sábado, 2 de julho de 2022

Líderes mundiais veem falhanço coletivo e urgência de mais ambição

 

Terminada que foi, em Lisboa, a Segunda Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre os Oceanos, é de referir que houve consenso dos líderes mundiais no reconhecimento do “falhanço coletivo” na conservação dos ecossistemas marinhos e na pesca sustentável e, ao mesmo tempo, da necessidade de “mais ambição para se resolver o terrível estado do oceano”.

A Conferência, que reuniu representantes de 159 países, incluindo chefes de Estado e do Governo, terminou a 1 de julho, com os participantes a lamentar “profundamente” o “falhanço coletivo” para alcançar quatro metas definidas para 2020 em relação ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14), o da proteção da vida marinha: proteger e restaurar ecossistemas, promover uma pesca sustentável, conservar áreas costeiras e marinhas e acabar com os subsídios que contribuem para a sobrepesca. E, apesar das falhas, comprometem-se novamente com “ação urgente” e “cooperação aos níveis global, regional e sub-regional para atingir todas as metas tão cedo quanto possível e sem atrasos indevidos”.

O plenário de encerramento da reunião internacional, presidido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, adotou o documento intitulado “O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade”, que ficará conhecido como “Declaração de Lisboa” e que é o corolário desta grande jornada mundial de cinco dias, que, sob coorganização de Portugal e do Quénia, visava impulsionar esforços globais para a preservação dos oceanos, na sequência da Conferência de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA), em 2017, e na rampa de lançamento para a de França, em 2025. Com efeito, segundo a ONU, “há esperança de que haja vontade política” para travar o declínio dos oceanos.

Agora é “preciso ação”. Foi com estas palavras que o Presidente da República de Portugal encerrou o evento, minutos depois de o plenário haver aprovado, por consenso, o referido texto final do encontro, um documento-guia para a preservação dos oceanos. Foi o desfecho de cinco dias de trabalhos da conferência coorganizada por Portugal e pelo Quénia, e que decorreu no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. E, referindo a ideia de, juntamente com o Quénia, “fazer desta conferência um sinal de paz, numa altura de pandemia e guerra”, Marcelo defendeu que a cimeira superou as expectativas e significa uma vitória do “multilateralismo” contra o unilateralismo.

Miguel Serpa Soares, subsecretário-geral da ONU, em declarações feitas na conferência de encerramento, já depois de ter falado ao plenário da conferência em nome do secretário-geral da ONU, António Guterres, chamou ao texto final “uma declaração musculada”, porque vai além do diagnóstico e define prioridades e orientações políticas que devem guiar a ação dos Estados na preservação dos oceanos. Para Serpa Soares, a aprovação do texto “manda um sinal forte da necessidade de agir decisiva e urgentemente para melhorar a saúde, o uso sustentável e a resiliência” dos oceanos, já que, “apesar de desafios avassaladores, a conferência foi um enorme sucesso”, acentuando a cada vez maior centralidade do tema dos oceanos na agenda pública mundial. Considerando que “inesperadamente, 2022 está a transformar-se num superano para os oceanos”, o responsável da ONU sustentou que “há esperança de que haja a vontade política necessária para salvaguardar o futuro do oceano” e que “ainda não é demasiado tarde para quebrar o ciclo do declínio da biodiversidade, aquecimento, acidificação e poluição marinha”.

Embora o texto da declaração final tenha sido aprovado por unanimidade, ouviram-se algumas declarações de voto com reparos, nomeadamente dos EUA, a lembrar que há limites à partilha de dados abertos – uma das medidas preconizadas no documento. Nada que tenha ensombrado as palavras de regozijo das Nações Unidas e dos responsáveis pela organização de evento. Assim, na conferência de encerramento, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou que foram “inscritos mais de dois mil compromissos” numa plataforma criada para tal e que 670 desses compromissos são quantificáveis e que, em termos de financiamento, os compromissos são de 10 mil milhões de euros, sete mil milhões vindos da União Europeia.

