Terminada que
foi, em Lisboa, a Segunda Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre os Oceanos,
é de referir que houve consenso dos líderes mundiais no reconhecimento do “falhanço
coletivo” na conservação dos ecossistemas marinhos e na pesca sustentável e, ao
mesmo tempo, da necessidade de “mais ambição para se resolver o terrível estado
do oceano”.
A
Conferência, que reuniu representantes de 159 países, incluindo chefes de
Estado e do Governo, terminou a 1 de julho, com os participantes a lamentar
“profundamente” o “falhanço coletivo” para alcançar quatro metas definidas para
2020 em relação ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14), o da
proteção da vida marinha: proteger e restaurar ecossistemas, promover uma pesca
sustentável, conservar áreas costeiras e marinhas e acabar com os subsídios que
contribuem para a sobrepesca. E, apesar das falhas, comprometem-se novamente
com “ação urgente” e “cooperação aos níveis global, regional e sub-regional
para atingir todas as metas tão cedo quanto possível e sem atrasos indevidos”.
O plenário de encerramento da reunião internacional,
presidido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
adotou o documento intitulado “O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa
responsabilidade”, que ficará
conhecido como “Declaração de Lisboa” e que é o corolário desta grande jornada mundial
de cinco dias, que, sob coorganização de Portugal e do Quénia, visava
impulsionar esforços globais para a preservação dos oceanos, na sequência da Conferência
de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA), em 2017, e na
rampa de lançamento para a de França, em 2025. Com efeito, segundo a ONU, “há
esperança de que haja vontade política” para travar o declínio dos oceanos.
Agora é “preciso ação”. Foi com estas
palavras que o Presidente da República de Portugal encerrou o evento, minutos depois
de o plenário haver aprovado, por consenso, o referido texto final do encontro,
um documento-guia para a preservação dos oceanos. Foi o desfecho de cinco dias
de trabalhos da conferência coorganizada por Portugal e pelo Quénia, e que
decorreu no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. E, referindo a ideia de, juntamente
com o Quénia, “fazer desta conferência um sinal de paz, numa altura de pandemia
e guerra”, Marcelo defendeu que a cimeira superou as expectativas e significa uma vitória do “multilateralismo” contra o unilateralismo.
Miguel Serpa Soares, subsecretário-geral
da ONU, em declarações feitas na conferência de encerramento, já depois de ter falado
ao plenário da conferência em nome do secretário-geral da ONU, António Guterres,
chamou ao texto final “uma declaração musculada”, porque vai além do
diagnóstico e define prioridades e orientações políticas que devem guiar a ação
dos Estados na preservação dos oceanos. Para Serpa Soares, a aprovação do texto “manda um sinal forte da necessidade de agir decisiva e urgentemente para
melhorar a saúde, o uso sustentável e a resiliência” dos oceanos, já que, “apesar
de desafios avassaladores, a conferência foi um enorme sucesso”, acentuando a
cada vez maior centralidade do tema dos oceanos na agenda pública mundial. Considerando
que “inesperadamente, 2022 está a transformar-se num superano para os oceanos”,
o responsável da ONU sustentou que “há esperança de que haja a vontade política
necessária para salvaguardar o futuro do oceano” e que “ainda não é demasiado tarde para quebrar o ciclo do declínio da
biodiversidade, aquecimento, acidificação e poluição marinha”.
Embora o texto da declaração final
tenha sido aprovado por unanimidade, ouviram-se algumas declarações de voto com
reparos, nomeadamente dos EUA, a lembrar que há limites à partilha de dados
abertos – uma das medidas preconizadas no documento. Nada que tenha ensombrado
as palavras de regozijo das Nações Unidas e dos responsáveis pela organização
de evento. Assim, na conferência de encerramento, o ministro dos Negócios
Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou que foram “inscritos mais de dois
mil compromissos” numa plataforma criada para tal e que 670 desses compromissos
são quantificáveis e que, em termos de financiamento, os compromissos são de 10
mil milhões de euros, sete mil milhões vindos da União Europeia.
