O conselho de governadores do BCE (ou Conselho do BCE) anunciou, a 21
de julho, o aumento das taxas de juro diretoras em 50 pontos base, acima dos 25
pontos base antecipados na reunião de junho. Com esta subida, a taxa de juro
aplicável às operações principais de refinanciamento fixa-se em 0,5%, a taxa
aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez aumenta para 0,75% e
a taxa aplicável à facilidade permanente de depósito evolui de -0,5% para 0%.
Assim, as taxas de juro negativas chegam ao fim. É a primeira subida de
juros em 11 anos.
Esta
decisão representa o início de um ciclo de subida dos juros na Zona Euro,
com os quais o BCE espera domar a generalizada subida dos preços. Em junho a
taxa de inflação média dos países da região cifrou-se em 8,6%, um máximo
histórico desde a criação da moeda única, e sabe-se que a reunião de setembro
trará nova subida dos juros, admitindo-se um aumento de 50 pontos base. Ora, ao
apertar a política monetária, o BCE aumenta o preço do dinheiro, pelo que o
acesso a crédito e a capital se torna mais limitado e as famílias com crédito à habitação exposto à flutuação dos juros
no mercado sofrem uma subida da prestação mensal da casa, o que
lhes deixa menos rendimento disponível. A dinâmica real é mais complexa, mas o
resultado final, como espera o BCE, é a descida da inflação na Zona Euro.
Em
conferência de imprensa após o anúncio desta subida dos juros, Christine
Lagarde, presidente do BCE, avisou que a inflação vai continuar
“indesejavelmente alta durante algum tempo, por causa da pressão dos
preços da energia e dos alimentos”. Porém, apesar da conjuntura desafiante, o banco central não espera uma
recessão em 2022 nem em 2023.
Um
comunicado do BCE esclarece que, em conformidade com o compromisso de
cumprimento do seu mandato de manutenção da estabilidade de preços, tomou “novas medidas fundamentais para assegurar o regresso da inflação
ao seu objetivo de 2% a médio prazo”. Nestes termos, os responsáveis
pela política monetária julgaram “apropriado dar um primeiro passo maior, na
sua trajetória de normalização das taxas de juro diretoras, do que o sinalizado
na reunião anterior”, que tinha sido na ordem dos 25 pontos base. Justificaram
que a decisão de aumentar as taxas em 50 pontos base resulta de uma “avaliação atualizada relativamente aos riscos de inflação”.
E referiram que as próximas decisões de subida de juros passarão a uma
“abordagem reunião a reunião” e dependendo da observação dos dados e
indicadores que forem sendo publicados.
No mesmo dia em que decidiu subir os juros diretores em 50 pontos
base, o BCE aprovou a criação de uma nova ferramenta anticrise, com a qual
espera conter os juros da dívida dos países da periferia. É o Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT), que visa –
enquanto o BCE continua a normalizar a política monetária – “assegurar que a
orientação da política monetária é transmitida uniformemente em todos os países
da área do Euro”. O objetivo é prevenir uma nova crise de dívida soberana na
Zona Euro – a “fragmentação”, isto é, o agravar dos spreads entre a dívida soberana dos países da
periferia e as bunds alemãs. Porém, como era
de esperar, o banco central impõe quatro condições para que se possa ativar esta
nova ferramenta, ou seja, para ser elegível ao IPT, um Estado-membro tem de cumprir cumulativamente estes quatro
critérios: conformidade com o quadro orçamental da UE,
nomeadamente não sujeição a um procedimento relativo aos défices excessivos
(PDE), ou não ser avaliado como não tendo tomado medidas eficazes em resposta a
uma recomendação do Conselho da UE; ausência de desequilíbrios
macroeconómicos graves; sustentabilidade da dívida
pública, pelo que, ao verificar que a trajetória da dívida pública é sustentável,
o Conselho do BCE terá em conta, sempre que disponíveis, as análises de
sustentabilidade da dívida da Comissão Europeia, do Mecanismo Europeu de
Estabilidade, do Fundo Monetário Internacional e de outras instituições,
juntamente com a análise interna do banco central; e a definição e observância
de políticas macroeconómicas sólidas e sustentáveis que
cumpram os compromissos apresentados no respetivo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Em conformidade com o respetivo comunicado, o BCE, através do IPT, “poderá
fazer compras no mercado secundário de títulos emitidos em jurisdições
que sofram uma deterioração das condições de financiamento não
garantidas pelos fundamentos específicos de cada país”. A escala das compras do IPT dependerá da “gravidade dos riscos
enfrentados pela transmissão da política monetária”. E “as compras, que
não são restritas ex ante”, terão como principal foco
títulos do setor público (títulos de dívida negociáveis emitidos por
governos centrais e regionais, bem como agências) com prazo remanescente entre
um e dez anos. Não obstante, também “compras de títulos do setor
privado podem ser consideradas, se isso for tido como “apropriado”.
