A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o ministro das
Finanças reuniram-se, a 25 de setembro, com os parceiros sociais, para discutirem
propostas de patrões e de sindicatos para o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024),
bem como para serenarem os ânimos dos patrões, após o desconforto pela
negociação direta entre o governo e a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), para viabilizar o pacote de medidas do Pacto Social.
A União Geral de Trabalhadores (UGT) foi a primeira entidade a reunir-se
com Ana Mendes Godinho, às 11 horas da manhã. E a Confederação Geral dos Trabalhadores
(CGTP) apresentou, pelas 19 horas, a fechar o dia, um pacote reivindicativo que
vai além do OE2024. Entre um encontro e o outro, Ana Mendes Godinho reservou a
tarde para os patrões, que foram ouvidos, em conjunto, no Ministério das
Finanças, com a presença de Fernando Medina.
No encontro discutiu-se o conjunto de 25 medidas para o OE2024,
propostas conjuntamente pelas confederações empresariais representadas no
Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP). A reunião ocorreu depois
de Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES), ter
procurado sanar o desconforto gerado pelas negociações entre a CIP, a UGT e o governo,
à margem da concertação social, para viabilizar um Pacto Social.
Foram dias tensos entre as confederações patronais com assento na Comissão
Permanente de Concertação Social (CPCS). Uma semana
depois de ter recolhido 25 propostas das quatro confederações patronais representadas
na CPCS – a CIP, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação
do Turismo de Portugal (CTP) e a Confederação dos Agricultores de Portugal
(CAP) –, o governo agendou várias reuniões com a CIP para trabalhar a proposta
de Pacto Social. Além da primeira reunião em
que a CIP apresentou a sua proposta, foram agendadas mais duas reuniões
técnicas (entretanto desmarcadas) com equipas do governo, entre elas a das
Finanças, para afinar os detalhes técnicos de algumas medidas que estariam a
colher maior adesão entre os membros do Executivo.
À saída da reunião de apresentação, a
ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social chegou a admitir aos
jornalistas que continuaria a trabalhar com a CIP para identificar as medidas
que poderiam já ser incluídas no OE2024.
Na verdade, os indícios de
negociação paralela à concertação social causaram desconforto entre os vários
parceiros sociais e no presidente do CES, que, em mensagem de Whatsapp ao
grupo da CPCS, pediu “um “rápido
e cabal esclarecimento” do processo, recordando aos parceiros sociais que “o país dispensa mais um espetáculo de degradação
institucional”.
A reunião entre a CIP e o Executivo, que chegou a estar
agendada para o dia 22 de setembro, foi desmarcada, sendo o CNCP convocado para uma reunião, no
dia 25, com Ana Mendes Godinho.
Mais tarde, Francisco Assis garantiu que o assunto
estava resolvido, depois de ter assumido que que “havia a perceção de que estava a existir uma
negociação paralela à concertação social”,
um caminho que “poderia ser
perigoso”. O presidente do CES
realçou que “o próprio presidente da CIP deu a garantia de que não havia
qualquer intenção de tratar este tema fora da concertação social”, assegurando
que é lá que ele “continuará a ser tratado a partir de agora”.
***
Efetivamente, o CNCP apresentou, na tarde de 13 de setembro, ao ministro
das Finanças, um conjunto de propostas para o OE2024, sendo as prioridades a simplificação
e o alívio fiscal.
João Vieira Lopes, presidente da CCP, já antecipava o que aí vinha.
Admitindo a desilusão com o governo, defendeu a necessidade de reeditar o pacto
fiscal de 2014, subscrito no governo de Passos Coelho, mas que António Costa
suspendeu, em 2015, embora o acordo tenha contado com o compromisso de António
José Seguro, que liderou o Partido Socialista (PS).
À semelhança do acordo de 2014, a redução do imposto sobre o rendimento das
pessoas coletivas (IRC) é um dos aspetos-chave, porque, alegadamente, ambientes fiscais mais favoráveis para as empresas, materializados
na redução das taxas do IRC potenciam o crescimento económico, a criação de
emprego e a atração do investimento. Por isso, os patrões defendem a
redução da taxa normal do IRC para 17%, tal como constava no acordo de 2014, e
para 15%, no caso da taxa aplicável às empresas pequenas e médias empresas (PME)
e às empresas de pequena e média capitalização. Além do IRC, há medidas como a
eliminação progressiva da derrama estadual, a aplicar, para já, apenas a
empresas com lucro superior a cinco milhões de euros.
