Faltam quase
50 dias para a beatificação do Papa João Paulo I, marcada para domingo, 4
de setembro, na Praça de São Pedro, às 10,30 horas (hora de Itália), sob a
presidência de Francisco. Sobre o evento celebrativo, a Postulação da causa
comunica algumas informações importantes sobre os três principais compromissos
agendados para aqueles dias em Roma e em Canale d’Agordo, terra natal de Albino
Luciani, que se tornou o Papa João Paulo I, o Pontífice cujo tão curto
pontificado apenas lhe proporcionou a apresentação do alargado sorriso de Deus
(sorriso de orelha a orelha). Não é por acaso que ficou a chamar-se o Papa do Sorriso.
Na Missa com
o rito de beatificação, a petição de inscrição de João Paulo I no catálogo dos Beatos
será proferida por Dom Renato Marangoni, bispo da Diocese de Belluno-Feltre, enquanto
sede excecional da causa de canonização do venerável Papa Albino Luciani,
juntamente com o postulador da causa, cardeal Beniamino Stella, e com a
vice-postuladora, Stefania Falasca.
Durante a
beatificação, a Postulação doará ao Pontífice um relicário com uma relíquia do
novo beato. Para participar na celebração, devem ser solicitados à Prefeitura
da Casa Pontifícia os ingressos gratuitos, enquanto todos os bispos e
sacerdotes que desejarem concelebrar e diáconos que pretendam participar devem inscrever-se
diretamente no site respetivo.
Na noite
anterior, sábado, 3 de setembro de 2022, às 18,30 horas, será realizada a
Vigília de Oração na Basílica de São João de Latrão, sob a presidência do
cardeal Angelo De Donatis, vigário geral de Sua Santidade para a Diocese de
Roma. É a Basílica, que custodia a Cátedra do Bispo de Roma, na qual João Paulo
I tomou posse a 23 de setembro de 1978. O momento de oração será animado por
cantos e leituras de trechos do seu magistério.
A Missa de
Ação de Graças pela beatificação de João Paulo I será celebrada no domingo, às 16
horas de 11 de setembro de 2022, na Diocese de Belluno-Feltre, na praça de
Canale d’Agordo, local de nascimento do novo beato, com a participação dos
bispos e comunidades das três sedes episcopais em que o novo beato exerceu o seu
ministério sacerdotal e episcopal: o patriarcado de Veneza, liderado por Dom
Francesco Moraglia, a Diocese de Belluno-Feltre, com Dom Renato Marangoni e a
Diocese de Vittorio Veneto, com o bispo Corrado Pizziolo. A Missa será
presidida pelo patriarca Francesco Moraglia, metropolita da Província
Eclesiástica de Veneza.
Nos dias que
antecedem a beatificação, será realizada uma conferência de imprensa na Sala de
Imprensa da Santa Sé, organizada pela Postulação, que também contará com a
presença da menina argentina milagrosamente curada em 2011, graças à
intercessão do venerável João Paulo I, Candela Giarda, a mãe Roxana Sousa e o
padre José Dabusti, pároco da igreja próxima do hospital de Buenos Aires, onde
Candela estava a ser tratada e que sugeriu invocar João Paulo I.
A causa de
canonização foi aberta em 2003, vinte e cinco anos após sua morte, na sua
Diocese natal de Belluno-Feltre, e foi concluída a 9 de outubro de 2017, com
o decreto sobre as virtudes, sancionado pelo Papa Francisco.
***
A abertura da
causa – como sublinha a vice-postuladora Stefania Falasca, vice-presidente da
Fundação vaticana João Paulo I – permitiu um trabalho fundamental que nunca
havia sido realizado precedentemente e que permite falar de Luciani com
conhecimento de causa: a aquisição das fontes, um trabalho de pesquisa, de
tutela patrimonial, de estudo da sua obra e do magistério que hoje é realizado
pela Fundação”.
***
Foi
publicado, em tempo, no jornal “Avvenire”, o prefácio de Francisco ao livro “O
Magistério. Textos e documentos do Pontificado” de João Paulo I, um livro da
Fundação Vaticana João Paulo I pelas edições Lev e Editora San Paolo, que
reúne, além de notas e reflexões, as homilias, discursos, cartas, reflexões nas
audiências gerais e no Angelus
pronunciado ou escrito pelo Papa Albino Luciani nos seus 34 dias de Pontificado,
de 26 de agosto a 28 de setembro de 1978.