A Declaração de Lisboa defende que é necessária “mais ambição a todos os níveis para resolver o terrível estado do oceano” e os signatários afirmaram-se “profundamente alarmados pela emergência global que o oceano enfrenta” e que se reflete na subida do nível das águas, na crescente erosão das regiões costeiras, num oceano “mais quente e mais ácido”. Efetivamente, “a poluição marinha aumenta a ritmo alarmante, um terço dos stocks de peixe são sobre-explorados, a biodiversidade continua a diminuir e perdeu-se aproximadamente metade dos corais, enquanto espécies invasoras colocam uma substancial ameaça aos ecossistemas marinhos”.

Como ficou já dito, o texto admite o “falhanço coletivo” em quatro das dez metas previstas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (um dos 17 objetivos definidos pelas Nações Unidas em 2015) e que deveria ter sido alcançada em 2020. Em consonância, o texto enuncia vários objetivos a atingir no futuro, como promover o estudo científico e a recolha de dados, desenvolver formas inovadoras de financiamento da economia azul, reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa do transporte marítimo internacional, mas, lamentavelmente, não especifica prazos de implementação.

Na conferência, vários países assumiram compromissos para o futuro. Foi o caso de Portugal, com António Costa a prometer “transformar a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível mundial”, com “100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis”, ou a classificar “30% das áreas marinhas nacionais” até 2030 (promessa também formulada por vários países). O primeiro-ministro quer atingir os dez gigawatts de capacidade em energias renováveis oceânicas até 2030 e duplicar o número de startups na economia azul. E os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) acordaram a criação de uma plataforma de cooperação para a promoção da pesca sustentável e o combate à pesca ilegal.

Um dos anúncios mais significativos foi o da Austrália, o do investimento de 1,1 mil milhões de euros, nos próximos dez anos, na preservação da Grande Barreira de Coral, classificada como Património Mundial da UNESCO e fortemente afetada pelo aquecimento global. Com uma superfície de 348 mil quilómetros quadrados, o maior sistema coralino do mundo está a sofrer um branqueamento massivo de corais e corre o risco de ser declarado Património Mundial em Perigo.

O texto da declaração final associa a degradação dos oceanos às alterações climáticas, “um dos maiores desafios” da atualidade que deixa os subscritores do documento “alarmados” com os seus “efeitos adversos”, como o aquecimento das águas, a acidificação, a desoxigenação, o degelo ou os fenómenos meteorológicos extremos – enunciados pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas no relatório dedicado ao oceano.

Os líderes mundiais reiteram o apoio à criação de um “instrumento legalmente vinculativo sobre a poluição por plásticos”, com aplicação também aos ambientes marinhos, que “pode incluir abordagens vinculativas e voluntárias”, que contemplem todo o ciclo de consumo. E assumem o compromisso de “reduzir as emissões de gases com efeito de estufa do transporte marítimo internacional, especialmente do transporte de mercadorias, assim que possível”, apoiando a Organização Marítima Internacional na liderança do processo.

As soluções ora defendidas assentam em “ações inovadoras e baseadas em ciência, colaboração internacional e parcerias científicas, tecnológicas e de inovação” – bases para agir na preservação de ecossistemas, na classificação de zonas marinhas protegidas, no controlo da pesca excessiva e na redução da poluição, entre outros itens. E os líderes, ao mesmo tempo que convocam a investigação científica, a partilha internacional de dados estatísticos e a literacia de crianças e jovens sobre os mares, assumem o compromisso de reconhecer o papel importante do conhecimento indígena, tradicional e local, sobretudo das populações costeiras e dos Estados-ilha que estão na primeira linha dos impactos das alterações climáticas e dos seus efeitos sobre os oceanos.

Veremos se os subscritores da Declaração de Lisboa passam das palavras aos atos e se os cidadãos, empresas e serviços dos diversos países colaboram na taifa de preservação dos oceanos.

2022.07.02 – Louro de Carvalho

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