Andamos, há mais de meio século (53 anos), a estudar a localização do novo
aeroporto para Lisboa e ainda não chegou a hora H, o que não diz nada bem de um
Estado soberano. Parece que os romanos tinham razão quando se referiam aos
Lusitanos com o povo que não se governa nem se deixa governar. Ora, é preciso que
os técnicos e os decisores políticos se entendam.
Em 1969, Marcello Caetano, presidente do Conselho de Ministros, criou o
Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), que fez estudos preliminares de
novas localizações do aeroporto: Fonte da Telha, Montijo, Porto Alto e Rio
Frio. A Portela, hoje Aeroporto Humberto Delgado (AHD), manter-se-ia como
infraestrutura aeroportuária. Em 1971, o GNAL definiu que a melhor localização
seria Rio Frio, a 40 quilómetros de Lisboa, até porque estava prevista a
passagem do eixo ferroviário Lisboa-Madrid pelo novo empreendimento. E, um ano
depois, em 1972, foi estudada a hipótese de Alcochete, embora Rio Frio se
mantivesse como a melhor opção.
Com o 25 de Abril, as grandes obras pararam. O GNAL foi desativado em 1978
e a ANA — Aeroportos e Navegação Aérea assumiu as suas funções. Caiu Rio Frio e
a Ota, no concelho de Alenquer, foi a nova escolha. Em 1999, com o PS e António
Guterres a liderar o Governo, a Ota persistiu e em 2005 mantinha-se como a
melhor opção. Porém, a contestação, como as fortes críticas da Confederação Empresarial
de Portugal e problemas a nível da execução da obra e aéreos, pela proximidade
de uma serra, levaram a estudar alternativas, como Sintra e Tancos.
Em 2007, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) comparou Ota e
Alcochete, usando as ferramentas da Avaliação Ambiental Estratégica. O estudo
foi feito em meio ano e a opção do LNEC recaiu sobre o Campo de Tiro de
Alcochete, local que teve uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) cuja
validade se esgotou a 9 de dezembro de 2021. Com o país sob resgate, o governo de
Pedro Passos Coelho privatizou a ANA, numa venda à francesa Vinci, sob a forma
de contrato de concessão, assinado em dezembro de 2012. Alcochete caiu,
alegadamente por causa dos custos, e começou a falar-se na hipótese Portela+1,
sendo o aeroporto complementar Montijo, mas não foi formalizada qualquer proposta
em concreto.
Em fevereiro de 2017, a ANA e o Governo de António Costa formalizaram um memorando
de entendimento para estudo da expansão do AHD, com Montijo como aeroporto
complementar. O investimento estimado era de €650 milhões na expansão do
equipamento existente e €520 milhões no Montijo, no local da pista. A
localização Montijo tem a declaração de impacto ambiental (DIA), mas o projeto
não tem luz verde da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), porque algumas câmaras municipais vetaram a
decisão, apoiadas na lei vigente.
Além das críticas ambientais, conexas com o excesso de ruídos e com a saturação
atmosférica junto de grandes áreas urbanas e com a biodiversidade (aves que se
extinguiriam e aquíferos contamináveis), alegava-se uma precoce saturação da infraestrutura,
pela suposta subida do nível das águas, mercê das alterações climáticas,
ficando reduzida a já curta dimensão da(s) pista(s).
A 29 de junho, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação,
despachou que, em quatro anos, se faria o aeroporto no Montijo e que, entretanto,
se preparava tudo para iniciar um aeroporto faseado em Alcochete, pronto em
2036, após o que a Portela seria desativada.
Tal despacho apanhou de surpresa, quer o partido do governo, quer os
partidos da oposição. E as críticas não se fizeram esperar, com exceção do Presidente
da Câmara Municipal de Lisboa, que pensa no novo aeroporto como obra urgente, porque
a Portela está francamente saturada.
Às críticas o ministro contrapunha: “Andamos há
anos demais a decidir. Já chega. Não havia nenhuma decisão que não fosse alvo
de críticas, por isso vamos avançar.”
E garantiu: “Chegámos à solução ótima, que
permite uma solução de curto prazo ao país, ao mesmo tempo que começamos a
trabalhar numa solução que tenha futuro”.
O Presidente da República disse que precisava de conhecer e analisar os aspetos
jurídicos e técnicos da decisão acabada de tomar.
Pelos vistos, o que o governante anunciou como decisão do Governo foi um
cenário que levou a António Costa numa reunião e que o primeiro-ministro
considerou como hipótese. Em termos
formais, o despacho polémico nunca foi a Conselho de Ministros, o que levou o
primeiro-ministro a tirar o tapete, logo pela manhã do dia 30 de junho, a Pedro
Nuno Santos, dizendo que “compete ao primeiro-ministro garantir a unidade, a credibilidade
e a colegialidade da ação governativa”.
