Uma nova
doença detetada na Europa, que começou na Grécia e na Itália, entrou em
Espanha, e chegou, em julho de 2023, a Portugal. Era desconhecida na Península
Ibérica até ao fim de 2022, mas atingiu, em Espanha, índices preocupantes (só na
Estremadura Espanhola, em agosto, matou 400 reses e alastrou, rapidamente, pela
Andaluzia, chegando à Comunidade de Madrid) e já foi confirmada em 14
explorações, no Alentejo, e outras, no centro do país, estão, sob suspeita, à
espera de análises. Nesta altura, está em situação de alerta praticamente todo
o país.
Uma das
causas para a rápida progressão desta doença, de etiologia viral, está nas
chuvas torrenciais primaveris, de índole tropical, que favoreceram a célere
reprodução dos mosquitos do género culicoide, mais comum em zonas tropicais, os
quais podem provocar, nos humanos, a doença de pele gnumosa, manifestável através
de bolhas cutâneas.
O mosquito em
causa é endémico na África subsaariana, mas as primeiras epidemias provocadas
por ele surgiram, em 1980, em animais bovinos do Médio Oriente. Em 2015, a
doença foi detetada na Grécia e nos Balcãs.
Estamos a
falar da doença hemorrágica epizoótica (DHE) (ataca, ao mesmo
tempo, muitos animais da mesma espécie na mesma zona), que afeta animais ruminantes – especialmente
bovinos e veados selvagens. Pode também atingir ovelhas, mas, nestas, sem sintomas
graves. Já o gado caprino é pouco afetado.
“É uma
doença vírica, afeta os ruminantes – em especial bovinos e os cervídeos
selvagens –, é transmitida por vetores e não afeta os seres humanos”, explicou,
em declarações à TSF, Susana Pombo,
diretora-geral de Alimentação e Veterinária, que, alertando que, tal como
sucede em Espanha, a doença “está a expandir-se rapidamente”, explanou: “Quando
detetamos uma exploração positiva, é estabelecido um raio de 150 quilómetros
que limita o movimento dos animais a partir dessa grande área para outras zonas
onde nunca foi reportada a doença, isto numa perspetiva de controlo. Já temos o
país praticamente todo afetado, porque 150 quilómetros a partir de Espanha, num
foco perto da fronteira, é muito fácil chegar aos limites do nosso país.”
Dentro desse
raio de 150 quilómetros, decorrente da lei, os animais de explorações afetadas
podem seguir para abate e comercialização, mas não podem ser exportados para
países da União Europeia (UE), além de Espanha e Itália, que já têm a doença. “Há
constrangimentos dentro da UE, porque só se podem movimentar [animais] dentro
de áreas afetadas. Se escolhermos exportar, por exemplo, para França, que é um
país que, até à data, é livre [da doença], aí destas áreas afetas não podemos
certificar animais”, esclareceu Susana Pombo, a 22 de agosto, assegurando: “Sempre
que há a notícia de uma situação positiva, informamos os principais parceiros.”
Na sequência
das ocorrências, foi determinada a “vigilância clínica reforçada”, com a
obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer suspeita à DGAV.
Apesar de
não reconhecer nenhuma morte associada a esta doença, que, em regra, pode ser
tratada em poucos dias, Susana Pombo afirmou que, em Espanha, existem já casos
de animais mortos.
O consumo de
carne de animais doentes não é sequer perigoso, mas o avanço rápido da doença
provoca algumas inquietações, já que implica restrições ao movimento de animais
nestas explorações, nomeadamente para exportação.
Como se
trata de uma doença nova, não há vacina, pelo que a prevenção passa pelo
controlo de mosquitos, pela higiene nas explorações e pelos limites à
movimentação de animais potencialmente infetados num raio de 150 quilómetros,
cobrindo praticamente todo o país.
A diretora-geral
de Alimentação e Veterinária pede aos produtores que estejam atentos aos
sintomas e alerta as autoridades em caso de suspeita, até porque a
transparência é a melhor forma de lidar com o problema. “É uma doença que tem
uns sinais clínicos que são mais frequentes [a] que os médicos veterinários e
os senhores produtores devem estar atentos, como lesões na mucosa oral, no
focinho, [havendo] reportes de que os animais produzem saliva com excesso, com
corrimento nasal, por vezes inflamação na coroa dos cascos, alguma coceira e
febres”, discorreu.
***
Entretanto,
ao invés do que, então, sustentava Susana Pombo, já há mortes resultantes da
DHE.
Refere
Diogo Peralta, médico veterinário que exerce atividade na clínica Portusvet, em
Nisa, no distrito de Portalegre, releva que já morreram cerca de 100 bovinos,
em Portugal, afetados por esta doença. As regiões do território português mais
atingidas são as da raia alentejana, mas há casos registados em outras zonas do
país.
Por
seu turno, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) já cadastrou,
até 18 de setembro, em vários concelhos, os estabelecimentos de exploração de
bovinos com registos positivos de doença, desde Trás-os-Montes, Alto-Douro,
Beira Interior e Alentejo, mas todos a fazer fronteira com Espanha.
