quinta-feira, 21 de julho de 2022

BCE sobe juros diretores e cria uma nova ferramenta anticrise

 

 

O conselho de governadores do BCE (ou Conselho do BCE) anunciou, a 21 de julho, o aumento das taxas de juro diretoras em 50 pontos base, acima dos 25 pontos base antecipados na reunião de junho. Com esta subida, a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento fixa-se em 0,5%, a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez aumenta para 0,75% e a taxa aplicável à facilidade permanente de depósito evolui de -0,5% para 0%.

Assim, as taxas de juro negativas chegam ao fim. É a primeira subida de juros em 11 anos.

Esta decisão representa o início de um ciclo de subida dos juros na Zona Euro, com os quais o BCE espera domar a generalizada subida dos preços. Em junho a taxa de inflação média dos países da região cifrou-se em 8,6%, um máximo histórico desde a criação da moeda única, e sabe-se que a reunião de setembro trará nova subida dos juros, admitindo-se um aumento de 50 pontos base. Ora, ao apertar a política monetária, o BCE aumenta o preço do dinheiro, pelo que o acesso a crédito e a capital se torna mais limitado e as famílias com crédito à habitação exposto à flutuação dos juros no mercado sofrem uma subida da prestação mensal da casa, o que lhes deixa menos rendimento disponível. A dinâmica real é mais complexa, mas o resultado final, como espera o BCE, é a descida da inflação na Zona Euro.

Em conferência de imprensa após o anúncio desta subida dos juros, Christine Lagarde, presidente do BCE, avisou que a inflação vai continuar “indesejavelmente alta durante algum tempo, por causa da pressão dos preços da energia e dos alimentos”. Porém, apesar da conjuntura desafiante, o banco central não espera uma recessão em 2022 nem em 2023.

Um comunicado do BCE esclarece que, em conformidade com o compromisso de cumprimento do seu mandato de manutenção da estabilidade de preços, tomou “novas medidas fundamentais para assegurar o regresso da inflação ao seu objetivo de 2% a médio prazo”. Nestes termos, os responsáveis pela política monetária julgaram “apropriado dar um primeiro passo maior, na sua trajetória de normalização das taxas de juro diretoras, do que o sinalizado na reunião anterior”, que tinha sido na ordem dos 25 pontos base. Justificaram que a decisão de aumentar as taxas em 50 pontos base resulta de uma “avaliação atualizada relativamente aos riscos de inflação”. E referiram que as próximas decisões de subida de juros passarão a uma “abordagem reunião a reunião” e dependendo da observação dos dados e indicadores que forem sendo publicados.

No mesmo dia em que decidiu subir os juros diretores em 50 pontos base, o BCE aprovou a criação de uma nova ferramenta anticrise, com a qual espera conter os juros da dívida dos países da periferia. É o Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT), que visa – enquanto o BCE continua a normalizar a política monetária – “assegurar que a orientação da política monetária é transmitida uniformemente em todos os países da área do Euro”. O objetivo é prevenir uma nova crise de dívida soberana na Zona Euro – a “fragmentação”, isto é, o agravar dos spreads entre a dívida soberana dos países da periferia e as bunds alemãs. Porém, como era de esperar, o banco central impõe quatro condições para que se possa ativar esta nova ferramenta, ou seja, para ser elegível ao IPT, um Estado-membro tem de cumprir cumulativamente estes quatro critérios: conformidade com o quadro orçamental da UE, nomeadamente não sujeição a um procedimento relativo aos défices excessivos (PDE), ou não ser avaliado como não tendo tomado medidas eficazes em resposta a uma recomendação do Conselho da UE; ausência de desequilíbrios macroeconómicos graves; sustentabilidade da dívida pública, pelo que, ao verificar que a trajetória da dívida pública é sustentável, o Conselho do BCE terá em conta, sempre que disponíveis, as análises de sustentabilidade da dívida da Comissão Europeia, do Mecanismo Europeu de Estabilidade, do Fundo Monetário Internacional e de outras instituições, juntamente com a análise interna do banco central; e a definição e observância de políticas macroeconómicas sólidas e sustentáveis ​​que cumpram os compromissos apresentados no respetivo Plano de Recuperação e Resiliência  (PRR).

Em conformidade com o respetivo comunicado, o BCE, através do IPT, “poderá fazer compras no mercado secundário de títulos emitidos em jurisdições que sofram uma deterioração das condições de financiamento não garantidas pelos fundamentos específicos de cada país”. A escala das compras do IPT dependerá da “gravidade dos riscos enfrentados pela transmissão da política monetária”. E “as compras, que não são restritas ex ante”, terão como principal foco títulos do setor público (títulos de dívida negociáveis ​​emitidos por governos centrais e regionais, bem como agências) com prazo remanescente entre um e dez anos. Não obstante, também “compras de títulos do setor privado podem ser consideradas, se isso for tido como “apropriado”.

A decisão do conselho do BCE de “ativar o TPI basear-se-á numa avaliação abrangente dos indicadores de mercado e de transmissão, numa avaliação dos critérios de elegibilidade e num julgamento de que a ativação de compras ao abrigo do TPI é proporcional à realização do objetivo principal do BCE” – lê-se no comunicado da autoridade liderada por Christine Lagarde.

Além do IPT, o BCE aplicará a flexibilidade nos reinvestimentos dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme ‒ PEPP), que “permanece a primeira linha de defesa contra riscos para o mecanismo de transmissão relacionados com a pandemia”.

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O momento é histórico, pois é a primeira vez que o BCE decide subir as taxas de juro em mais de uma década, acabando com os juros negativos na Zona Euro. Não é uma decisão isolada, pois, como ficou referido, “nas próximas reuniões do Conselho do BCE, será apropriada uma nova normalização das taxas de juro”.