A decisão do conselho do BCE de “ativar o TPI basear-se-á numa avaliação
abrangente dos indicadores de mercado e de transmissão, numa avaliação
dos critérios de elegibilidade e num julgamento de que a ativação de compras ao
abrigo do TPI é proporcional à realização do objetivo principal do BCE” – lê-se
no comunicado da autoridade liderada por Christine Lagarde.
Além do IPT, o BCE aplicará a flexibilidade nos
reinvestimentos dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do
programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme ‒ PEPP), que “permanece a primeira linha de
defesa contra riscos para o mecanismo de transmissão relacionados com a
pandemia”.
***
O
momento é histórico, pois é a primeira vez que o BCE decide subir as taxas de
juro em mais de uma década, acabando com os juros negativos na Zona Euro.
Não é uma decisão isolada, pois, como ficou referido, “nas próximas reuniões do Conselho do BCE, será apropriada uma
nova normalização das taxas de juro”.
Na
conferência de imprensa, que antecedeu a divulgação de um comunicado (houve
dois: um, sobre a subida dos juros; e outro, sobre o IPT) a explicar o
mecanismo com maior detalhe, Christine Lagarde disse que todos os países do
Euro, em teoria, podem aceder a esta nova ferramenta, desde que observem
os requisitos acima apontados, nomeadamente o do respeito pelas regras de
endividamento da União Europeia (UE), mas que a decisão final pertence aos
governadores do banco central. E declarou que o conselho de governadores do BCE “prefere” não ter de usar esta
ferramenta, mas não “hesitará” em o fazer, se tal for
necessário.
O
Conselho do BCE continua a reinvestir, na totalidade, os pagamentos de capital
dos títulos vincendos adquiridos no âmbito do programa de compra de ativos (asset
purchase programme – APP) durante um período prolongado após a data em que
comece a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE e, em qualquer caso,
enquanto for necessário para manter condições de liquidez amplas e uma
orientação de política monetária adequada.
No
atinente ao PEPP, o Conselho do BCE tenciona reinvestir os pagamentos de
capital dos títulos vincendos adquiridos no contexto do programa até, pelo
menos, ao final de 2024. Garante que, em todo o caso, a descontinuação gradual
da carteira do PEPP será gerida de modo a evitar interferências com a
orientação de política monetária apropriada. E sustenta que os reembolsos no contexto da
carteira do PEPP estão a ser reinvestidos de forma flexível, a fim de
contrariar os riscos para o mecanismo de transmissão relacionados com a
pandemia.
Além
disso, “continuará a acompanhar as condições de financiamento bancário e a
assegurar que o vencimento dos fundos cedidos no âmbito da terceira série de
operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (ORPA direcionadas
III) não dificulta a transmissão regular da política monetária”, bem como
avaliará, com regularidade, “o modo como as operações de refinanciamento
direcionadas estão a contribuir para a orientação da política monetária”.