No dizer do Papa, com ele,
naquelas breves semanas de pontificado, o Senhor encontrou forma de nos mostrar
que “o único tesouro é a fé, a simples fé dos Apóstolos, reproposta pelo
Concílio Ecuménico Vaticano II”. No pouco tempo em que viveu como Sucessor
de Pedro, João Paulo I “confessou a fé, a esperança e a caridade, virtudes
dadas por Deus”, dedicando-lhes as suas catequeses de quarta-feira. E repetiu
que a preferência pelos pobres é parte da fé apostólica, quando, na liturgia
celebrada em São João de Latrão por ocasião da tomada de posse da Cátedra
Romana, citou as fórmulas e orações que aprender em criança, para reafirmar que
a opressão dos pobres e “não pagar o salário a quem trabalha” são pecados que bradam
vingança diante de Deus.
E por causa
da fé do povo cristão, a que pertencia, foi capaz de lançar um olhar profético
sobre as feridas e os males do mundo, mostrando quanto e como a paz está no
coração da Igreja, o que é testemunhado nas muitas expressões inseridas nos
seus discursos públicos daqueles dias, que expressavam o seu apoio às
negociações de paz de 5 a 17 de setembro de 1978, em Camp David, e que
envolveram o presidente americano Jimmy Carter, o presidente egípcio Anwar
al-Sadat e o primeiro-ministro israelita Menachem Begin. E, a 4 de
setembro, a mais de uma centena de representantes de missões internacionais, expressou
a esperança de que “a Igreja, humilde mensageira do Evangelho a todos os povos
da terra, possa contribuir para criar um clima de justiça, fraternidade,
solidariedade e esperança, sem a qual o mundo não pode viver”.
Assim,
Luciani repetiu que o mais urgente, de acordo com os tempos, não é o produto de
um dos seus pensamentos ou de um dos seus projetos, mas o simples caminhar na
fé dos Apóstolos, a fé que recebeu como dom na sua família de operários e
emigrantes, que conhecia as dificuldades da vida para levar o pão para casa. E
deste dom da fé fazia parte a humildade, ou seja, “reconhecer-se como pequeno,
não por esforço ou poses, mas em gratidão”, por experimentar a misericórdia sem
medida de Jesus e o Seu perdão.
À morte do
Papa Luciani, Óscar Arnulfo Romero – o arcebispo de San Salvador que foi
assassinado no altar e agora é venerado como santo pelo povo de Deus – celebrou
em memória do falecido pontífice. E Romero disse que João Paulo I, com a
brevidade do seu pontificado, tinha tido “apenas tempo para dar ao mundo a
breve, mas densa resposta que Deus dá ao mundo de hoje”. E observou que, em tão
pouco tempo, com a morte de dois Papas e duas eleições papais”, a atenção do
mundo foi chamada a olhar “para o topo da hierarquia da Igreja Católica”, aquela
hierarquia que é colocada “sobre os ombros dos homens frágeis”, mas que é
chamada a ser “o canal através do qual a Igreja é guiada e governada” e um “sinal
sacramental” da “graça que é dada aos homens”.
E diz o Papa
que é o mistério do que Santo Inácio de Loyola chama “Nossa Santa Mãe Igreja
Hierárquica”, mas adverte que, na Igreja, a hierarquia não é entidade isolada e
autossuficiente, antes está dentro de um povo reunido por Deus “ao serviço do
Reino e do mundo inteiro”, porque a Igreja “não é um fim em si mesma, muito
menos a hierarquia: a hierarquia é para a Igreja e a Igreja é para o mundo”. Na
circunstância da morte de João Paulo I – observava o santo mártir – foi fácil
reconhecer que a Igreja não é construída pelo Papa nem pelos bispos: o Sucessor
de Pedro é “a pedra de consistência” sobre a qual assume a unidade a Igreja que
o próprio Cristo constrói, com o dom da sua graça. E, se as portas do inferno e
da morte não prevalecerão, isto não acontece por causa dos “ombros frágeis” do
Papa, mas porque este “é sustentado por Aquele que é a vida eterna, o imortal,
o santo, o divino: Jesus Cristo, nosso Senhor” – mistério que transparece na
história e nos ensinamentos de João Paulo I.
