sábado, 16 de julho de 2022

Auditoria do Tribunal de Contas arrasa a gestão do Novo Banco

A 12 de julho, o Tribunal de Contas (TdC) procedeu à divulgação da auditoria solicitada pelo Parlamento e que é o segundo exame do Tribunal ao financiamento público do Novo Banco (NB) pelo Fundo de Resolução (FdR), ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (ACC) celebrado a 18 de novembro de 2017, tendo o primeiro exame, de cujas recomendações não houve cumprimento, incidido sobre o processo desse financiamento (Relatório 7/2021 – 2.ª Secção).
A auditoria, finalizada a 7 de julho e ora divulgada, teve por objetivo avaliar se a gestão do NB com financiamento público salvaguardou o interesse público, o que, para o TdC e nos termos solicitados, significa otimizar (minimizar) o recurso a esse financiamento pela verificação das condições seguintes: adequada avaliação e valorização contabilística dos ativos; adequado reconhecimento de perdas nos ativos, por imparidade; venda de ativos sem prejudicar o balanço do banco (sem perdas); inexistência de conflitos de interesses e de complacência; inexistência de práticas destinadas a acionar o mecanismo de capital contingente; eficaz controlo público (incluindo acatar o recomendado pelo TdC).
As principais conclusões da auditoria são:
O plano de reestruturação elaborado pela Lone Star para demonstrar a viabilidade do NB no final do período de reestruturação, visando a não oposição da Comissão Europeia (CE) à operação de venda e aos auxílios de Estado, previa o acionamento do mecanismo de capitalização contingente (até 3,9 mil milhões de euros) por valores próximos dos verificados (3,4 mil milhões de euros até 31 de dezembro de 2021). Porém, a utilização do mecanismo revela a incapacidade do NB (ou o não propósito) de gerar com a sua atividade níveis de capital adequados à cobertura dos riscos.
Subsiste o risco do período de reestruturação se prolongar para lá da data prevista, pois o NB não atingiu os níveis de rendibilidade estabelecidos e a CE ainda não se pronunciou sobre o fim desse período. E subsiste o risco de acionamento do mecanismo de capital adicional, até 1,6 mil milhões de euros, previsto nos compromissos assumidos pelo Estado para assegurar a viabilidade do NB, o que os impactos da pandemia e do conflito na Ucrânia tendem a agravar.
Na venda do NB, a avaliação e valorização dos ativos registados no balanço, que não eram adequadas, exigiam a constituição de provisões para potenciais perdas. Ora, nem o Estado, nos compromissos assumidos ante a CE, nem o Banco de Portugal (BdP), ao negociar o ACC, salvaguardaram a minimização do recurso ao apoio financeiro público, assegurando o controlo.
Em 2018 e 2019, o NB vendeu ativos com desconto de 75% face ao valor nominal ou valor contabilístico bruto e de 33% face ao valor contabilístico líquido de imparidades. Não foi demonstrado que a estratégia de redução de ativos por vendas em carteira fosse eficaz e eficiente na prossecução do princípio da minimização das perdas/maximização do valor dos ativos. Nas revendas realizadas, os compradores do património imobiliário, incluído em duas carteiras, obtiveram mais-valias iguais ou superiores a 60%.
Em operações do NB identificaram-se riscos de conflito de interesses e potenciais impedimentos.
Detetaram-se práticas que, sendo evitáveis pela gestão do NB, oneraram o financiamento público.
Decorrido um ano, não foi acatado o recomendado no Relatório 7/2021 sobre demonstração e validação do valor a financiar, comunicação da imputação de responsabilidades, segregação de funções e riscos de complacência ou de conflito de interesses. 
Em suma, a gestão do NB com financiamento público não salvaguardou o interesse público, por não ter sido otimizado (minimizado) o recurso a esse financiamento, através da verificação das condições identificadas pelo TdC, em consonância com os termos solicitados pelo Parlamento.
​As conclusões suscitaram a formulação de um conjunto de recomendações dirigidas às entidades responsáveis, visando a correção das deficiências reportadas.
Assim, o TdC quer receber até ao início de 2023 a lista das operações que causaram as perdas do NB que levaram o FdR a injetar €8,3 mil milhões, desde 2014, como pretende os nomes dos responsáveis por esses prejuízos, seja por ação, seja por omissão” – trabalho que fica para uma gestão já não encabeçada por António Ramalho, pois sairá no fim do mês, dando lugar a Mark Bourke, hoje administrador financeiro.
Como encargo para o ex-BES, o TdC fica a missão de “identificar as ações desencadeadas para imputar aos seus responsáveis as perdas que geraram os défices de capital do NB” e, depois, reportar “anualmente” os valores que são recuperados através de tais ações.
Destas recomendações para a responsabilização dos decisores – que recua até à gestão em 2014 – foi notificado o Ministério Público (MP).
O TdC encontrou recomendações por cumprir deixadas na primeira auditoria ao banco, que se debruçou especialmente sobre o financiamento público ao NB, e que ficou concluída em 2021. Por sua vez, em comunicado, o NB diz estar “a analisar as recomendações, mas lembrou que é preciso ter “presente o momento da concessão dos créditos que originaram as perdas em questão”, ou seja, recuando sobretudo para o período do BES e não ficando no período após a criação do NB, pois, na justiça, estão a correr processos sobre a gestão do antigo BES. E o banco sustenta que a entidade de fiscalização carece de legitimidade para fazer auditoria em que avalie o interesse público levado a cabo por uma instituição financeira privada e que a avaliação ora feita aponta “interesses públicos arbitrariamente identificados e interpretados em abstrato”.
