O líder
norte-coreano, Kim Jong-un, chegou, a 12 de setembro, à Rússia, onde se reuniu
com o Vladimir Putin, segundo fonte oficial do governo da Coreia do Sul, acreditando
o Ministério da Defesa sul-coreano que o visitante entrou no país visitado,
de manhã, a bordo de comboio privado. E a visita foi confirmada pela imprensa
estatal norte-coreana e pelo Kremlin.
O presidente
russo e o presidente norte-coreano, como informou o Kremlin, debateram “questões sensíveis”, importantes
para “os interesses” dos dois países, que não serão divulgadas.
“Como é óbvio, sendo vizinhos, os
nossos países também cooperam em áreas sensíveis, que não devem ser objeto de
qualquer divulgação ou anúncio público. Mas isto é bastante natural para
Estados vizinhos”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, aos meios de
comunicação social locais, a partir de Vladivostok, no extremo oriente russo.
Peskov indicou que as conversações
entre Vladimir Putin e Kim Jong-un incluíram questões
conexas com as relações bilaterais e a cooperação, com os laços comerciais e
económicos, com os intercâmbios culturais, com os assuntos
internacionais e regionais e com as aludidas “questões
sensíveis”.
O encontro tem suscitado preocupações da parte de países
ocidentais, que receiam um potencial negócio de armas para a guerra na Ucrânia.
Efetivamente, Kim viajou acompanhado de uma delegação de responsáveis militares
que gerem o armamento nuclear norte-coreano, pelo que as suspeitas e as preocupações
ocidentais têm fundamento. Por isso, os rumores sobre a deslocação de Kim
Jong-un, que não saía do país desde o início da pandemia
de covid, em 2020, começaram a circular uma semana antes,
com Washington a suspeitar que Moscovo, isolado do Ocidente desde o ataque à
Ucrânia, pretende
adquirir equipamento militar ao aliado norte-coreano.
A
concretização do negócio resultará,
inevitavelmente, em “novas sanções” da parte dos Estados Unidos da América (EUA),
alertou, no dia 11, a diplomacia norte-americana.
A
agência de notícias sul-coreana Yonhap
tinha avançado que o comboio
blindado do líder norte-coreano parecia ter partido para a Rússia,
que partilha curta fronteira com a Coreia do Norte, no Extremo Oriente russo. Esta
região não é muito longe de Vladivostok, onde Putin chegou no dia 11, para
participar, no dia seguinte, no fórum económico anual.
O
comunicado divulgado pelo Kremlin, citado pela agência estatal de notícias
norte-coreana KCNA, limita-se a dizer
que a viagem
do líder norte-coreano foi “a convite do presidente russo”. Dmitri
Peskov garantiu, antes do anúncio oficial da viagem, não estar
prevista qualquer reunião entre os dois líderes no âmbito do fórum,
em Vladivostok. E a KCNA afirmou, sem
pormenores, que Kim “terá
uma reunião e conversará com o camarada Putin, durante a visita”.
De
acordo com o canal de televisão sul-coreano YTN,
Seul esperava que o líder norte-coreano se encontrasse com Putin, na Rússia, no dia 13. E,
segundo o diário norte-americano The New
York Times, o encontro deveria realizar-se em Vladivostok, a cerca de 700
quilómetros de Pyongyang. Este periódico disse acreditar que Moscovo
procura munições de artilharia e mísseis antitanque de Pyongyang,
enquanto Kim procura tecnologia de ponta para satélites e submarinos com
propulsão nuclear, bem como ajuda alimentar.
Os EUA avisam – e um aviso destes é sempre para levar
a sério – que o apoio da Coreia do Norte à Rússia terá consequências. É a
reação da Casa Branca às alegadas negociações entre Moscovo e Pyongyang para a
aquisição de armas para a guerra na Ucrânia.
Embora a Coreia do Norte seja um país que, o mais das
vezes, usa as questões do armamento, não propriamente por tencionar utilizá-lo
ou empregá-lo, mas para obter outro tipo de cedências, no entanto, é um país
liderado por um ditador sem escrúpulos, um país que reprime os cidadãos e os deixa
morrer pela fome, que tem armas nucleares e que, neste momento, se aproxima de
outro país que também tem armas nucleares e que é liderado por um ditador.
