Não
me peçam “rúbricas”, nem me falem delas a nível legislativo, contabilístico,
orçamental, pedagógico, tipográfico ou qualquer outro, porque isso não existe.
O
termo que existe é “rubrica” paroxítono ou grave, quanto à acentuação
prosódica, com o plural “rubricas” e as cognatas rubricar, rubrica cão, rubricador, rubricista e rubricismo.
O
termo “rubrica” vem do Latim, grafado como em Português, mas era,
originariamente, o adjetivo da 1.ª classe “rubricus, a, um”, com a sílaba “bri”
longa por natureza. Ora, antepondo-lhe ou subentendendo-lhe “terra, ae”, nome
da 1.ª declinação ficava “terra vermelha”. Com o fluir do tempo,
substantivou-se o termo e “rubrica” passou, sozinho, a significar terra vermelha, giz vermelho e ocra vermelha
(com que se escreviam os títulos e os artigos das leis e textos afins). Por
extensão, passou a designar a própria rubrica (texto), a vermelhidão, o próprio
título ou o artigo da lei, a tinta vermelha com que se escreviam as rubricas,
com que se marcavam tabelas, monumentos ou com que se pintava o rosto ou,
antigamente, se estancava o sangue, o almagre com que os carpinteiros faziam
traços nas peças de madeira e, ainda, cada uma das indicações da postura,
gestos e movimentos dos atores, consignadas nos respetivos papéis.
Recordo
que o adjetivo “rubricus” é da família do verbo “rubere” (da 2.ª conjugação,
que significa estar vermelho, ser tinto de vermelho, fazer-se vermelho, corar) – com o particípio presente “rubens, rubentis” (vermelho, ardente, colorido, esmaltado) – “e do verbo incoativo “rubescere”
(da 3.ª conjugação, que significa tornar-se
vermelho, corar). É da família de
palavras como “ruber, a, um” (adjetivo da 1.ª classe relacionado com rutus, robur, robus e russus – a significar vermelho, rubro, ruivo); “rubelius,
a, um” (adjetivo da 1.ª classe, diminutivo de “ruber”, a significar vermelhinho); “rubeus, a, um” (adjetivo da
1.ª classe, que significa vermelho, ruivo, de silva); “rubicundus, a, um” e o seu diminutivo “rubicundulus, a,
um” (adjetivos da 1.ª classe, que significam vermelho, rubicundo);
“rubidus ou robidus, a, um” (adjetivo da 1.ª classe, relacionado com “rubere” e
“ruber”); “rubiginosus ou ribiginosus, a, um” (adjetivo da 1.ª classe a
significar ferrugento, enferrujado, invejoso); rubelium, ii” (nome neutro da 2.ª declinação “a
significar vinho palhete”; “rubigo ou
robigo, inis” (nome feminino da 3.ª declinação a significar ferrugem, alforra, sarro); “rubor,
oris” (nome maculino da 3.ª declinação a significar vermelhidão, rubor, modéstia, vergonha, ornato afetado).
Da
família direta do termo “rubrica” seleciono: “rubricare” (verbo da 1.ª
conjugação a significar tornar vermelho);
“rubricatus, a, um” (particípio passado de “rubricare” e adjetivo da 1.ª classe
a significar enrubescido);
“rubricosus, a, um” (adjetivo da 1.ª classe a significar que tem muitas
rubricas); e “rubricatio, onis” (nome feminino da 3.ª declinação a significar rubricação, o ato de fazer rubricas,
como adiante se verá.
***
O
uso estabilizado do termo “rubrica” tem origem
nos manuscritos iluminados da Idade Média, especialmente do século
XIII, ou mesmo do anterior. Nestes, eram usadas vermelhas para destacar
iniciais maiúsculas, particularmente de salmos, títulos de seção e nomes
de importância religiosa, uma prática conhecida como rubricação. O ato é rubricar e o agente é o rubricador.
Obviamente,
“rubrica” também se refere à tinta vermelha usada para fazer os textos das
rubricas, ou qualquer tipo de pigmento usado para o fazer. Porém,
apesar de o vermelho ter sido mais usado, outras cores se adotaram a partir do
final da Idade Média. E o termo “rubrica” passou a ser usado para a escrita dos
carateres destacados e dos títulos que, dantes, eram grafados a vermelho.
Depois, a
palavra “rubrica” ganhou vários sentidos figurados, que se usam em enunciados
como: “sob a rubrica” X [texto] alguém comentou”; “o trabalho do artista foi
feito sob a rubrica [norma] estabelecida”; “sob essa rubrica [ponto de vista],
é verdade o que aduziram”:
Também pode
falar-se de rubrica referindo-nos a uma regra autoritária”, ao título de
um estatuto, a algo sob o qual uma coisa está classificada [uma “categoria”], a
um comentário explicativo ou introdutório [uma “glosa”], a uma regra
estabelecida, a uma tradição ou costume, artigo de jornal ou peça de rádio ou
de televisão, um guia listando critérios específicos de classificação ou marcas
académicas e alteração feita na chapa
tipográfica para ser aproveitada, depois, em outro trabalho.
