O consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens vem a aumentar desde 2015 e
sabe-se que mais de metade dos jovens de
18 anos bebeu álcool, de forma compulsiva, e que, pela primeira vez, a
prevalência do consumo entre raparigas ultrapassou
a dos rapazes.
Face a esta situação, Manuel Cardoso, subdiretor do Serviço de Intervenção
nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) lembra que, além de
cancerígeno, o álcool é agressivo para as células do sistema nervoso e o
impacto é tanto maior quanto mais cedo se começa a consumir. “Até aos 18/20
anos, o cérebro ainda não está totalmente formado, pelo que a toxicidade do
álcool é muito maior, comprometendo o desenvolvimento cognitivo, a atenção e a
capacidade de aprendizagem.”
Segundo o estudo “Comportamentos
Aditivos aos 18 anos”, divulgado, a 26 de setembro, pelo SICAD, quase 40% dos jovens de 18 anos admitem ter-se
embriagado severamente no último ano, ao menos uma vez, e mais de metade (54%)
já bebeu de forma compulsiva (binge drinking).
Elaborado a partir de inquérito realizado aos mais de 135 mil jovens que
participaram, em 2022, no Dia da Defesa Nacional, o estudo revela uma “elevada prevalência de consumos
intensivos” no atinente ao álcool. O problema tende a
assumir maior gravidade nos rapazes, sobretudo em termos de frequência ou de
intensidade. Contudo, pela primeira vez, a prevalência de consumo
de bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses entre as raparigas ultrapassou a dos
jovens do sexo masculino. O álcool é, efetivamente, muito
consumido entre os jovens, vindo o consumo a aumentar entre eles.
O subdiretor-geral do SICAD sustenta que “o
consumo nocivo atingiu um patamar muitíssimo alto” entre os jovens,
com risco elevado para a saúde e para o desenvolvimento de alcoolismo no
futuro. “A prevalência de consumos altos na adolescência tem grande
probabilidade de se prolongar no tempo e, com muita frequência, dá origem a
dependência.”
Segundo os dados do inquérito, que abrangeu quase a totalidade dos jovens
de 18 anos residentes no país, 28% declaram ter experienciado, ao menos, um de
sete problemas relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas, principalmente “mal-estar emocional” (20%), relações
sexuais desprotegidas (14%), perda de rendimento académico (6%) e problemas de
comportamento em casa (6%). Comparando com os valores apurados desde
2015, conclui-se que a prevalência de qualquer problema associado ao consumo de
bebidas alcoólicas aumentou consideravelmente, sendo a subida mais expressiva
entre o sexo feminino.
Perante estes resultados, Manuel Cardoso considera urgente apostar em
“projetos de intervenção preventiva muito mais robustos do que simples ações de
sensibilização” e acusa o Estado de não ter sido eficaz a implementar medidas
para reduzir o consumo e os comportamentos de risco. “Têm
de se criar condições para reduzir francamente a disponibilidade de acesso a bebidas
alcoólicas por parte dos jovens. Em Portugal é proibida a venda ou cedência de
bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, mas a fiscalização é insuficiente e
não tem sido eficaz”, lamenta.
Associado à pressão dos amigos e à “enorme tolerância social” em relação ao
álcool, incluindo os pais, o responsável pelo SICAD acredita que o fim da
pandemia acelerou o aumento do consumo, criando “um ambiente de festa, propício
aos exageros”.
De acordo com o estudo em causa, o consumo de substâncias psicoativas, como
as anfetaminas (incluindo o ecstasy) e a cocaína, tem vindo, igualmente, a
aumentar nos últimos anos, tanto entre os rapazes como entre as raparigas. Só o
tabaco e a frequência de consumo de canábis e de tranquilizantes sem receita
médica têm vindo a diminuir.
Ainda assim, mais de metade
dos jovens (52%) já fumou, pelo menos, uma vez na vida, 44%, nos 12 meses
anteriores ao inquérito, e 34%, nos últimos 30 dias.