Na conferência de imprensa, que antecedeu a divulgação de um comunicado (houve dois: um, sobre a subida dos juros; e outro, sobre o IPT) a explicar o mecanismo com maior detalhe, Christine Lagarde disse que todos os países do Euro, em teoria, podem aceder a esta nova ferramenta, desde que observem os requisitos acima apontados, nomeadamente o do respeito pelas regras de endividamento da União Europeia (UE), mas que a decisão final pertence aos governadores do banco central. E declarou que o conselho de governadores do BCE “prefere” não ter de usar esta ferramenta, mas não “hesitará” em o fazer, se tal for necessário.

O Conselho do BCE continua a reinvestir, na totalidade, os pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos no âmbito do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP) durante um período prolongado após a data em que comece a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE e, em qualquer caso, enquanto for necessário para manter condições de liquidez amplas e uma orientação de política monetária adequada.

No atinente ao PEPP, o Conselho do BCE tenciona reinvestir os pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos no contexto do programa até, pelo menos, ao final de 2024. Garante que, em todo o caso, a descontinuação gradual da carteira do PEPP será gerida de modo a evitar interferências com a orientação de política monetária apropriada. E sustenta que os reembolsos no contexto da carteira do PEPP estão a ser reinvestidos de forma flexível, a fim de contrariar os riscos para o mecanismo de transmissão relacionados com a pandemia.

Além disso, “continuará a acompanhar as condições de financiamento bancário e a assegurar que o vencimento dos fundos cedidos no âmbito da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (ORPA direcionadas III) não dificulta a transmissão regular da política monetária”, bem como avaliará, com regularidade, “o modo como as operações de refinanciamento direcionadas estão a contribuir para a orientação da política monetária”.

Segundo Christine Lagarde, a inflação está a alastrar “a mais e mais setores”, sobretudo pela subida dos preços da energia. Tanto assim é que os portugueses nunca pagaram tanto por gasolina e gasóleo como neste ano. A agravar a dinâmica inflacionista está a “depreciação da taxa de câmbio do euro”, que chegou a transacionar abaixo do dólar nas últimas semanas.

Ainda assim, a líder do BCE disse que as perspetivas do banco central até junho, aliadas às da Comissão Europeia recém-divulgadas, levam o conselho de governadores a crer que não deverá haver recessão na Zona, para já, mas confessou: “Há nuvens no horizonte? Claro que há.”

Apontou que há fatores que amparam o impacto da inflação. É o caso das poupanças acumuladas pelas famílias nos confinamentos da pandemia, além de que “a atividade económica continua a beneficiar da reabertura da economia, de um mercado laboral forte e das políticas de apoio orçamentais”. Em particular, a reabertura da economia ajuda o consumo no setor dos serviços.

De certo modo, há boas notícias para o nosso país, particularmente exposto ao turismo. Lagarde sustentou que, “à medida que as pessoas começam a viajar novamente, espera-se que o turismo ajude a economia no terceiro trimestre deste ano”. E a Comissão Europeia reviu em alta a perspetiva de crescimento da nossa economia, neste ano, para 6,5%, o que, a confirmar-se, será a economia europeia que mais crescerá em 2022, abrandando depois para 1,9% em 2023.

Ainda assim, apesar da incerteza, a líder do BCE mostrou-se esperançosa com a estabilização dos preços da energia e alívio nos estrangulamentos nas cadeias de abastecimento – fatores que levarão, com a normalização da política monetária, a inflação para um território mais suportável.

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Assim, no debate parlamentar do Estado da Nação, o primeiro-ministro português, António Costa, a alertar que a inflação vai perdurar por mais algum tempo, disse que o “efeito da inflação será mais duradouro” do que o previsto, mas o governo está a desenhar um novo pacote de ajudas às famílias e às empresas para setembro.

E o líder do grupo parlamentar do PS reagiu, perante os jornalistas, assinalando que os apoios sociais e às empresas projetados pelo Governo para setembro respondem ao impacto resultante do aumento das taxas de juros, especialmente no crédito à habitação. Distinguiu taxas de referência do BCE e taxas Euribor formadas no mercado interbancário, que estão diretamente relacionadas com os créditos à habitação. E disse que “algum desse movimento de aumento das taxas de referência por parte do BCE já foi acomodado pelas próprias taxas interbancárias”, pelo que “não é esperável um efeito mecânico entre o aumento das taxas de referência do BCE e um efeito na prestação da casa”, pois as taxas de juros dos créditos à habitação vêm a aumentar, embora “para valores ainda particularmente baixos, quando se compara com o histórico”. Contudo, as decisões do BCE terão efeito na bolsa dos portugueses, provavelmente já no segundo semestre, quando ocorrer o conjunto de medidas que o Governo tem para apresentar.

E, considerando que “o Governo está muito atento ao processo inflacionista, que, neste caso, terá também no crédito à habitação algum impacto”, Eurico Brilhante Dias, em relação às novas medidas de apoio às famílias para fazer face à inflação, referiu que, do ponto de vista orçamental, o PS tem quatro prioridades: justiça fiscal e combate à evasão fiscal; apoio os mais jovens e à classe média; estímulo ao desenvolvimento empresarial; e pacote centrado nas políticas sociais e de coesão territorial. São áreas muito importantes no Orçamento do Estado para 2022.

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Esperemos pela ação do governo e pela crítica das oposições e vejamos a prenda que nos vai trazer o decreto-lei de execução orçamental aprovado no Conselho de Ministros de 21 de julho. Talvez tenhamos de fazer mais um furo no cinto, para sobrevivermos de cabeça levantada.

2022.07.21 – Louro de Carvalho


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