***
A 13 de maio deste ano, Francisco
enviou uma mensagem aos participantes do Simpósio “Os seis ‘queremos’. O
Magistério de João Paulo I à luz dos documentos de arquivo”, iniciativa em
vista da beatificação de Luciani, a 4 de setembro, que foi promovida pela
Fundação Vaticana João Paulo I, em colaboração com o Departamento de Teologia
Dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, como um dia de estudo
dedicado ao Magistério de João Paulo I.
“Ao longo de
sua vida, diz o Papa, ele constantemente procurou e apontou a substância do
Evangelho como a única e eterna verdade, para lá de qualquer contingência
histórica ou de moda. Homem sábio e humilde, dotado de boa cultura, soube falar
de Deus com simplicidade evangélica, testemunhando a imagem de uma Igreja que
não brilha com a sua própria luz, mas com a luz refletida, que não vem dos
homens, mas do Senhor”.
Nesta perspetiva,
o breve pontificado de João Paulo I distinguiu-se pelo compromisso de fazer
compreender certos elementos fundamentais para a missão: estar ao lado da dor dos
irmãos, a vontade de diálogo com o mundo, a busca da paz, a unidade dos cristãos,
a colegialidade episcopal – temas que representam um ponto de referência seguro
a fim de encontrar soluções concretas para as muitas dificuldades e desafios
que a Igreja enfrenta hoje.
À luz da
documentação do Arquivo Privado Albino Luciani – ora património da Fundação
Vaticana João Paulo I e constituído por todo o material documental de 1929 a 27
de setembro de 1978 –, a conferência pretende percorrer e aprofundar as
principais linhas do Magistério de João Paulo I, a partir dos seis “queremos”
da mensagem Urbi et orbi pronunciada pelo Papa Luciani no dia
seguinte à sua eleição, declinados no programa do pontificado.
O comité
científico da Fundação, através de um cuidadoso trabalho filológico, também
sobre manuscritos inéditos, publicou a primeira edição crítica dos textos e
discursos escritos e proferidos por João Paulo I durante os 34 dias do seu
pontificado.
É de
recordar que a Fundação Vaticana foi criada, em 17 de fevereiro de 2020, pelo
Papa Francisco com o objetivo de preservar o património dos escritos, promover
o estudo e aumentar o conhecimento do legado e dos ensinamentos de João Paulo
I.
***
O grande desejo de Luciani era trazer a humanidade de volta para o seio da
Igreja, pelo que, logo de início, não hesitou em convocar uma nova evangelização. Na
contramão, enquanto o mundo duvidava da necessidade da Igreja, da necessidade
de se voltar uma vez mais para Cristo e para os seus ensinamentos, João Paulo I
levantava-se sob esta certeza: A Igreja
Católica é garantia de paz e ordem. E essa certeza provinha do “encontro
com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta
forma, o rumo decisivo”.
Afamado desde o tempo de Patriarca de Veneza pela sua simplicidade e
pobreza, o urgente desejo do Papa Luciani era levar o património espiritual da
fé a toda a humanidade. Para tanto, equacionou seis eixos principais (os seis ‘queremos’)
na elaboração do seu projeto pastoral.
O primeiro era prosseguir, sem paragens, a herança do Concílio Vaticano II.
Neste aspeto, foi pioneiro na hermenêutica da continuidade, de
modo que certo ímpeto, generoso, mas incauto, não deformasse o conteúdo do
Concílio e que “forças exageradamente moderadoras e tímidas” não atrasassem o
seu “magnífico impulso de renovação e de vida”.
Dois outros desejos eram conservar intacta a grande disciplina da Igreja, na
vida dos sacerdotes e dos fiéis, e recordar a toda a Igreja que o seu primeiro
dever continua a ser o da evangelização. De facto, uma Igreja apostólica nasce de
uma Igreja disciplinada, consciente da sua vocação à santidade. E, quando se
perde a dimensão espiritual, perde-se o significado da missionariedade.
A quarta vontade de João Paulo I era continuar o esforço ecuménico, na linha
dos seus imediatos predecessores, velando, com fé intacta, com esperança
invencível e com amor indeclinável, pela realização do grande mandamento de
Cristo: Que todos sejam um (Jo 17,21).
E, no mesmo sentido, seguia o desejo de prosseguir com paciência e firmeza
naquele diálogo sereno e construtivo, que São Paulo VI pôs como fundamento e
programa da sua ação pastoral.
And last, but not least, vinha a intenção de favorecer todas as iniciativas louváveis e valiosas
de defesa e incremento da paz neste mundo conturbado.
2022.07.18 – Louro de Carvalho
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