Entre as substâncias ilícitas, a canábis é, de longe, a mais consumida
entre os jovens: 28% já a fumaram pelo menos uma vez na vida. Nos 12 meses
anteriores à realização do inquérito, 5% admitem terem tomado anfetaminas e 3% admitem
terem consumido cocaína.
***
Estes dados confirmam os divulgados a 23 de junho do corrente ano, segundo os quais o álcool continua a ser a substância psicoativa mais consumida em Portugal, seguida do tabaco. Na verdade, o “V Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral 2022” – que retratava a mais recente informação, até àquela data, sobre o uso de substâncias ilícitas, lícitas, jogo e ecrã –, promovido pelo SICAD, revela que há “cerca de 50% da população, entre os 15 e os 64 anos, a declarar ter consumido tabaco, alguma vez, ao longo da vida”.
A
prevalência do consumo de tabaco em Portugal aumentou de 48,8% para 51%, entre
2017 e 2022, e a do consumo de álcool de 49,1% para 56,4%, enquanto o uso de
sedativos está nos 13%, abaixo dos 22,%5, em 2001.
Entre as
substâncias psicoativas estudadas, o tabaco é a segunda (abaixo do álcool) com
a experiência de consumo mais generalizado, como refere o dito inquérito cuja
primeira edição foi realizada em 2001, com réplica em 2007, 2012, 2016/17 e em
2022, sob a responsabilidade de uma equipa de investigação do Centro
Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (CICS/UNL).
“As prevalências dos consumos atuais [nos últimos 30 dias em relação àquele inquérito],
são sempre mais baixas do que as que registámos no último ano. Isso deve-se ao
facto de o número de experiências sem continuidade ou de abandonos, durante
este período, não excederem as novas experiências no último mês”, referiam os
autores do estudo, que tem uma amostra de 12 mil inquiridos, representativa da
população.
Na
população total (15-64 anos), a prevalência do consumo de tabaco nos últimos 30
dias aumentou ligeiramente, em 2022, atingindo 31,9%, contra os 30,6%,
registados em 2017, um aumento que se deve ao aumento do consumo dos homens,
passando de 36,5% para 40,8%, tendo, no mesmo período, baixado o consumo das
mulheres, de 25% para 23,4%.
Analisando a
população dos jovens adultos, o estudo indica que os consumos atuais seguem um
padrão similar ao registado para os consumos recentes (últimos 12 meses) e são
superiores aos registados no conjunto da população (15-64 anos), exceto em 2022,
em que diminuem.
Entre 2017 e 2022
a prevalência dos consumos dos jovens adultos baixou de 37,4% para 27,8%,
sendo, nos homens, a descida de 39,6% para 35,8% e, nas mulheres, de 35,3% para
19,6%, como referia o inquérito, que era apresentado num evento no SICAD, em
Lisboa, antecipando as comemorações do Dia Internacional contra o Abuso e
Tráfico ilícito de Drogas.
Relativamente ao
álcool, os dados indicavam que a prevalência do consumo ao longo da vida
(75,8%) desceu em relação a 2017 (86,4%) e se aproxima dos valores registados
entre 2001 e 2012, mas considerando os consumos atuais (nos últimos 30 dias), a
prevalência sobe de 49,1% para 56,4%, entre 2017 e 2022, apesar de não atingir
os valores de 2001 e de 2007 (cerca de 60%).
A prevalência de
consumo ‘binge’ (rápido e excessivo de bebidas alcoólicas), pelo menos uma vez,
no último ano, é de 10,3%, para o total da população, similar aos valores de
2012 e 2017, sendo os consumidores sobretudo homens com idades entre os 25 e os
44 anos.
Um consumo ‘binge’
mais severo (uma vez ou mais por mês, nos últimos 12 meses) é declarado por
6,1%, prevalência que sobe, relativamente a 2012 (3,4%) e a 2017 (5,1%).