Na liturgia,
as instruções sobre o que e como o sacerdote e os outros ministros hão de fazer
num serviço litúrgico foram e são rubricadas (redigidas a vermelho) em missais,
graduais, lecionários, rituais, livros de horas e outros tipos de livros de
serviço, deixando, a preto, os formulários que deviam ser lidos em voz alta. A partir
daí, “rubrica” significa a instrução num texto, independentemente da forma como
está escrito ou impresso. Menos formalmente, a rubrica pode referir-se a
qualquer ação litúrgica habitualmente efetuada ao longo de um serviço, mesmo
que a não esteja escritas, mas confiada às indicações do mestre-de-cerimónias.
A história, o
status e a autoridade do conteúdo das
rubricas litúrgicas é questão de importância, às vezes polémica, entre os liturgistas,
denominando-se rubricistas aqueles que vivem obcecados pelo cumprimento
escrupuloso das rubricas e de rubricismo essa mania. No passado, os teólogos
tentavam distinguir entre as rubricas tidas como de origem divina e as de
origem eclesiástica. Originalmente as rubricas eram orais, mas, depois, foram
escritas, ora em volumes separados, ora integradas no respetivo volume. Os
livros mais antigos de serviços sobreviventes não as possuem, mas, a partir de
referências nos escritos do primeiro milénio, parece que já havia rubricas
escritas.
As rubricas
abrangiam questões como as vestes litúrgicas que deviam ser usadas, a
aparência do altar e as ações do padre e ministros durante o serviço litúrgico.
Nos modernos livros de serviços, como o Missal Romano, a Liturgia da
Horas, os Sacramentários, etc., longas rubricas gerais (atualmente impressas a
vermelho ou, em alguns livros, a preto) abordam essas questões.
Com o advento da impressão, os efeitos tipográficos (como
o itálico, negrito ou o uso de um tipo de tamanho diferente)
passaram a poder substituir a cor vermelha nas rubricas. E, como a impressão a
cores é mais cara e demorada, as “rubricas vermelhas” (lido à antiga seria um
pleonasmo), desde então, tendiam a ser reservadas especificamente para os
livros de serviços religiosos, edições de luxo ou livros onde é enfatizado o
design.
Hoje, a designação de títulos, capítulos, secções,
subsecções, artigos e parágrafos de códigos, leis e textos afins não é grafada
a vermelho, bem como as equivalentes repartições em contabilidade e em
orçamentos, embora ainda se fale de rubricas em contabilidade e em orçamentos,
de modo que os gestores devem verificar se uma determinada despesa tem cabimento
de verba e em que rubrica orçamental. O mesmo sucede com as indicações aos
atores no teatro (didascálias).
***
E como se chegou à “rubrica” na versão de assinatura
abreviada? Os académicos que analisam trabalhos escolares, nomeadamente provas
escritas, os revisores de textos, como em provas tipográficas, os fiscais e
inspetores que verificam documentos (por exemplo, requisições, faturas e recibos)
e outros agentes, faziam correções e anotações a vermelho, para as distinguirem
do texto principal, e, como sinal de que a verificação tinha sido feita, apunham,
no fim ou em lugar apropriado, a sua assinatura, também a vermelho. Porém, como
tinham de analisar muitos textos, provas ou documentos, para não assinarem com
o nome completo, abreviavam a assinatura, normalmente a partir da combinação estilizada
de dois dos seus nomes, que valia, desde que reconhecida pelos serviços em que o
agente exercia a sua função, bem como pelos visados. E, se nada havia a
corrigir ou a anotar, só apunham, a vermelho e no lugar próprio, a assinatura abreviada.
Ou seja, rubricavam.
Daí, a generalização de “rubrica” aplicada a assinatura
abreviada, independentemente da cor da tinta utilizada, em contraposição à assinatura
completa. Assim, em contratos, protocolos e outros documentos extensos, costuma
apor-se a rubrica em cada página (o rubricador toma conhecimento do teor dessa
página), sendo que a última é marcada pela assinatura completa, pois aí o
declarante assume o conteúdo de todo o documento.
***
Por tudo isto, sempre me disponibilizei e disponibilizarei a
apor a minha rubrica onde for preciso, desde que eu tenha responsabilidade na matéria,
a elaborar rubricas e a respeitar as rubricas legais, litúrgicas, contabilísticas,
orçamentais e dramáticas, mas, se me pedirem uma “rúbrica”, ou não a faço ou refilo,
dizendo: rubrica!
2022.07.01 – Louro de Carvalho
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