sexta-feira, 1 de julho de 2022

Novo aeroporto internacional de Lisboa continua a marcar passo

 

Andamos, há mais de meio século (53 anos), a estudar a localização do novo aeroporto para Lisboa e ainda não chegou a hora H, o que não diz nada bem de um Estado soberano. Parece que os romanos tinham razão quando se referiam aos Lusitanos com o povo que não se governa nem se deixa governar. Ora, é preciso que os técnicos e os decisores políticos se entendam.

Em 1969, Marcello Caetano, presidente do Conselho de Ministros, criou o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), que fez estudos preliminares de novas localizações do aeroporto: Fonte da Telha, Montijo, Porto Alto e Rio Frio. A Portela, hoje Aeroporto Humberto Delgado (AHD), manter-se-ia como infraestrutura aeroportuária. Em 1971, o GNAL definiu que a melhor localização seria Rio Frio, a 40 quilómetros de Lisboa, até porque estava prevista a passagem do eixo ferroviário Lisboa-Madrid pelo novo empreendimento. E, um ano depois, em 1972, foi estudada a hipótese de Alcochete, embora Rio Frio se mantivesse como a melhor opção.

Com o 25 de Abril, as grandes obras pararam. O GNAL foi desativado em 1978 e a ANA — Aeroportos e Navegação Aérea assumiu as suas funções. Caiu Rio Frio e a Ota, no concelho de Alenquer, foi a nova escolha. Em 1999, com o PS e António Guterres a liderar o Governo, a Ota persistiu e em 2005 mantinha-se como a melhor opção. Porém, a contestação, como as fortes críticas da Confederação Empresarial de Portugal e problemas a nível da execução da obra e aéreos, pela proximidade de uma serra, levaram a estudar alternativas, como Sintra e Tancos.

Em 2007, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) comparou Ota e Alcochete, usando as ferramentas da Avaliação Ambiental Estratégica. O estudo foi feito em meio ano e a opção do LNEC recaiu sobre o Campo de Tiro de Alcochete, local que teve uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) cuja validade se esgotou a 9 de dezembro de 2021. Com o país sob resgate, o governo de Pedro Passos Coelho privatizou a ANA, numa venda à francesa Vinci, sob a forma de contrato de concessão, assinado em dezembro de 2012. Alcochete caiu, alegadamente por causa dos custos, e começou a falar-se na hipótese Portela+1, sendo o aeroporto complementar Montijo, mas não foi formalizada qualquer proposta em concreto.

Em fevereiro de 2017, a ANA e o Governo de António Costa formalizaram um memorando de entendimento para estudo da expansão do AHD, com Montijo como aeroporto complementar. O investimento estimado era de €650 milhões na expansão do equipamento existente e €520 milhões no Montijo, no local da pista. A localização Montijo tem a declaração de impacto ambiental (DIA), mas o projeto não tem luz verde da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), porque algumas câmaras municipais vetaram a decisão, apoiadas na lei vigente. 

Além das críticas ambientais, conexas com o excesso de ruídos e com a saturação atmosférica junto de grandes áreas urbanas e com a biodiversidade (aves que se extinguiriam e aquíferos contamináveis), alegava-se uma precoce saturação da infraestrutura, pela suposta subida do nível das águas, mercê das alterações climáticas, ficando reduzida a já curta dimensão da(s) pista(s).  

 

A 29 de junho, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, despachou que, em quatro anos, se faria o aeroporto no Montijo e que, entretanto, se preparava tudo para iniciar um aeroporto faseado em Alcochete, pronto em 2036, após o que a Portela seria desativada.

Tal despacho apanhou de surpresa, quer o partido do governo, quer os partidos da oposição. E as críticas não se fizeram esperar, com exceção do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que pensa no novo aeroporto como obra urgente, porque a Portela está francamente saturada.      

Às críticas o ministro contrapunha: “Andamos há anos demais a decidir. Já chega. Não havia nenhuma decisão que não fosse alvo de críticas, por isso vamos avançar.”

E garantiu: “Chegámos à solução ótima, que permite uma solução de curto prazo ao país, ao mesmo tempo que começamos a trabalhar numa solução que tenha futuro”.

O Presidente da República disse que precisava de conhecer e analisar os aspetos jurídicos e técnicos da decisão acabada de tomar.

Pelos vistos, o que o governante anunciou como decisão do Governo foi um cenário que levou a António Costa numa reunião e que o primeiro-ministro considerou como hipótese. Em termos formais, o despacho polémico nunca foi a Conselho de Ministros, o que levou o primeiro-ministro a tirar o tapete, logo pela manhã do dia 30 de junho, a Pedro Nuno Santos, dizendo que “compete ao primeiro-ministro garantir a unidade, a credibilidade e a colegialidade da ação governativa”.