Sobre a
prevalência do consumo de sedativos, o inquérito revela que se situava, na
população dos 15 aos 64 anos, nos 13%, em 2022, quando era, em 2017, de 12,1%,
depois de ter atingido 22,5%, em 2001, 19,1%, em 2007, e 20,4%, em 2012.“De
todas as substâncias psicoativas por nós estudadas, esta é a terceira com maior
expressão, depois do álcool e do tabaco”, vincavam os investigadores,
adiantando que, ao invés do álcool e do tabaco, o consumo de sedativos é maior
nas mulheres (16,9%) do que nos homens (9%), padrão que se tem mantido.
A
prevalência do consumo de sedativos nos jovens adultos (15-34 anos) situa-se em
torno dos 2%, em 2022, os níveis mais baixos, devendo-se esta redução, essencialmente,
à diminuição progressiva dos consumos femininos que passam de 6,1% em 2001,
para 1,9% em 2022.
***
Como
se verifica, o consumo de álcool, de tabaco e de outras substâncias psicoativas,
embora muito preocupante em jovens cujo desenvolvimento psicossomático ainda
não está completo, é praticamente transversal a todas as camadas etárias a
partir dos 16 anos. E não se circunscreve ao nosso país, ainda que seja este o que
mais nos interessa diretamente.
Com efeito, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) adverte que o consumo desequilibrado de álcool é um problema global
que compromete o desenvolvimento individual e social. Os padrões nocivos
e perigosos do seu consumo têm graves consequências na saúde pública, além de
gerarem custos nos cuidados da saúde, com efeitos negativos no desenvolvimento
económico e na sociedade, em geral. As consequências do seu uso
excessivo, em termos de saúde, que surgem antes do aparecimento de doença
crónica, são a dependência alcoólica e as doenças infeciosas, as deficiências
nutricionais traumáticas e a intoxicação aguda, e o seu aumento está
correlacionado com o aumento exponencial do risco de morte.
Na União Europeia (UE) são sobretudo
os jovens que estão em risco. O consumo excessivo e perigoso de álcool, não só
tem consequências para quem bebe, como também para os outros e para a sociedade,
em geral, que tendem a ser mais graves nas camadas sociais menos favorecidas.
É particularmente gravoso o consumo
de álcool na adolescência, a que está associada uma série de comportamentos de
risco, além do aumento da probabilidade de envolvimento em acidentes, de comportamentos
violentos, e, em casos mais críticos, de situações extremas que poderão levar à
morte. Por outro lado, fica-lhe associado o baixo desempenho escolar, bem
como dificuldades de aprendizagem, danos no desenvolvimento e estruturação das
habilidades cognitivo-comportamentais e emocionais, causando modificações
neuroquímicas, com prejuízos na memória, aprendizagem e controlo dos impulsos.
É, sobremaneira, perigosa a
mistura do álcool com outras drogas, podendo ter como consequências o coma e,
eventualmente, a morte. E, quanto mais precoce for o início do seu consumo,
maior será o risco de consequências graves no futuro.
Por tudo isto, o que se fizer para obviar ao problema será
sempre muito pouco. Há que investir em módulos de educação para estes temas nas
famílias e nas escolas, organizar campanhas de sensibilização e reforçar a fiscalização
por parte dos poderes públicos, a fim de se moderar o consumo de álcool entre
adultos e conseguir a sua máxima redução possível nos adolescentes.
O Decreto-Lei n.º 50/2013, de
16 de abril,
em vigor desde 1 de maio de 2013, criou um novo regime de disponibilização, de venda
e de consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos ou abertos ao público.
Assim, a idade mínima legal de consumo de bebidas espirituosas passou para os
18 anos,
enquanto a cerveja e o vinho são consumíveis a partir dos 16 anos. E os
menores estão proibidos de consumir bebidas alcoólicas em locais públicos ou
abertos ao público, podendo as autoridades exigir a apresentação do documento
de identificação a comprovar a idade.
Enfim, a par da educação e da sensibilização,
impõe-se o cumprimento das regras estabelecidas.
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