domingo, 31 de julho de 2022

Basta a fé em Jesus Cristo para chegar à salvação

 

Na Carta aos Colossenses, Paulo polemiza contra os “doutores” para quem a fé em Cristo deve ser complementada com o conhecimento dos anjos e com certas práticas legalistas e ascéticas. Face à disseminação de tal exigência, alegadamente em nome do Evangelho, o Apóstolo das Gentes ensina aos seus leitores que a fé em Cristo, entendida como adesão à pessoa de Cristo, identificação com Ele e assunção de toda a sua doutrina, basta para chegarmos à salvação.

Neste sentido, o trecho tomado para segunda leitura da liturgia do XVIII domingo do Tempo Comum no Ano C (Cl 3,1-5.9-11) integra a parte moral da carta (cf Col 3,1-4,1), “viver segundo o Evangelho”, onde Paulo tira conclusões práticas do que expôs na primeira parte – Cristo basta para a salvação – e convoca os Colossenses a viverem, no quotidiano, conforme a vida nova que os identifica com Jesus Cristo, que veio para que tenhamos a vida e a tenhamos em abundância.

A perícopa em referência está dividida em duas partes.

Em primeiro lugar (Cl 3,1-4), surge, como ponto de partida e como base sólida da vida cristã, a união com o Senhor ressuscitado, com quem os cristãos se identificam pelo batismo. Com essa misteriosa identificação com o Senhor que morreu e ressuscitou, os crentes em Cristo morreram para o pecado e renasceram para a vida nova, que deve crescer progressivamente no quotidiano e que se manifestará em plenitude, quando Cristo “aparecer”. Na verdade, a Carta aos Colossenses alimenta nos cristãos a espera da vinda gloriosa de Cristo, como se esta estivesse iminente, quando para ela não há dia nem hora marcados. Não obstante, a Igreja, enquanto peregrina neste mundo, aguarda em jubilosa esperança a vinda de Cristo Salvador, anuncia a sua morte e proclama a sua gloriosa ressurreição.  

Na segunda parte do trecho em apreço (Cl 3,5.9-11), Paulo apresenta as exigências práticas dessa identificação com Cristo ressuscitado. O cristão deve abjurar da imoralidade, da impureza, das paixões, dos maus desejos, da cupidez, enfim, de todos os falsos deuses carnais que enchem a vida do homem velho. E, como o vazio é mau conselheiro, o crente em Jesus Cristo deve encher-se da graça ou, seja, deve revestir-se do Homem Novo, renovando-se continuamente até que nele brilhe a “imagem de Deus”. Quando isto for a realidade, desaparecerá a velharia das diferenças de povo, de raça, de religião; e todos serão iguais, porque são “imagem de Deus”. Foi para isto que Jesus Cristo veio: salvar o mundo, salvando cada pessoa através da criação da comunidade de homens novos que sejam no mundo a “imagem de Deus”. Assim, a identificação com Cristo ressuscitado – que resulta do batismo – é um renascimento contínuo, uma provocação constante, que deve levar-nos a parecer-nos cada vez mais com Deus.

É eloquente a advertência paulina do início da perícopa, que se utiliza muito em contexto pascal: “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.” É evidente que nem o crente nem a comunidade crente têm “asas” para voar. Por isso, a missão da comunidade que se perfila como identificada com Cristo é andar em saída, peregrinar. E, neste seu peregrinar missionário, deve acompanhar todas as pessoas e a pessoa toda, fazendo que se realize a satisfação dos seus profundos anseios e das suas legítimas aspirações e levando a aderir a Cristo com todas as consequências.

Entretanto, neste peregrinar sinodal (em conjunto e na escuta de Deus e dos seus sinais no mundo), há uma bitola e uma referência. A referência é Jesus Cristo, que nos pôs e deixou em missão, subiu aos céus e está sentado à direita do Pai a interceder por nós, donde nos atrai constantemente para que nos afeiçoemos ao Reino de Deus e o dilatemos. A bitola é o Céu, o Alto, donde nos vem a lucidez e a força para a missão, veiculadas e inculcadas pelo Espírito Santo. Por isso, o Apóstolo exorta a que nos afeiçoemos às coisas do Alto. De facto, peregrinar levando com a poeira ou a lama da terra e gostar disso é absurdo. Porém, é necessário peregrinar na Terra, pelo Reino de Deus, suportando a poeira, a lama, os pedregulhos, as silvas, as feras, mas sempre de olhos postos no céu e na pessoa de Cristo, que Se faz próximo de nós pela sua presença na eucaristia, na assembleia, na pessoa do ministro que serve in persona Christi, na pessoa dos doentes, dos pobres e dos demais atingidos pelas diversas vulnerabilidades.

A advertência paulina é mencionada em contexto pascal. Na verdade, a ressurreição de Cristo mostra a rotunda falência das coisas puramente terrestres. No entanto, a advertência cai que nem uma luva também na contemplação da Ascensão do Senhor e na Assunção da Virgem mãe.

A ressurreição dá-nos o Senhor redivivo, mas o sepulcro ainda preocupa e inspira medo. Porém, a ascensão, a que se acopla necessariamente a descida pentecostal do Espírito Santo, coroa, em definitivo, a caminhada pascal do Senhor. Veio do Céu e para o Céu voltou, sem se desligar daqueles e daquelas que deixou na Terra em militância orante. No caso da assunção de Maria, que só é diferente da ascensão porque a sua “ascensão” é por obra e graça do Filho, evidencia-se a participação da Mãe na totalidade do mistério de Cristo. Ela foi presenteada com a dádiva da conceição imaculada, eleita para mãe do Senhor, o Messias, sem concurso biológico de varão, acompanhou o Senhor no transe do Calvário, onde permaneceu de pé, saboreou a nova da ressurreição, acompanhou, pela oração, silêncio e palavra discreta, os primeiros passos da Igreja nascente e, por fim, sofreu transitoriamente a morte. Liberta da corrupção do túmulo, que não convinha à transcendência do Filho, esplende como protótipo e membro peculiar da Igreja, que se associa à vida quotidiana, à vida pública, à morte, à ressurreição e à assunção de Cristo.

Maria, nas pegadas de Cristo, segue Cristo, o Caminho, e aponta-no-lo para que o Sigamos. Assim, a advertência paulina é bem-vinda em qualquer contexto que possa tomar-se como pascal. É também o caso do nosso batismo, do sacramento da reconciliação, da celebração eucarística e, obviamente, aquando da morte dos nossos familiares e amigos.

Para tanto, convém que, além da advertência aos Colossenses, levemos a peito advertência feita aos Coríntios: “Celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade” (1Cor 5,8).

2022.07.31 – Louro de Carvalho

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