mariana
Mortágua, acusou o Executivo de “viver noutro mundo” e de “correr sempre atrás
do prejuízo”. “O governo, com esta proposta, insiste no erro e recusa propostas
que podiam resolver o problema da Habitação em Portugal”, afirmou Mariana
Mortágua, referindo três propostas do seu partido: aplicar tetos às rendas de
acordo localização e tipologia do imóvel, obrigar os bancos a baixar as prestações
à custa dos seus lucros e proibir a venda de casas a não-residentes.
Por seu turno, deputada do PAN, Inês de Sousa Real, satirizou
a “curta-metragem” do governo com “casas que não saem do papel”, referindo-se
às promessas não cumpridas do Executivo. “O programa Mais Habitação é um
programa demasiado curto para as necessidades”, vincou.
Rui Tavares,
do Livre, alertou que o “pior do tsunami” da crise da habitação está ainda por
vir e que o governo deve ir mais além nas medidas. E defendeu a necessidade de
mais habitação pública e a disponibilização de património do Estado para
estudantes universitários. “Proteger as pessoas é a solução. Tem que haver mais
e melhor habitação”, sustentou.
Entre as medidas mais polémicas estão a contribuição
extraordinária sobre o alojamento local (CEAL) e o arrendamento coercivo, alvo
de críticas de constitucionalistas e associações do setor. No entanto, o PS reduziu
a CEAL de 35% para 15%, enquanto o arrendamento forçado será uma solução de
último recurso da autarquia, a ser utilizada de forma “excecional”.
Para o chefe
de Estado, as medidas propostas pelo governo não são suficientemente
“credíveis”, nem respondem à emergência da crise habitacional. Na mensagem
enviada à AR, após o veto, o PR sublinhou que foram confirmados os seus
receios, quando, em março, alertou que o programa era, à partida,
“inoperacional” e “inexequível”. E, apesar da promulgação obrigatória, prometeu
manter a pressão sobre o governo, tal como o fará a oposição. Marcelo Rebelo de
Sousa já alertou que o diploma “precisa de regulamentação” e terá de ir “às
suas mãos”.
Já a IL continua a desafiar o PSD para a acompanhar no pedido
de fiscalização sucessiva.
Na advertência do PR, poderá ver-se o aperto da vigilância presidencial
sobre o governo, como a intensificação do bloqueio. Com efeito, se os diplomas regulamentadores
da lei têm de ir às mãos do chefe de Estado, nos termos constitucionais, este
pode vetar um a um e bloquear o processo.
Na verdade – é preciso dizê-lo –, o PR associou-se, demasiado
cedo, aos críticos do pacote “Mais Habitação”. É obvio que este não resolve,
por si, o problema da insuficiência crónica da habitação ou do seu alto custo,
quer a nível da compra, que ao nível do arrendamento. E a esquerda tem razão,
ao considerar o pacote insuficiente. Porém, apesar do juízo de alguns
constitucionalistas, creio que o pacote não incorre em inconstitucionalidade, no
que o PR terá razão.
Com efeito, a CRP estabelece o princípio da coexistência dos
setores público, privado, cooperativo e social de propriedade dos meios de produção,
e o da liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma
economia mista (vd CRP, artigos 80.º e 82.º). Porém, nos termos do artigo 83.º,
“a lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública
dos meios de produção, bem como os critérios da fixação da correspondente indemnização”.
E o pacote em referência dificilmente atingirá as marcas da desproporção,
sobretudo após as críticas surgidas na consulta pública e nos remoques da
oposição. Não obstante, o clamor das oposições e dos lóbis e as declarações inequívocas
do PR – lei PowerPoint, lei-cartaz, melão
– mataram o projeto antes de começado o processo legislativo: a oferta (incluindo
alguma da já prevista) diminuiu; as casas encareceram, quer no arrendamento,
quer na compra-venda; a burocracia, mesmo em alguns departamentos do Estado, recrudesceu
e tornou-se mais cara; e a consulta pública e as melhorias introduzidas ficaram
eclipsadas.
***
Entretanto, o governo aprovou, também a 21 de setembro, o
decreto-lei que estabelece uma medida excecional de fixação temporária da
prestação de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação
própria permanente, para conferir maior previsibilidade e para mitigar os
efeitos do incremento dos indexantes de referência. O diploma permite reduzir a
prestação paga pelos mutuários de crédito à habitação e estabilizá-la pelo
prazo de dois anos. Assim, os mutuários de contratos de crédito para aquisição
ou construção de habitação própria permanente, bem como de obras em habitação
própria permanente, garantido por hipoteca (com taxa de juro variável) podem determinar
a revisão da prestação, fixando o respetivo valor naquele que resultar da
aplicação do indexante que corresponder a 70% da Euribor a seis meses,
acrescido do spread previsto
contratualmente, mantendo-se inalteradas as demais condições do contrato de
crédito.
