A
conclusão é do Tribunal de Contas (TdC), que, no relatório de auditoria sobre a
Fase Zero da aquisição de computadores e conectividade para alunos com Ação
Social Escolar (ASE), publicado a 26 de julho, refere que, dos nove milhões de euros
com IVA, ou 7,4 milhões (7,4M€) sem IVA, previstos para a rede móvel, foram
pagos apenas 6,6 milhões com IVA e que houve equipamentos
entregues tardiamente aos alunos, apesar de terem sido faturados e pagos.
Face à
desconformidade, estimada em 1,3 M€, e/IVA, a SGEC empreendeu a pertinente
verificação e esclareceu que, à data da entrega dos equipamentos “ainda se
considerava possível financiamento pelo POCH (Programa Operacional do Capital
Humano), inserido no Portugal 2020, motivo pelo qual continham a referência ao
cofinanciamento por fundos comunitários”.
A
auditoria do TdC teve por objetivo verificar a conformidade legal dos procedimentos
de contratação pública, os respetivos contratos e a sua execução material e
financeira.
Na
verdade, a Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC) celebrou, em 2020,
seis contratos, três de aquisição de 100 mil computadores portáteis e três de conectividade
para os alunos das escolas públicas abrangidos pela Ação Social Escolar (ASE),
enquadrados no regime excecional de contratação pública e de autorização da
despesa constante do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, ratificado e
desenvolvido pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
A
autorização para a realização da despesa com as aquisições foi, primeiro, em
2020, apenas para estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário e
condicionada a financiamento assegurado a 100 % por fundos europeus, e, depois,
em 2021 (com efeitos a 2020), alargada a alunos com ASE, dos estabelecimentos
de ensino particulares e cooperativos, com contrato de associação, permitindo o
acréscimo de contrapartida pública nacional. Os contratos foram celebrados em
2020, sendo o montante total contratualizado, financiado por fundos europeus,
de 31,8 M€ (s/IVA) – 24,4 M€ relativos aos computadores portáteis e 7,4 M€ à
conectividade. E as dotações do Orçamento de Estado alcançaram 318 mil euros.
Na
Fase Zero, a que respeitam os contratos auditados, previu-se a distribuição dos
100 mil computadores pelos alunos dos ciclos do ensino básico nas regiões de
Lisboa e do Algarve e pelos alunos do ensino secundário de todas as regiões
(Alentejo, Algarve, Centro, Lisboa e Norte) dos estabelecimentos públicos de
ensino. Porém, a distribuição dos computadores portáteis e da conectividade às
escolas decorreu em desconformidade com o estabelecido nos contratos, já que
abrangeu estabelecimentos de ensino particulares e cooperativos, com contrato
de associação (para alunos com ASE), o que se previra. E, apesar de,
indevidamente, estes estabelecimentos não terem sido considerados (pois a
distribuição de computadores deveria incluir todos os alunos com ASE),
verificou-se que o âmbito do objeto dos contratos foi alargado, resultando na
alteração do modo de execução das prestações assumidas pelas partes,
modificando, assim, o seu conteúdo obrigacional. Mas houve alguma correção,
ainda que atamancada.
À
luz das disposições legais aplicáveis, nomeadamente alínea a) do no n.º 1 do
artigo 311.º do CCP (Código dos Contratos Públicos), qualquer
alteração contratual não pode revestir forma menos solene do que a do contrato
celebrado, pelo que se devia ter procedido à outorga das respetivas adendas, o
que não sucedeu. Além disso, os computadores distribuídos àqueles
estabelecimentos, com contrato de associação, não beneficiaram do financiamento
de fundos europeus e a sua aquisição foi suportada pelas dotações do Orçamento
do Estado.
A
distribuição dos computadores portáteis e da conectividade também não respeitou
os prazos contratualmente previstos (10 de setembro e 15 de outubro, para os
computadores, e 25 de setembro e 15 de outubro, para a conectividade, todos de
2020), pois as entregas às escolas ocorreram em finais de 2020 e as entregas
aos alunos ainda se alongaram pelos primeiros meses de 2021, o que levou a um
ajustamento, em baixa, dos valores contratuais. Entretanto, o Ministério da Educação
(ME) vinha anunciando a entrega de mais computadores.
No
atinente aos contratos de conectividade, observou-se que os pagamentos, no
total de 6,6 M€, e IVA, ficaram aquém do montante contratualmente previsto de
9,0 M€, e/IVA (7,4 M€, s/IVA). Nestes contratos foi estabelecido que as
respetivas prestações eram devidas desde a data da ativação até 31 de agosto de
2021, mas foi paga a prestação de serviços de conectividade de equipamentos
entregues às escolas, não aos alunos, pelo que sem qualquer ativação. A
conclusão da verificação, entretanto empreendida pela SGEC, da desconformidade
dos montantes faturados à luz das obrigações contratuais e da faturação emitida,
que a auditoria estima em cerca de 1,3 M€, mais IVA, é crítica para
determinação de eventuais pagamentos indevidos.