Do documento constam ainda medidas de alívio fiscal
para as empresas e para os trabalhadores, bem como uma proposta de redução dos
custos do trabalho. As propostas são como segue:
No atinente à suspensão e eliminação de obrigações fiscais,
visto o número e a complexidade das obrigações
fiscais serem excessivos, os patrões pedem: a criação de um grupo de trabalho
que envolva a Autoridade Tributária (AT) e as empresas, para discutir a utilidade
das atuais obrigações acessórias; a criação de planos B, mecanismos
alternativos de cumprimento para o caso de o sistema rejeitar as declarações ou
o de, por motivos técnicos, não se conseguirem cumprir os formalismos inerentes
aos diversos procedimentos; a suspensão (até que o trabalho se conclua) da entrada
em vigor de novas obrigações; a disponibilização da parte da AT de um responsável
em cada um dos níveis dos serviços de finanças, que “dê a cara” pela AT e seja
capaz de responder com autoridade aos sujeitos passivos ou aos seus
representantes.
A circulação de mercadorias com exigência prévia de
comunicação dos documentos de transporte, da atribuição de código da AT e de outros
similares cria encargos administrativos significativos e o levantamento de
autos por incumprimento de requisitos formais, sem efeito na prevenção da fraude”.
Por isso, os patrões querem a reavaliação do regime de bens em circulação.
O código do imposto sobre o valor acrescentado (IVA)
foi alterado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, para obstar a que, em
processos de regularização inferiores a 10 mil euros, intervenha um revisor
oficial de contas (ROC), evitando custos de contexto. Porém, exige que o faça
um contabilista certificado independente, e não o contabilista da empresa. Assim,
os patrões querem o trabalho feito por contabilista certificado, para evitar a
contratação de serviços externos.
A Portaria n.º 126/2019, de 2 de maio, obriga à
comunicação dos ativos biológicos (animais ou plantas vivas), sem qualquer
norma que habilite o governo a impor tal comunicação. Por isso, propõe-se que a
comunicação dos inventários valorizados se aplique só às “entidades que
utilizam o sistema de inventário permanente” e que, até à revisão das
obrigações fiscais proposta, sejam mantidas as regras que vêm sendo seguidas
com referência a 2020, sendo excluídos os ativos biológicos, atendendo à sua
especificidade e natureza.
A crise habitacional é premente. Com os preços dos
imóveis a aumentar, o IVA pode ter peso relevante no preço final. Por isso, o CNCP
pretende a revisão dos casos em que é aplicável a taxa reduzida do IVA,
alargando-a às empreitadas da construção civil para a habitação.
Porque ambientes fiscais mais favoráveis para as empresas
materializados na redução das taxas do IRC potenciam o crescimento económico, o
emprego e o investimento, o CNCP recupera o tema da redução progressiva da sua taxa:
para 17% e para 15%, como enunciado acima. E propõe, no
atinente à derrama estadual, que se inicie o processo de reversão do seu aumento,
de modo a abranger só as empresas com lucro superior a cinco milhões de euros.
Os patrões propõem a eliminação das tributações
autónomas, que representaria, por si só, uma redução da taxa efetiva de
tributação sobre as empresas de quase 2%. Voltam, assim, a pôr em cima da mesa
a sua extinção, passando estas, enquanto não for possível a atualização da
tabela, por razões orçamentais, a incidir apenas sobre os encargos dedutíveis.
Como Portugal integra o leque dos países onde os
custos fiscais com a mão-de-obra – relação entre o imposto sobre o rendimento
suportado acrescido dos encargos sociais do trabalhador e o custo total com a
mão-de-obra suportado pelo empregador –, são mais elevados, 41,9% (quando a
média da OCDE é de 34,6%), os patrões querem a redução da tributação em imposto
sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), para aumentar o rendimento
líquido das famílias.
O CNCP propõe alargar a todos os contratos, independentemente da data da celebração, a
dedução dos juros de empréstimos com a aquisição, construção ou
beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente.
A Lei n.º 21/2023, de 25 de maio, estabelece um regime
mais favorável de tributação das stock options (remuneração por
entrega de ações da empresa ou direito à sua aquisição) no quadro das startups.
E os patrões defendem que deverá ser de aplicação transversal a todos os
sujeitos passivos de IRS.
Por exemplo, no subsídio de transporte, os patrões
propõem a atualização, para 2024, dos limites até aos quais estas atribuições
não são tributadas e a primeira fixação de um valor isento por compensação por
teletrabalho. E querem um regime de atualização automática desses limites, por
indexação a um indicador a estabelecer (v.g. taxa de inflação).
Em alguns setores de atividade, como a agricultura, é comum
garantir-se habitação gratuita (essencial para a fixação de mão de obra). Os
patrões consideram que esta matéria é, no quadro da atual crise habitacional,
cada vez mais transversal, designadamente no emprego de jovens que enfrentam as
maiores dificuldades em se fixarem, pelo que se justifica a reflexão sobre o
regime fiscal destas atribuições, consideradas para efeitos fiscais
“rendimentos em espécie” sujeitos a tributação. Por isso, sugerem a suspensão
desta regra.
Os patrões querem a redução de 1% da taxa contributiva
global (agora, de 34,75%, cabendo 23,75% ao empregador e 11% ao trabalhador),
no respeitante ao empregador. E, para a medida não ter impacto no orçamento da
Segurança Social, é de equacionar a sua compensação com a transferência de um
montante equitativo da receita do IVA.