No dia 30 de junho, em São Bento, mais do que o futuro do ministro, jogou-se o futuro do PS e
do Governo. Costa não demitiu o ministro das infraestruturas e o ministro não
se demitiu. Mas definiu-se como será doravante a relação entre ambos: Costa
obrigou Pedro Nuno a recuar em para não deixar cair a face e a promessa de
consenso com o PSD e ficará com mais poder sobre o governante mais rebelde e
mais ambicioso; e o ministro aceitou as condições, ao assumir “toda a
responsabilidade” pela “falha infeliz” e pela falta de “articulação política” na
gestão política do dossiê do aeroporto. Uma dessas condições passa por ter de
negociar com o PSD a solução para o novo aeroporto, desdizendo o que decidira e
anunciara – Montijo, como solução temporária, e Alcochete, como solução
definitiva – e deixando cair as críticas feitas ao líder eleito do PSD de que
este se tinha “posto de fora” da solução. Efetivamente, Costa aceita esperar
pela agenda de Luís Montenegro, se este quiser negociar a solução, pois sabe
que Montenegro terá de começar o mandato, marcando diferenças para a governação.
É, então, mister deixar serenar os ânimos e reparar os danos, o que pode
demorar alguns meses. E Pedro Nuno Santos retomou o trabalho, vai “construir a
relação e condições de trabalho” e promete “uma procura ativa do consenso”,
sobretudo, “com o maior partido da oposição”.
O recuo do ministro é não só no conteúdo do seu despacho, que acabou por
ser revogado, ,as também na forma como o fez. António Costa disse aos
jornalistas que não sabia que o ministro ia tomar tal decisão e que desconhecia
o conteúdo do despacho. E, nas declarações que fez, disse que tinha sido
“cometido um erro grave, felizmente prontamente corrigido”, e que Pedro Nuno
Santos “não agiu de má-fé”, tendo, ao invés, “a humildade de assumir
publicamente o erro”.
Montijo como solução temporária e Alcochete como solução definitiva é
hipótese falada entre os diferentes intervenientes (ministro, primeiro-ministro
e ANA), mas com diferentes interpretações sobre a premência do tema. O episódio
pode ficar, pois, como “erro de perceção mútuo” no governo, o que está longe de
ser inédito. E Marcelo, que não logrou a queda de Pedro Santos, bem pode dizer
que a responsabilidade de manter os ministros é do primeiro-ministro, e não
sua.
A solução para o novo aeroporto estava a ser trabalhada há semanas e seria
anunciada após o congresso do PSD. Agora, depois da posição do
primeiro-ministro, pode vir a ser diferente do que o ministro decidira no polémico
despacho. Para António Costa, esta era uma das opções técnicas em cima da mesa,
não a decisão definitiva. A única certeza que fica do despacho ministerial é
que a empresa espanhola Coba/Ineco, que iria fazer a Avaliação Ambiental
Estratégica, ficará de fora, passando o estudo a ser feito pelo LNEC. E avançar
para uma avaliação que contemple Montijo apenas como temporário e Alcochete
como localização definitiva “é apenas uma hipótese”.
Do lado de António Costa havia a intenção de deixar nas mãos do próprio a
decisão e a avaliação das condições para o ministro continuar no governo. A
esta posição do primeiro-ministro não são alheios fatores, como o facto de não
ser habitual o chefe do governo deixar cair um ministro e o facto de Pedro Nuno
Santos poder passar para o lado de fora do governo e fazer oposição interna de
forma ativa. Do lado do ministro havia uma resistência à demissão, pois seria
assumir que o erro cometido era grave a ponto de causar a sua saída, o que não
aconteceu em casos mais recentes como o de Mário Centeno ou de João Gomes Cravinho.
Todavia, havia que gerir a potencial crise na relação do governo com o
Presidente da República. Costa suavizou o atropelo ao expressar, no comunicado
do seu gabinete, que “a solução tem de ser negociada e consensualizada com a
oposição, em particular com o principal partido da oposição”, e nunca “sem a
devida informação prévia ao senhor Presidente da República”.
No entanto, Marcelo não estava às escuras sobre o assunto e sabia que o governo
decidiria em breve não assinar o contrato com a empresa espanhola para a Avaliação
Ambiental Estratégica, que seria atribuída ao LNEC, mas com âmbito diferente. Mais:
o ministro e o Presidente da República falaram ainda no dia 29 de junho, depois
de o Chefe de Estado ter dito que precisava de conhecer mais pormenores sobre a
decisão do ministro.
Quem foi posto de parte do processo foi João Cepeda, o novo diretor de
comunicação do governo. Teve, a 28 de junho, a primeira reunião com os
assessores de imprensa do governo e de nada disto se falou. Quanto à forma da
comunicação, o gabinete do ministro agiu dentro da sua autonomia. Porém, assim,
a questão, mais do que erro comunicacional, é de coordenação do executivo.
***
Em todo o caso, removam-se os escolhos, mas faça-se
o aeroporto, preferencialmente em sítio que tenha condições de segurança,
dimensão e expansão. Basta de tanto esperar!
2022.07.01 – Louro de Carvalho
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