Nas
áreas consideradas afetadas, estão a ser impostas medidas restritivas que implicam
regras de higienização extensivas aos veículos de transporte de animais vivos,
que passaram a ter “controlo vetorial”, um método que visa reduzir os vetores
da doença. Neste caso, o vetor é um mosquito assassino cuja proveniência pode
estar no Norte de África, tendo dali transitado para a Espanha.
Também
Susana Pombo, responsável pela DGAV, confirmou, como referido, a existência da
DHE em Portugal: “Surgiu em Badajoz, em novembro de 2022 e, rapidamente, passou
para Portugal, logo no início de dezembro do ano passado, primeiro, em duas explorações
de bovinos, nos concelhos de Moura e de Barrancos.”
A
situação mais dramática é entre os cervídeos selvagens, devido à dificuldade em
ministrar desparasitantes externos. Assim, têm surgido muitos veados mortos nos
montados espanhóis e nos portugueses, não havendo, até ao momento, capacidade
para controlar o surto.
***
Segundo
a DGAV, foi determinada, pela primeira vez, uma
zona infetada, em Portugal, através do Edital n.º 1 – Doença Epizoótica
Hemorrágica, de 2 de dezembro, na sequência da deteção de focos da DHE em
Badajoz, em novembro de 2022. E, devido à confirmação da circulação do vírus da
DHE em duas explorações de bovinos nos concelhos de Moura e de Barrancos,
torna-se necessário atualizar a zona infetada do território nacional que ficará
abrangida pelas medidas previstas na legislação da UE.
Considera a DGAV que a DHE é uma doença de etiologia viral que
afeta os ruminantes, em especial os bovinos e os cervídeos selvagens, com
transmissão vetorial, classificada como D e E (certificação na movimentação
animal entre Estados-membros e notificação obrigatória) pela Lei da Saúde
Animal – LSA (Regulamento (UE) 2016/429, de 9 de março e Regulamento de
Execução (UE) 2018/1882, de dezembro), e incluída na lista de doenças de
declaração obrigatória da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).
Os
sinais clínicos desta doença são os seguintes: a perda do sentido de fuga, com
imobilidade; a febre e a falta de apetite; a estomatite ulcerativa – lesões na
mucosa nasal e bocal, congestão e corrimento nasal; produção excessiva de
saliva e dificuldade em engolir; a coceira, por causa da inflamação das coroas
dos cascos; o úbere avermelhado; e pequenas úlceras, crostas e/ou hemorragias.
A doença pode provocar a morte do animal, mas é mais frequente a
sua recuperação ocorrer em duas semanas. Por outro lado, não afeta, por si, os humanos,
não havendo perigosidade de transmissão às pessoas. Todavia, causa prejuízo aos
produtores e aos comerciantes, pelos custos com o tratamento da doença e,
eventualmente, com a morte dos animais.
De
acordo com o estabelecido no Regulamento Delegado (UE) 2020/688 da
Comissão, de 17 de dezembro de 2019, a área afetada é constituída por um raio
de 150 km em torno do foco, sendo restringidos os movimentos com destino a
outros Estados-membros, de animais provenientes de explorações localizadas
nessa área. As medidas de controlo a implementar serão adaptadas em função da
avaliação das medidas de vigilância e baseiam-se na delimitação de zonas livres
e zonas afetadas e na implementação de condicionantes à movimentação animal das
espécies sensíveis.
A
notificação de qualquer suspeita deve ser realizada, imediatamente, aos
serviços da DGAV, para permitir uma rápida e eficaz implementação das medidas
de controlo da doença no terreno pela DGAV. Para tal, deve ser utilizado o Modelo
1728/DGAV. Se a notificação é respeitante a mais do que um animal, os mesmos
devem ser indicados no anexo do Modelo 1728/DGAV.
Deverão ser reforçadas as medidas de higiene e desinsetização de instalações
para controlo vetorial, bem como dos veículos de transporte, e apresentar a declaração
de desinsetização (Modelo 1037/DGAV).
As
medidas de controlo de doença aplicadas nas zonas afetadas são determinadas no Edital n.º 4, de 19 de setembro de 2023 da Doença
Hemorrágica Epizoótica. O mapa e a lista de zonas afetadas pelas restrições
associadas a esta doença podem ser consultados no site da DGAV, mantendo-se a lista anexa ao edital
anterior (Edital nº 3).
Diogo
Peralta sustenta que as medidas preventivas, como a desparasitação externa, são
a melhor solução, pois sendo esta uma doença viral, os antibióticos não têm
efeito e até aumentam a resistência e a habituação a este tipo de tratamentos.
***
Estamos,
pois, ante mais um surto epidémico que origina prejuízos avultados na pecuária
e, consequentemente, na economia, e no desequilíbrio dos ecossistemas, a juntar
a tantas outras perdas económicas e a tantos outros danos ambientais. Parece
que, a cada ano que passa, surgem novos fenómenos epidémicos que preocupam a comunidade
humana, juntamente com as catástrofes naturais, com os atentados ambientais, com
as alterações climáticas e com as guerras.
2023.09.27 – Louro de Carvalho
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