A Declaração de Lisboa defende que é
necessária “mais ambição a todos os níveis para resolver o terrível estado do
oceano” e os signatários afirmaram-se “profundamente alarmados pela emergência
global que o oceano enfrenta” e que se reflete na subida do nível das águas, na
crescente erosão das regiões costeiras, num oceano “mais quente e mais ácido”. Efetivamente,
“a poluição marinha aumenta a ritmo alarmante, um terço dos stocks de peixe são sobre-explorados, a
biodiversidade continua a diminuir e perdeu-se aproximadamente metade dos
corais, enquanto espécies invasoras colocam uma substancial ameaça aos
ecossistemas marinhos”.
Como ficou já dito, o texto admite o “falhanço coletivo” em quatro das dez metas previstas no
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (um dos 17 objetivos
definidos pelas Nações Unidas em 2015) e que deveria ter sido alcançada em
2020. Em consonância, o texto enuncia vários objetivos a atingir no futuro,
como promover o estudo científico e a recolha de dados, desenvolver formas
inovadoras de financiamento da economia azul, reduzir as emissões de gases com
efeitos de estufa do transporte marítimo internacional, mas, lamentavelmente,
não especifica prazos de implementação.
Na conferência, vários países assumiram compromissos para o futuro. Foi
o caso de Portugal, com António Costa a prometer “transformar a pesca nacional
num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível mundial”, com “100%
dos stocks dentro dos limites
biológicos sustentáveis”, ou a classificar “30% das áreas marinhas nacionais”
até 2030 (promessa também formulada por vários países). O primeiro-ministro quer
atingir os dez gigawatts de capacidade em energias renováveis oceânicas até
2030 e duplicar o número de startups
na economia azul. E os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
acordaram a criação de uma plataforma de cooperação para a promoção da pesca
sustentável e o combate à pesca ilegal.
Um dos anúncios mais significativos
foi o da Austrália, o do investimento de 1,1 mil milhões de euros, nos próximos
dez anos, na preservação da Grande Barreira de Coral, classificada como Património
Mundial da UNESCO e fortemente afetada pelo aquecimento global. Com uma superfície de 348 mil quilómetros quadrados, o maior sistema
coralino do mundo está a sofrer um branqueamento massivo de
corais e corre o risco de ser declarado Património Mundial em Perigo.
O texto da declaração
final associa a degradação dos oceanos às alterações climáticas, “um dos
maiores desafios” da atualidade que deixa os subscritores do documento “alarmados”
com os seus “efeitos adversos”, como o aquecimento das águas, a acidificação, a
desoxigenação, o degelo ou os fenómenos meteorológicos extremos – enunciados
pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas no
relatório dedicado ao oceano.
Os líderes mundiais
reiteram o apoio à criação de um “instrumento legalmente vinculativo sobre a
poluição por plásticos”, com aplicação também aos ambientes marinhos, que “pode
incluir abordagens vinculativas e voluntárias”, que contemplem todo o ciclo de
consumo. E assumem o compromisso de “reduzir as emissões de gases com efeito de
estufa do transporte marítimo internacional, especialmente do transporte de
mercadorias, assim que possível”, apoiando a Organização Marítima Internacional
na liderança do processo.
As soluções ora
defendidas assentam em “ações inovadoras e baseadas em ciência, colaboração
internacional e parcerias científicas, tecnológicas e de inovação” – bases para
agir na preservação de ecossistemas, na classificação de zonas marinhas
protegidas, no controlo da pesca excessiva e na redução da poluição, entre
outros itens. E os líderes, ao mesmo tempo que convocam a investigação
científica, a partilha internacional de dados estatísticos e a literacia de
crianças e jovens sobre os mares, assumem o compromisso de reconhecer o papel
importante do conhecimento indígena, tradicional e local, sobretudo das
populações costeiras e dos Estados-ilha que estão na primeira linha dos
impactos das alterações climáticas e dos seus efeitos sobre os oceanos.
Veremos se
os subscritores da Declaração de Lisboa passam das palavras aos atos e se os
cidadãos, empresas e serviços dos diversos países colaboram na taifa de preservação
dos oceanos.
2022.07.02 – Louro de Carvalho
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