As
verificações efetuadas e as situações sinalizadas pelas escolas levaram a
identificar várias deficiências e insuficiências, designadamente: deficiente
identificação do financiamento nos equipamentos; fraca qualidade dos
computadores, computadores recusados, por afetar e mal acondicionados;
deficiente funcionamento da plataforma de registo dos equipamentos. Tais situações
suscitam a necessidade de se examinar a concreta afetação do financiamento
envolvido, o adequado funcionamento dos equipamentos e a eficácia dos sistemas
de acompanhamento, gestão e controlo, tendo em vista a boa gestão dos recursos
públicos aplicados e dos equipamentos fornecidos, o aperfeiçoamento dos
respetivos sistemas e, consequentemente, o sucesso da Escola Digital e a
modernização do sistema educativo.
Neste
contexto, as conclusões do Relatório da auditoria à “Aquisição de computadores
e de conectividade para alunos com Ação Social Escolar – Fase Zero” suscitaram
a formulação de recomendações dirigidas à SGEC para prosseguir o apuramento de
desconformidades no âmbito dos contratos de conectividade e para adotar as
medidas necessárias à melhoraria dos sistemas de acompanhamento, gestão e
controlo dos equipamentos.
Assim,
o TdC recomendou à SGEC que prossiga o apuramento de desconformidades entre os
montantes faturados e pagos no âmbito dos contratos de aquisição de hotspots e serviços de conectividade e
os montantes devidos à luz das obrigações contratuais; e que adote as medidas
necessárias para suprir as deficiências e insuficiências identificadas na
auditoria e melhorar os sistemas de acompanhamento, gestão e controlo dos
equipamentos.
***
Já
em 22 de julho de 2021, o TdC criticava o atraso do desenvolvimento do Programa
Escola Digital. Na verdade,
uma auditoria do TdC ao Ministério da Educação (ME) revelava, em 2021, que,
embora o ensino à distância durante a pandemia de COVID-19 “tenha sido
implementado em todas as escolas e anos de escolaridade”, não estavam reunidas
as condições para a sua eficácia. Em questão estava a existência de alunos e
professores com carências em competências digitais, sem computadores, dificuldades
no acesso à Internet e de escolas com meios obsoletos.
No relatório
da auditoria realizada para determinar se o Ministério assegurou aos 1,2
milhões de alunos dos ensinos básico e secundário o acesso ao ensino à
distância, o TdC detalhava que, apesar da falta de meios digitais, vista como o
“obstáculo mais significativo”, ter sido mitigada por apoios de autarquias,
associações e entidades privadas, “não foi solucionada, subsistindo um número
não quantificado de alunos sem os meios apropriados”.
Foram também
identificadas “insuficiências na recolha de informação” sobre o impacto da
pandemia no regime de ensino presencial, misto ou à distância em cada escola,
incluindo dados como o número de alunos sem um ou mais professores e sem meios
digitais, o número de professores em ensino à distância ou as horas letivas
previstas, mas não lecionadas.
Segundo o
TdC, a autorização para a aquisição de 386 milhões de euros em meios digitais
para as escolas foi tardia, acontecendo só no final do ano letivo 2019/20, e
estando condicionada à aprovação de fundos comunitários. Por sua vez, os meios
digitais em questão só começaram a chegar aos alunos no ano letivo de 2020/21 e
a mais de 60% só iria chegar no ano letivo seguinte, como explicava explica o
TdC, recordando que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê
investimentos de 559 milhões de euros na Escola Digital.
Também não
havia um “plano estratégico para a substituição dos meios digitais adquiridos
para as escolas”, nem a implementação de “procedimentos centralizados de
controlo preventivo da duplicação de apoios em meios digitais”, retirando eficácia
à distribuição prioritária entre os alunos mais carenciados e aumentando o
risco de desperdício do dinheiro público.
Por isso, o
TdC recomendava ao ME que se concretizasse o programa de investimentos para a
digitalização das escolas; que fosse elaborado um plano de substituição dos
meios digitais; e que o sistema de gestão escolar fosse aperfeiçoado, bem como
sistema de gestão e controlo de meios digitais de modo a prevenir a duplicação
de apoios.
***
Clamar,
como o fizeram alguns jornais, que o Estado
pagou 1,3 milhões de euros por ligações-fantasma à Internet não passa de
alarme inexato, pelo que só a leitura dos respetivos relatórios, embora alguns
de teor verrino, permite esclarecer cabalmente o que se passou.
Provavelmente, em circunstâncias destas, concorrem
empresas que não estão preparadas para o encargo, não resistem a priorizar
clientelas mais fiéis ou com menor volume de encomenda, aproveitando-se da
fragilidade da gestão pública e do excesso de burocracia. Depois, em tempo de
pandemia, os materiais não abundavam e eram caros, como sucede agora em ambiente
de guerra. Talvez o ME (que fez muito e depressa), complexa e extensa máquina
na administração pública, não disponha, aliás como outros departamentos do
Estado, de um número avantajado de técnicos superiores, visto que o setor público
paga mal, em comparação com o privado, e não oferece perspetiva atraente de
carreira, embora tenha garantido estabilidade no emprego. Como, não raro, muita
gente pensa mais no que o presente lhe oferece do que num futuro de qualidade
em situação de incapacidade ou de velhice, é tentador deixar-se levar por quem
hoje pague mais.
Além disso, os decisores políticos têm um tempo de lentidão
que não se compadece com a pressa ditada pelas circunstâncias. E, se acrescentarmos
a morosidade supina da administração… Mas já vi em empresas privadas a entregar
matérias para eventos, quando eles já estavam concluídos.
2022.07.26 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário