segunda-feira, 18 de julho de 2022

No seu XXVI Aniversário, a CPLP enfrenta grandes e novos desafios

 
A 17 de julho de 1996, Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe criaram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), à qual se juntou em 2002, após conquistar a independência, Timor-Leste. E, doze anos depois, a Guiné Equatorial tornou-se o seu nono membro, num processo algo polémico.
Zacarias da Costa, secretário executivo da CPLP, enfatiza o facto de se tratar de uma organização única e insubstituível que congrega países geograficamente dispersos, mas unidos por uma língua comum, pela ideia de que, na diversidade, podemos contribuir para “um mundo mais justo e solidário”, não havendo, à escala planetária, “nenhuma outra instituição que traduza esta realidade”. Assim, a Commonwealth, com uma grande expressão alargada de países que utilizam a Língua Inglesa, “não inclui os Estados Unidos da América”; e a francofonia é uma realidade, que, embora do ponto de vista orgânico seja diferente da que esteve na génese da CPLP, “não inclui todos os países de Língua Francesa”, como reforça Vítor Ramalho, secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).
Ademais, a CPLP distingue-se pelo facto de todos os Estados-membros fazerem fronteira com o mar, questão relevante, quando as Nações Unidas têm sobre a mesa a proposta do alargamento da plataforma continental dos países que têm o mar como fronteira.
Vítor Ramalho refere, ainda, a realidade de a Língua Portuguesa ser uma das línguas mais faladas do mundo – dados recentes mostram que é a sexta com mais falantes nativos – e a primeira do Atlântico Sul. Hoje é falada por cerca de 263 milhões de pessoas, com um crescimento estimado até aos 500 milhões no final do século. E a língua hoje é um instrumento decisivo para a economia. E em função da singularidade dos países de Língua Portuguesa integrados na CPLP, sucede que todos, fazendo fronteira com o mar, têm nele potencialidades económicas incomensuráveis e mesmo potencialidades de contribuírem para a segurança do Atlântico Sul, “considerando a importância que, nesse Atlântico Sul, tem o continente africano”.
A importância da economia para a CPLP foi reconhecida no seio da organização, com os Estados-membros a realizarem a primeira reunião ministerial tripartida – Economia, Comércio e Finanças –, em que “aprovaram a Agenda Estratégica para a Cooperação Económica 2022-2027, a par da criação do Fórum das Agências de Promoção do Comércio e do Investimento”, como frisa Zacarias da Costa, que sustenta: “Estes enormes avanços permitirão estabelecer um ambiente de negócios que estimulará as trocas comerciais e os investimentos no espaço da CPLP”.
Também está na agenda como aposta para o futuro a questão da mobilidade. Neste âmbito, a CPLP criou o Acordo de Mobilidade, adotado há um ano na Cimeira de Luanda e que só ainda não foi ratificado pela Guiné Equatorial, o qual “permitirá uma maior circulação do conhecimento e da inovação, dos bens e serviços culturais, uma maior circulação no intercâmbio académico, no turismo e na cooperação económica e empresarial”. Porém, Vítor Ramalho adverte que a CPLP tem de estar atenta à nova realidade geoestratégica mundial decorrente da guerra na Ucrânia e que as nações lusófonas têm condições para aprofundar este quadro, já que uma Europa enfraquecida e envelhecida, embora seja a região com maior potencialidade comercial, não tem aprofundado as relações triangulares com África e a América Latina. Contudo, Portugal tem condições de, à mercê do Brasil e da presença da Língua Portuguesa e das relações afetivas e de interesse em África, ser um instrumento determinante para a União Europeia (UE) “no reforço que ela tem que fazer pela afirmação da sua própria importância à escala planetária”.
Zacarias da Costa, partilhando desta ideia, sustenta que “o atual contexto em que vivemos veio reforçar a importância do multilateralismo como forma de promover a partilha de conhecimento e a troca de experiências e assim proporcionar parcerias e respostas conjuntas para fazermos face aos vários desafios que o mundo enfrenta”. E conclui: “Neste aniversário, a ideia que levou à criação da CPLP há 26 anos permanece válida e atual”.