Ambos estão isolados, mas aparecem a mostrar que, juntos,
são uma força enorme. Assim, têm anunciado e mostram cooperação na área da
defesa. E a visita de Kim vem no
seguimento do que acontece, há alguns meses, com a Coreia do Norte a assumir uma
posição sempre próxima da Rússia, na questão da invasão da Ucrânia”. Ora, esta
aproximação entre os dois países, com o reforço da cooperação militar, deverá
conduzir a mais sanções e ao endurecimento das que já existentes, embora nem
todos os países tenham a mesma posição sancionatória.
Depois de Vladimir Putin ter dito que a Rússia considera
discutir alguma cooperação militar com a Coreia do Norte, a seguir a uma
reunião de cinco horas, no dia 13, no Cosmódromo de Vostochny, em que o líder norte-coreano
pareceu apoiar a guerra de Moscovo contra a Ucrânia, o Kremlin anunciou, no dia
14, que o presidente russo aceitou o convite de Kim para visitar a Coreia do
Norte e que o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, também
visitaria o país, em outubro.
E, no dia 115, ocorreu a visita a locais importantes
na região do Extremo Oriente russo, nomeadamente à maior fábrica de aviação do país: jatos e aviões de guerra,
incluindo os caças Su-35S e Su-57 (o falecido pai de Kim, Kim Jong Il, também
visitou a fábrica em 2002).
Questionado se os dois líderes discutiram a cooperação
militar e técnica durante as conversações, Dmitry Peskov disse que é uma “esfera sensível de
cooperação” e reiterou o compromisso de Moscovo em desenvolver ainda mais os
laços com Pyongyang.
Os esforços para demonstrar esse relacionamento mais
próximo estiveram em plena exibição na dita reunião. Putin presenteou Kim com
uma luva de traje espacial, que foi para o espaço, e uma carabina (um tipo de
rifle) de alta qualidade fabricada internamente, enquanto Kim ofereceu a Putin
uma carabina fabricada por artesãos norte-coreanos. Num banquete de Estado com
Putin, no dia 13, Kim prometeu estabelecer “uma nova era de amizade de 100
anos” entre os dois países.
Nas semanas
anteriores, responsáveis dos EUA alertaram que a Rússia e a Coreia do Norte
avançam ativamente num potencial acordo de armas que pode levar Pyongyang a
fornecer armas para Moscovo usar na guerra da Ucrânia, em troca de tecnologia
de mísseis balísticos.
Perguntaram
a Putin se discutiu a cooperação técnico-militar com Kim na reunião dos dois líderes.
E Putin reconheceu que há certas restrições em vigor, que Moscovo cumpre
integralmente. E disse que há áreas abertas para discussão e consideração,
sugerindo potenciais pontos de cooperação.
Kim disse,
antes de um brinde, no jantar de Estado com Putin, que está “certo de que o
povo russo e os seus militares sairão vitoriosos na luta para punir as forças
do mal que, ambiciosamente, buscam a hegemonia e a expansão”. Sem nomear a
Ucrânia, disse que “os militares russos e o seu povo herdarão a brilhante
tradição de vitória” e demonstrarão a sua reputação na linha da frente da
“operação militar”, expressão eufemística de Moscovo para descrever a invasão da
Ucrânia.
“Estarei
sempre ao lado da Rússia”, disse Kim, elogiando Moscovo por se ter “levantado
contra as forças hegemónicas”, para defender a sua soberania e segurança, numa
referência velada aos EUA e ao Ocidente. Em troca, Putin sinalizou a
vontade de ajudar a Coreia do Norte no desenvolvimento do seu programa
espacial e de satélites.
No dia 14,
um conselheiro presidencial ucraniano classificou as negociações como “uma
manifestação de incapacidade” e disse que a Ucrânia estava a levar “muito a
sério as ações de Moscovo e de Pyongyang e a fazer os seus próprios cálculos”.
“A necessidade de Moscovo de implorar pela ajuda da Coreia do Norte é,
certamente, motivo de piadas, uma manifestação da incapacidade da Rússia e um
veredicto sobre a política de 23 anos de Putin”, disse Mykhailo Podolyak,
conselheiro do chefe do Gabinete Presidencial Ucraniano no X, antigo Twitter.
A
Inteligência de Defesa da Ucrânia disse, no dia 13, que a cooperação militar
entre a Rússia e a Coreia do Norte não era nova. Os pedidos russos de projéteis
para artilharia e de MLRS (Sistemas Múltiplos de Lançamento de Foguetes) já são
conhecidos das autoridades ucranianas, disse Andrii Yusov, representante da
Inteligência de Defesa, em entrevista aos media estatais ucranianos.
“Não podemos
negligenciar isso. Este é um fator importante que se fará sentir, infelizmente,
no campo de batalha, mas não é novidade nesta situação. Este é um cenário, a
reação para a qual a Ucrânia está trabalhando”, terá dito Yusov.
***
À visita surpresa do presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, à Ucrânia, em
julho, seguiu-se a do ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, a Pyongyang,
para ali participar nas celebrações dos 70 anos desde o fim da Guerra da
Coreia, facto inédito da parte de delegações russas. Até a decoração, com
bandeirinhas vermelhas, indiciava um ambiente de nostalgia em relação à
proximidade vivida durante os anos 1950 e, na prática, até ao fim da União
Soviética.
Com a invasão da Ucrânia, regressou, com toda a força, a velha dinâmica da
Guerra Fria no Nordeste da Ásia – Moscovo-Pequim-Pyongyang versus Washington-Seul-Tóquio.
Alguns analistas questionavam-se se o tão mediatizado apoio de Pyongyang a
Moscovo era real ou se era produto da propaganda norte-coreana dirigida a
consumidores estrangeiros. Mas, nos últimos dias, até a Rússia confirmou a intenção
de estreitar laços com a Coreia do Norte. E a Casa Branca declarou que Putin e
Kim trocaram cartas, depois de, no fim de agosto, ter manifestado os seus
receios quanto a uma “ativa” negociação de armas. De acordo com o jornal The Washington Post, o líder
norte-coreano prometeu a Putin que as relações entre os dois países seriam
desenvolvidas de forma estratégica, demonstrando “a invencibilidade e poder de
ambos” contra “os imperialistas”. O presidente russo devolveu-lhe a mensagem,
com o mesmo ensejo: “A Federação Russa vai fortalecer a cooperação bilateral em
todos os campos, para bem-estar das pessoas envolvidas, e para a estabilidade e
segurança da Península da Coreia e de todo o Nordeste Asiático.” Na verdade, a
Rússia e a Coreia do Norte são aliadas tradicionais e, em tempo de guerra, a
aliança produz efeitos, traduzindo-se em estreita cooperação militar. Aliás, Moscovo
e Pyongyang estão alinhadas desde a fundação da Coreia do Norte, pois foi a
União Soviética que permitiu que a Coreia do Norte fosse um país independente. Por
isso, a Coreia do Norte e a Rússia trabalham juntas há muitas décadas, e
Moscovo apoia o desenvolvimento dos programas nuclear e de mísseis de Pyongyang,
o que ameaça diretamente a Coreia do Sul, os EUA e o Japão.
Em 2014, o país liderado por Kim Yong Un foi um dos poucos (entre os quais
estão Cuba, a Nicarágua, a Bolívia, a Bielorrússia, o Afeganistão, o Sudão, a Síria,
a Eritreia, o Zimbabué e a Venezuela) a reconhecer a anexação da península da
Crimeia pela Rússia. A partir de 2019, estes laços robusteceram-se e a guerra
na Ucrânia mostrou como Moscovo está disposta a ser transacional nos compromissos
com Pyongyang.
***
É possível que a guerra esteja para durar e todos dizem que vão ganhar.
Tudo depende da capacidade de o Ministério da Defesa russo mobilizar meios humanos
e logísticos para a campanha, sem cometer o erro catastrófico da utilização de
armas nucleares e sem a generalização do uso das armas de fragmentação, bem
como dos apoios internacionais que Putin logre concitar. Por outro lado, está
para se ver qual será a posição dos países do Grande Sul. Já os EUA e o dito
Ocidente dispõem-se a queimar todos os cartuchos – creio eu – até a Ucrânia
ficar transformada num deserto de terra queimada. Quando a guerra não
interessar, o “Ocidente” sai de cena. Tem sido assim: Vietname, Coreia, Camboja,
Iraque, Afeganistão…
Resta saber o que fará a China e qual a sua capacidade em decidir a sorte
da guerra, que pode passar de regional a planetária. Por tudo isto, é urgente
que se fale de paz a sério e se estabeleça um quadro de negociações. Não se percebe
como a Ucrânia nem quer ouvir falar nisso!
2023.09.15 – Louro de Carvalho
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