Segundo
Christine
Lagarde, a inflação está a alastrar “a mais e mais
setores”, sobretudo pela subida dos preços da energia. Tanto
assim é que os portugueses nunca pagaram tanto por
gasolina e gasóleo como neste ano. A agravar a dinâmica
inflacionista está a “depreciação da taxa de câmbio do euro”, que chegou a
transacionar abaixo do dólar nas últimas semanas.
Ainda
assim, a líder do BCE disse que as perspetivas do banco central até junho,
aliadas às da Comissão Europeia recém-divulgadas, levam o conselho de
governadores a crer que não deverá haver recessão na Zona, para já, mas
confessou: “Há nuvens no horizonte? Claro que há.”
Apontou
que há fatores que amparam o impacto da inflação. É o caso das poupanças acumuladas
pelas famílias nos confinamentos da pandemia, além de que “a atividade
económica continua a beneficiar da reabertura da economia, de um mercado
laboral forte e das políticas de apoio orçamentais”. Em particular, a reabertura da economia ajuda o consumo no setor dos serviços.
De certo
modo, há boas notícias para o nosso país, particularmente exposto ao turismo.
Lagarde sustentou que, “à medida que as pessoas começam a viajar novamente,
espera-se que o turismo ajude a economia no terceiro trimestre deste ano”. E a
Comissão Europeia reviu em alta a perspetiva de crescimento da nossa economia, neste
ano, para 6,5%, o que, a confirmar-se, será a economia
europeia que mais crescerá em 2022, abrandando depois para 1,9% em 2023.
Ainda
assim, apesar da incerteza, a líder do BCE mostrou-se esperançosa com a
estabilização dos preços da energia e alívio nos estrangulamentos nas cadeias
de abastecimento – fatores que levarão, com a normalização da política
monetária, a inflação para um território mais suportável.
***
Assim,
no debate parlamentar do Estado da Nação, o primeiro-ministro português,
António Costa, a alertar que a inflação vai perdurar por mais algum tempo,
disse que o “efeito da inflação será mais duradouro” do que o previsto, mas o
governo está a desenhar um novo pacote de ajudas às famílias e às empresas para
setembro.
E o
líder do grupo parlamentar do PS reagiu, perante os jornalistas, assinalando
que os apoios sociais e às empresas projetados pelo Governo para setembro respondem
ao impacto resultante do aumento das taxas de juros, especialmente no crédito à
habitação. Distinguiu taxas de referência do BCE e taxas Euribor formadas no
mercado interbancário, que estão diretamente relacionadas com os créditos à
habitação. E disse que “algum desse movimento de aumento das taxas de
referência por parte do BCE já foi acomodado pelas próprias taxas
interbancárias”, pelo que “não é esperável um efeito mecânico entre o aumento
das taxas de referência do BCE e um efeito na prestação da casa”, pois as taxas
de juros dos créditos à habitação vêm a aumentar, embora “para valores ainda
particularmente baixos, quando se compara com o histórico”. Contudo, as
decisões do BCE terão efeito na bolsa dos portugueses, provavelmente já no segundo
semestre, quando ocorrer o conjunto de medidas que o Governo tem para
apresentar.
E, considerando que “o Governo está muito atento ao processo
inflacionista, que, neste caso, terá também no crédito à habitação algum
impacto”, Eurico Brilhante Dias, em relação às novas medidas de apoio às
famílias para fazer face à inflação, referiu que, do ponto de vista orçamental,
o PS tem quatro prioridades: justiça fiscal e combate à evasão fiscal; apoio os
mais jovens e à classe média; estímulo ao desenvolvimento empresarial; e pacote
centrado nas políticas sociais e de coesão territorial. São áreas muito
importantes no Orçamento do Estado para 2022.
***
Esperemos pela ação do governo e pela crítica das oposições e
vejamos a prenda que nos vai trazer o decreto-lei de execução orçamental
aprovado no Conselho de Ministros de 21 de julho. Talvez tenhamos de fazer mais
um furo no cinto, para sobrevivermos de cabeça levantada.
2022.07.21 – Louro de Carvalho
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