No dia 30 de junho, em São Bento, mais do que o futuro do ministro, jogou-se o futuro do PS e do Governo. Costa não demitiu o ministro das infraestruturas e o ministro não se demitiu. Mas definiu-se como será doravante a relação entre ambos: Costa obrigou Pedro Nuno a recuar em para não deixar cair a face e a promessa de consenso com o PSD e ficará com mais poder sobre o governante mais rebelde e mais ambicioso; e o ministro aceitou as condições, ao assumir “toda a responsabilidade” pela “falha infeliz” e pela falta de “articulação política” na gestão política do dossiê do aeroporto. Uma dessas condições passa por ter de negociar com o PSD a solução para o novo aeroporto, desdizendo o que decidira e anunciara – Montijo, como solução temporária, e Alcochete, como solução definitiva – e deixando cair as críticas feitas ao líder eleito do PSD de que este se tinha “posto de fora” da solução. Efetivamente, Costa aceita esperar pela agenda de Luís Montenegro, se este quiser negociar a solução, pois sabe que Montenegro terá de começar o mandato, marcando diferenças para a governação.

É, então, mister deixar serenar os ânimos e reparar os danos, o que pode demorar alguns meses. E Pedro Nuno Santos retomou o trabalho, vai “construir a relação e condições de trabalho” e promete “uma procura ativa do consenso”, sobretudo, “com o maior partido da oposição”.

O recuo do ministro é não só no conteúdo do seu despacho, que acabou por ser revogado, ,as também na forma como o fez. António Costa disse aos jornalistas que não sabia que o ministro ia tomar tal decisão e que desconhecia o conteúdo do despacho. E, nas declarações que fez, disse que tinha sido “cometido um erro grave, felizmente prontamente corrigido”, e que Pedro Nuno Santos “não agiu de má-fé”, tendo, ao invés, “a humildade de assumir publicamente o erro”.

Montijo como solução temporária e Alcochete como solução definitiva é hipótese falada entre os diferentes intervenientes (ministro, primeiro-ministro e ANA), mas com diferentes interpretações sobre a premência do tema. O episódio pode ficar, pois, como “erro de perceção mútuo” no governo, o que está longe de ser inédito. E Marcelo, que não logrou a queda de Pedro Santos, bem pode dizer que a responsabilidade de manter os ministros é do primeiro-ministro, e não sua.

A solução para o novo aeroporto estava a ser trabalhada há semanas e seria anunciada após o congresso do PSD. Agora, depois da posição do primeiro-ministro, pode vir a ser diferente do que o ministro decidira no polémico despacho. Para António Costa, esta era uma das opções técnicas em cima da mesa, não a decisão definitiva. A única certeza que fica do despacho ministerial é que a empresa espanhola Coba/Ineco, que iria fazer a Avaliação Ambiental Estratégica, ficará de fora, passando o estudo a ser feito pelo LNEC. E avançar para uma avaliação que contemple Montijo apenas como temporário e Alcochete como localização definitiva “é apenas uma hipótese”.

Do lado de António Costa havia a intenção de deixar nas mãos do próprio a decisão e a avaliação das condições para o ministro continuar no governo. A esta posição do primeiro-ministro não são alheios fatores, como o facto de não ser habitual o chefe do governo deixar cair um ministro e o facto de Pedro Nuno Santos poder passar para o lado de fora do governo e fazer oposição interna de forma ativa. Do lado do ministro havia uma resistência à demissão, pois seria assumir que o erro cometido era grave a ponto de causar a sua saída, o que não aconteceu em casos mais recentes como o de Mário Centeno ou de João Gomes Cravinho.

Todavia, havia que gerir a potencial crise na relação do governo com o Presidente da República. Costa suavizou o atropelo ao expressar, no comunicado do seu gabinete, que “a solução tem de ser negociada e consensualizada com a oposição, em particular com o principal partido da oposição”, e nunca “sem a devida informação prévia ao senhor Presidente da República”.

No entanto, Marcelo não estava às escuras sobre o assunto e sabia que o governo decidiria em breve não assinar o contrato com a empresa espanhola para a Avaliação Ambiental Estratégica, que seria atribuída ao LNEC, mas com âmbito diferente. Mais: o ministro e o Presidente da República falaram ainda no dia 29 de junho, depois de o Chefe de Estado ter dito que precisava de conhecer mais pormenores sobre a decisão do ministro.

Quem foi posto de parte do processo foi João Cepeda, o novo diretor de comunicação do governo. Teve, a 28 de junho, a primeira reunião com os assessores de imprensa do governo e de nada disto se falou. Quanto à forma da comunicação, o gabinete do ministro agiu dentro da sua autonomia. Porém, assim, a questão, mais do que erro comunicacional, é de coordenação do executivo.

***

Em todo o caso, removam-se os escolhos, mas faça-se o aeroporto, preferencialmente em sítio que tenha condições de segurança, dimensão e expansão. Basta de tanto esperar!

2022.07.01 – Louro de Carvalho

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