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A ideia de criação de uma comunidade de países e povos que partilham a Língua Portuguesa – irmanados por uma herança histórica, pelo idioma comum e por uma visão compartilhada do desenvolvimento e da democracia – foi sonhada por muitos ao longo do tempo. Em 1983, em visita oficial a Cabo Verde, Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, sugeriu a realização de cimeiras rotativas bienais de Chefes de Estado ou de Governo dos sete países que tinham o Português como língua oficial e a promoção de encontros anuais dos seus ministros dos Negócios Estrangeiros, bem como consultas políticas frequentes entre diretores políticos e encontros regulares de representantes na ONU ou em outras organizações internacionais. E avançou com a ideia da constituição do grupo de Língua Portuguesa na União Interparlamentar.
O processo ganhou impulso decisivo na década de 90, com o empenho de José Aparecido de Oliveira, embaixador do Brasil em Lisboa. O primeiro passo foi dado em São Luís do Maranhão, em novembro de 1989, no primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos então sete países de Língua Portuguesa, a convite de José Sarney, Presidente brasileiro, em que se decidiu criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) para se ocupar da promoção e difusão do idioma comum da Comunidade.
Em Fevereiro de 1994, os sete ministros dos Negócios Estrangeiros, reunidos em Brasília, recomendaram aos seus governos a realização da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo,  com vista à adoção do ato constitutivo da CPLP, e acordaram na constituição do Grupo de Concertação Permanente, sediado em Lisboa e integrado por um alto representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal (o Diretor-Geral de Política Externa) e pelos Embaixadores acreditados em Lisboa (a única cidade capital com Embaixadas de todos os países da CPLP).
Relativamente às várias vertentes do processo de institucionalização da CPLP, o Grupo analisou a cooperação existente entre os sete e a concertação a estabelecer. Foram aprofundadas áreas como a concertação político-diplomática, a cooperação económica e empresarial, a cooperação com organismos não governamentais e a entrada em funcionamento do IILP. O resultado está consolidado em dois documentos, adotados na Cimeira Constitutiva: a Declaração Constitutiva e os Estatutos da Comunidade (revistos em 2007).   
Os sete ministros voltaram a reunir-se em junho de 1995, em Lisboa, reafirmando a importância da constituição da CPLP para os seus países e reiterando os compromissos assumidos na reunião de Brasília. Validaram o trabalho do Grupo de Concertação Permanente (que passou a denominar-se Comité de Concertação Permanente) e concordaram em recomendar a marcação da Cimeira para o final do primeiro semestre de 1996, em Lisboa, fazendo-a preceder de reunião ministerial em abril do mesmo ano, em Maputo. E, a 17 de Julho de 1996, em Lisboa, realizou-se a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo que marcou a criação da CPLP, entidade que reunia Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Seis anos mais tarde, em 20 de maio de 2002, com a conquista da independência, Timor-Leste tornou-se o oitavo país membro da Comunidade. E, após minucioso processo de adesão, embora com alguma polémica, a Guiné Equatorial tornou-se o nono membro de pleno direito em 2014.
A união destes Estados – de quatro Continentes e englobando mais de 230 milhões de pessoas – consolidou a realidade já existente, resultante da tradicional cooperação Portugal-Brasil e dos novos laços de fraternidade e cooperação que, a partir de meados da década de 1970, se criaram entre estes dois países e as novas nações de Língua Portuguesa. A institucionalização da CPLP traduzia um propósito comum: projetar e consolidar, no plano externo, os especiais laços de amizade entre os países de Língua Portuguesa, dando-lhes maior capacidade para defender os seus valores e interesses, pela defesa da democracia, pela promoção do desenvolvimento e pela criação de um ambiente internacional mais equilibrado e pacífico.
A CPLP é um projeto político cujo fundamento é a Língua Portuguesa, vínculo histórico e património comum dos nove – que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas identificado pelo idioma comum, fator de unidade tem fundamentado, no plano mundial, atuação conjunta cada vez mais significativa e influente. Tem como objetivos gerais a concertação política e a cooperação nos domínios social, cultural e económico. E, para a prossecução desses objetivos, promove a coordenação sistemática das atividades das instituições públicas e entidades privadas empenhadas no incremento da cooperação entre os seus Estados-membros.
As ações desenvolvidas têm objetivos precisos e traduzem-se em diretivas concretas, voltadas para setores prioritários, como a saúde e a educação, a segurança alimentar e o ambiente, entre outros domínios. Para tanto, mobiliza, interna e externamente, esforços e recursos, criando novos mecanismos e dinamizando os já existentes. São utilizados não apenas recursos cedidos pelos governos dos países membros, mas também, de forma crescente, os disponibilizados através de parcerias com outros organismos internacionais, organizações não governamentais, empresas e entidades privadas, interessadas no apoio ao desenvolvimento social e económico dos países de língua portuguesa. Na concertação político-diplomática, dá expressão crescente aos interesses e necessidades comuns em organizações multilaterais, como, por exemplo, a ONU, a FAO e a OMS. Nos fora regionais e nas negociações internacionais de caráter político e económico, a CPLP tem-se assumido como um fator capaz de fortalecer o potencial de negociação de cada um de seus Estados-membros. No campo económico, aproveita os instrumentos de cooperação internacional de um modo mais consistente, através de uma concertação regular entre os nove e da articulação com outros atores. E outro ponto importante em que se têm vindo a desenvolver esforços significativos é o da cooperação empresarial.
Para a valorização e difusão do idioma comum, realça-se o papel crescente do IILP, sediado em Cabo Verde, e o do Secretariado Executivo da CPLP, que desenvolveu uma rede de parcerias para o lançamento de novas iniciativas nas áreas da promoção e difusão da Língua Portuguesa.
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Na passagem da efeméride, em artigo de opinião no Diário de Notícias, João Nuno Calvão da Silva, Presidente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa e Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, observa que o Português “é a língua oficial (ou de trabalho) em mais de 30 organizações internacionais, o quinto idioma mais utilizado na net, o quinto idioma mais falado no mundo” (o primeiro no hemisfério sul) e que, dos cerca de 263 milhões a falar a língua de Camões, passaremos, no fim do século, a ser 500 milhões, devido, sobretudo, à expectável evolução demográfica em Angola e Moçambique. Por isso, sustenta que, neste contexto de desordem internacional, “é imperativo que a CPLP reforce o seu papel no mundo” em torno da língua e do que ela representa em termos de valores e princípios que unem os povos irmãos.
Quando ainda enfrentamos a pandemia e, agora, a guerra na Ucrânia ameaça comportar, além da crise energética, uma crise alimentar e outras crises sanitárias (sobretudo em África), cabe a Portugal construir a ponte “entre o ideário europeu e o compromisso dos Estados Membros da CPLP”, para um mundo menos desigual, com menos corrupção, que devolva a igualdade de oportunidades, e na possibilidade de todos ascenderem, pelo mérito, a uma vida melhor.
O exemplo da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (Observador Consultivo da CPLP), com programas de mobilidade académica entre instituições no espaço lusófono e publicações em Português, e o da Universidade de Coimbra, uma das cinco classificadas como Património Mundial da UNESCO, mas a única pelo lado imaterial de valorização do ensino em Português ao longo de 732 anos de História, devem inspirar os membros da CPLP a unirem-se cada vez mais, para termos um mundo mais humano, na paz e na prosperidade.
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Os desafios estão à vista. Há que arregaçar as mangas e fazer em conjunto o trabalho difícil!

2022.07.17 – Louro de Carvalho  

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