As confederações patronais sugerem que o limite de enquadramento
no regime simplificado, para os trabalhadores independentes, seja atualizado de
200 mil euros anuais para 250 mil euros.
O incentivo fiscal à valorização salarial está
enquadrado no Orçamento do Estado para 2023, mas os patrões consideram que a
sua aplicação depende de uma série de regras e limitações, que o transformam
numa mão cheia de nada, pelo
que propõem a sua simplificação, alterando o limite absoluto de dedução para
oito vezes a Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG), que é, agora, de quatro
vezes, e alargando o âmbito de aplicação a todos os tipos de contratos.
Os patrões sustentam que o adicional ao IMI só se
justifica enquanto agravamento da tributação do património não empresarial.
Pedem, por isso, a revisão do âmbito da sua incidência, por forma a excluir os
prédios que tenham uma afetação empresarial.
Face ao contexto global de incerteza e à iminência de
recessão económica, o CNCP considera que é fundamental, para o país, existir incentivo
forte ao investimento, semelhante ao incentivo fiscal à recuperação (o CFEI
II). Assim, sugere a criação de um benefício fiscal, a vigorar durante todo o
ano de 2024, com regras semelhantes ao CFEI II.
No domínio da capitalização das empresas, há três
benefícios fiscais relevantes. As confederações empresariais julgam necessário
rever o que existe e ampliar o leque de incentivos.
O CNCP pede a eliminação da penalização fiscal às
aquisições pelo valor real das empresas e a possibilidade da amortização, para
efeitos fiscais, do goodwill financeiro nas operações de
investimento em participações sociais em empresas até um máximo de 5% ao ano.
A atual redação do Código do IVA exclui a aquisição de
gasolina do direito à dedução do imposto, ao invés do que sucede com o gasóleo
(na proporção de 50%). Considerando os fatores ambientais e o anúncio de vários
fabricantes de automóveis de que os motores a diesel serão
descontinuados, propõe-se a alteração do Código do IVA, com a dedução do IVA da
gasolina.
O CNCP propõe que a compensação com créditos sobre o
Estado, de natureza não tributária de que o contribuinte seja titular, possa
ser efetuada, se a dívida correspondente a esses créditos for certa, líquida e
exigível, apenas mediante requerimento à AT.
Para reduzir a litigância, acelerar a resolução das
situações pendentes e libertar os recursos da AT afetos a estes processos, os
patrões defendem um regime de regularização das dívidas referentes a processos
que estejam em contencioso e que tenham tido origem em liquidações adicionais
ou oficiosas notificadas até junho de 2023, em prestações mensais até 15 anos.
E sugerem que a adesão ao processo de regularização anule juros compensatórios
e os juros de mora vencidos.
“Face à frequência com que a administração fiscal
“dispara” informaticamente despachos de reversão fiscal, sem avaliar a
culpabilidade dos gerentes, deve ser revisto o correspondente regime”, dizem os
patrões, sendo o objetivo, por exemplo, fazer recair sobre a administração
fiscal o ónus de prova da existência de culpa na atuação dos administradores.
A penhora de créditos é um dos instrumentos que a AT usa
para obter o pagamento da dívida do executado, impondo à empresa que recebe a
notificação o ónus de identificar os créditos existentes, podendo, em caso de
omissão, constituir-se como devedora deles. O CNCP defende que os créditos a
penhorar sejam os reconhecidos como tal na contabilidade, à data da notificação,
e que se elimine a obrigação de penhora de créditos futuros, por um ou mais
anos.
Por último, os patrões propõem que a limitação do
direito à dedução, por incumprimento de requisitos formais, ou das regras de
inversão só se verifique, se o imposto não tiver sido entregue nos cofres do
Estado pelo transmitente dos bens ou pelo prestador de serviços.
***
João Vieira Lopes referiu a boa
abertura do governo para várias áreas, nomeadamente as atinentes à
capitalização de empresas, com tributações autónomas, algumas medidas que têm a
ver com impostos em termos de combustíveis e as medidas de simplificação
administrativa. Ficou agendada, ainda para a semana em curso,
uma reunião do grupo com os técnicos das várias confederações para se discutir
com o governo “a possibilidade de aplicação de algumas propostas ou em fases
intermédias ou de uma só vez”. Porém, o governo não mostrou abertura para o que envolva baixas de taxa social única
(TSU) ou baixas nominais de IRC.
Por sua vez, Ana Mendes Godinho considerou que a reunião com as
confederações patronais “foi muito
produtiva”, indicando que foram analisadas “todas as propostas apresentadas”, num “caminho
de construção do OE2024“, seguindo-se agora “mais reuniões
técnicas”.
Percebe-se que o governo resista a desagravar o capital e alivie
o peso fiscal sobre as famílias.
2023.09.25
– Louro de Carvalho
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