Assim, o NB descarta responsabilidades: “Eventuais violações da salvaguarda dos interesses públicos envolvidos apenas podem ser assacadas ao Estado português, ao Banco de Portugal e/ou ao Fundo de Resolução aquando da definição do modelo de venda.”
E à “acusação” do TdC de que nenhuma das partes defendeu o interesse público, já que nenhuma minimizou as perdas do NB com dinheiros do Estado, tanto o supervisor (BdP) como o FdR responderam que aquela visão é apenas sobre o uso de dinheiros estatais, descurando outros critérios como a estabilidade financeira.
No documento de 577 páginas, o TdC é muito crítico da gestão do NB, que tomou decisões para se aproveitar do “escudo protetor” criado em 2017. Do teto máximo de €3,89 mil milhões, o banco recebeu €3,4 mil milhões e já solicitou verbas que se aproximam do limite máximo. As vendas de carteiras de ativos, como imóveis, foram em operações que se debruçou, advertindo que o NB foi além dos limites exigidos para a redução dos ativos problemáticos. E, se a meta destes ativos foi cumprida, o mesmo não aconteceu com outros indicadores, o que está a atrasar a libertação do banco égide de Bruxelas.
O período de reestruturação do NB deveria ter terminado no fim de 2021, mas o TdC admite que possa ser prolongado, pois, até agora, a CE não se pronunciou, ao passo que, ao olhar para o plano de reestruturação da Caixa Geral de Depósitos (CGD), demorou quatro meses, mas agora já vai no sétimo mês. Entretanto, a Bruxelas não comenta as considerações da entidade de fiscalização, porque o processo de monitorização “ainda está em curso”. Ora, não tendo sido dado por concluído o período de reestruturação, mantém-se ativa a rede de segurança pela qual o Estado assumiu que viria a injetar diretamente mais €1,6 mil milhões, se tudo corresse mal no NB. E o TdC alerta para esse risco, por ter dúvidas sobre a viabilidade do banco na atual situação.
Todas as entidades têm recusado o tal encargo adicional de €1,6 mil milhões, e o Governo escreveu no contraditório à auditoria: “O acionamento do backstop é necessariamente precedido do esgotamento de qualquer financiamento privado (próprio ou alheio) ou do insucesso de medidas de libertação de fundos próprios”.
No relatório de auditoria são elencados outros encargos que o FdR pode ter, além dos €485 milhões do mecanismo. Há ações judiciais do tempo do BES que têm um valor de €81,7 milhões que podem vir a cair sobre o NB, a juntar a €5,2 milhões já notificados por essa via. Além disso, o NB comunicou ao FdR que tem de pagar outros €56 milhões “a título de indemnização pelo incumprimento de declarações em garantia”, previstos na venda. E o FdR remete a “eventual obrigação de pagamento” para a “realização de proveitos da venda pelo Fundo da sua participação no capital social do NB”.
Não se sabe qual é o prazo máximo que o NB tem para pagar os créditos do Estado para o financiamento. Achava-se que seria 2046, mas já se fala em 2056, e o TdC adianta que em “cenários pessimistas” pode chegar a 2062, terá António Ramalho mais de 100 anos.
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Em suma, o banco contraria todas as conclusões do TdC, defendendo que não tem a missão de cumprir o “interesse público”, atirando tal papel para as entidades do Estado, incluindo o BdP, e recusando ter incumprido qualquer lei ou qualquer acordo com a CE. O Governo não reagiu à divulgação à auditoria, mas o gabinete de Fernando Medina escreveu, no contraditório, que a hipótese de perdas após a venda era real (daí a criação do mecanismo) e que o cenário mais grave se concretizou sobretudo por fatores externos, que afetaram os resultados, como lembra que, na última assembleia-geral votou contra a aprovação de contas e contra a apreciação da gestão. O BdP alega que o TdC não pode “limitar a definição de ‘interesse público’ a uma única dimensão de um interesse (muito) mais vasto, o que leva a auditoria a incorrer num risco de enviesamento que contradiz frontalmente todo o esforço coletivo que conduziu à criação e à aplicação do regime jurídico da resolução bancária”, tal como ataca conclusões “sem adequada demonstração”, “sem correspondência com a realidade” e sem olhar para o contexto europeu. E o FdR recusa a ideia de que não foi proativo para evitar eventuais abusos por parte do NB, frisando que as perdas dos ativos protegidos foram em mil milhões de euros superiores ao valor injetado no banco, vincando a sua oposição a várias medidas e apontando à auditoria a não apresentação de “qualquer cenário alternativo” em que, nas circunstâncias concretas, “aquele financiamento pudesse ter sido menor”.
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Banco que resultou de resolução estapafúrdia para os clientes e para os contribuintes, que foi vendido de modo que o vendedor ficasse com os encargos advenientes da verificação dos riscos, que vendeu património ao desbarato, sem a apreciação do perfil dos compradores, sem autorização do Estado, um dos acionistas (a Deloitte aponta a venda da sucursal espanhola) e sem o cálculo de potenciais perdas e que explorou até ao tutano as facilidades contratuais, independentemente da eficácia da gestão, tudo lhe servindo de pretexto para justificar prejuízos, não pode circundar a cabeça da coroa de louros por ter recentemente passado à fase de lucros. E, se pensarmos na reestruturação que encerrou balcões, dispensou funcionários e reforçou taxas de crédito pessoal de manutenção de conta e de pagamento de serviços, concluiremos pelo absurdo de pagar vencimentos e prémios em valores astronómicos aos seus ilustres gestores.
Uma entidade privada não persegue o interesse público, mas não o pode molestar e deixar de o ter em consideração. E onde estavam o regulador/supervisor e o representante do Estado?

2022.07.15 – Louro de Carvalho 

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