A diferença entre a prestação que seria devida nos termos do contrato e a que resulta da fixação agora prevista é paga posteriormente, podendo ser amortizada antecipadamente, sem qualquer comissão ou encargo para o mutuário. A fixação temporária da prestação depende de pedido do mutuário, apresentado à instituição até 31 de março de 2024.
Foi ainda aprovado o decreto-lei que alarga a abrangência e simplifica os requisitos para acesso aos apoios da prestação de contratos de crédito. Entre as condições da bonificação de juros previstas no Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março, deixa de ser exigível a variação de 3% do indexante de referência, face ao respetivo valor à data da celebração do contrato, passando a ser suficiente que o valor do indexante utilizado para o cálculo da prestação atual seja superior a 3%. E é aumentada a bonificação, passando a ser de 100% do valor apurado quando o mutuário apresente taxa de esforço igual ou superior a 50%, e de 75% do valor apurado quando o mutuário apresente uma taxa de esforço igual ou superior a 35% e inferior a 50%, independentemente do escalão de IRS em que se enquadrem, desde que até ao limite do sexto escalão.
É, ainda, prorrogada até 31 de dezembro de 2024 a vigência da suspensão temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado para os contratos de crédito à habitação a taxa variável ou que, tendo sido contratados a taxa de juro mista, estejam em período de taxa variável.
Estas medidas visam reduzir e estabilizar as prestações do
crédito à habitação, que, devido à subida dos juros, têm registado aumentos
significativos. E a intervenção do governo para reduzir temporariamente o
encargo com juros do crédito à habitação pode beneficiar, segundo o Ministro
das Finanças, Fernando Medina, entre 900 mil a um milhão de famílias. Já no
respeitante à bonificação dos juros o universo é bem mais pequeno, “cerca de
200 mil famílias”.
O governante frisou que se vive “um momento único do ponto de
vista do aumento das taxas de juro” e, por isso, esta foi a hora de avançar com
esta medida. A redução temporária do encargo com juros poderá começar a ser
solicitada aos bancos a partir do início de novembro. E a nova medida relativa
ao corte de 30% da Euribor a seis meses é acessível a todos os que tenham
créditos contratados até 15 de março de 2023 com prazo igual ou superior a 5
anos, já que, em créditos cujo prazo está no fim, o peso dos juros é menor. Ou
seja, desta medida quase universal só ficam de fora os clientes que estejam a
menos de cinco anos do final do prazo contratado.
Estabilizar a prestação a valores mais baixos é o objetivo da
nova medida: as famílias pagarão 70% da Euribor a seis meses através de uma
média que terá em conta os últimos 30 dias, face ao momento em que os clientes
o solicitem ao banco. Após a fixação da taxa, a prestação manter-se-á
durante os dois anos de “moratória”. Após esse período, os juros voltam à taxa original
do mercado e os clientes só começam a pagar os juros em falta no sexto ano após
o início da moratória e não imediatamente a seguir.
Cada família que aceder a esta medida terá uma resposta do
banco, bastando que tenha uma taxa variável ou mista, desde que estejam no
período em que a taxa de juro está indexada à Euribor.
A bonificação dos juros passa a ser calculada sobre o valor
da Euribor acima dos 3%. Os critérios de eleição mantêm-se inalterados mas
foram simplificados.
Só têm acesso ao apoio pago pelo Estado as famílias com
rendimentos até 38.623 euros anuais (6.º escalão
do IRS); com taxa de esforço igual ou superior a 35% do rendimento; e que não
tenham poupanças superiores a 29,8 mil euros e com empréstimos até 250 mil
euros.
Os juros
serão bonificados a 100%, quando a taxa de esforço das famílias for igual ou
superior a 50%, já quando a taxa de esforço se situar entre os 35% e os 50% a
bonificação apenas incide sobre 75% dos juros acima dos 3%. Outra das
alterações foi o limite anual deste benefício, que era de 720 euros e passará a
800 euros, assim como o facto de o governo ter esticado o prazo mais um ano, ou
seja, até ao fim de 2024.
Fernando Medina referiu que o governo prolongará a suspensão
de reembolso antecipado até ao final de 2024, permitindo a mais famílias que
possam fazê-lo sem terem de pagar 0,5% do valor a amortizar antecipadamente,
que é, muitas vezes, elevado e limita o pagamento antes do prazo: “Mais de seis
mil milhões de euros de contratos foram amortizados e, se bem que nem todos
possam ter sido por causa da isenção aprovada, beneficiaram da medida do
Governo.”
***
Como sói dizer-se, “é pouco, mas é de boa vontade”. Em tempo
de troika, nem isto!
2023.09.21
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário