sábado, 16 de julho de 2022

Inflação e custo de vida sobem, mas a banca faz a guerra do spread

 

A 12 de julho, o Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou que a variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) foi de 8,7% em junho, acima dos 8,0% do mês anterior e o valor mais alto desde dezembro de 1992 – valores que avançara na estimativa de 30 de junho.

Também o indicador de inflação subjacente (índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) acelerou, registando a variação homóloga de 6,0%, taxa superior em 0,4% à de maio de 2022 e “o valor mais elevado registado desde junho de 1994”. A variação do índice relativo aos produtos energéticos aumentou para 31,7%, face aos 27,3% do mês precedente, sendo o “valor mais elevado desde agosto de 1984”. E o índice referente aos produtos alimentares não transformados apresentou a variação de 11,9%, face aos 11,6% de maio.

Por classes de despesa e face ao mês precedente, destacam-se os aumentos das taxas de variação homóloga das classes dos “transportes” e dos “restaurantes e hotéis”, com variações de 14,3% e 14,2%, respetivamente (10,8% e 10,9% no mês anterior). Em sentido oposto, a “saúde” e o “vestuário e calçado” tiveram uma diminuição da taxa de variação homóloga para -3,6% e -0,5% respetivamente (1,4% e 0,0% no mês anterior).

Em junho, nas classes com maiores contribuições positivas para a variação homóloga do IPC, destacam-se os “bens alimentares e bebidas não alcoólicas”, os “transportes” e a “habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis”. E, nas classes com contribuições negativas, salienta-se a “saúde”, pelo alargamento dos critérios de isenção de taxas moderadoras no SNS.

Comparando com o mês anterior, sobressai o aumento das contribuições para a variação homóloga do IPC das classes dos “transportes” e dos “restaurantes e hotéis”. Em sentido inverso, sobressai a redução da contribuição da classe da “saúde”.

Em junho, o IPC registou uma variação mensal de 0,8% (1,0% no mês precedente e 0,2% em junho de 2021), enquanto a variação média dos últimos 12 meses foi de 4,1% (3,4% em maio). E o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) apresentou a variação homóloga de 9,0%, sendo este “o quarto mês consecutivo em que é ultrapassado o valor mais elevado registado em Portugal desde o início da série do IHPC, em 1996”. Esta taxa é superior em 0,9% à do mês anterior e superior em 0,4% ao valor estimado pelo Eurostat para a área do Euro (em maio, tinha sido nula esta diferença).

Excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos, o IHPC atingiu uma variação homóloga de 6,6% em junho (5,8% em maio), superior à taxa correspondente para a área do Euro, estimada em 4,6%, “mantendo o perfil marcadamente ascendente verificado nos últimos meses”.

O IHPC registou uma variação mensal de 1,1% (1,0% no mês anterior e 0,2% em junho de 2021) e uma variação média dos últimos 12 meses de 4,1% (3,3% no mês precedente).  

Cerca de 40% dos portugueses (percentagem correspondente a quase 373 mil contratos de arrendamento) pagam uma renda mensal que varia entre 200 a 399,99 euros, pelo que terão de gastar, em janeiro, mais 10 a 20 euros por mês com a casa. E mais de 20% dos inquilinos (a segunda maior fatia populacional) encontra-se no escalão seguinte, a pagar rendas de 400 a 649,99 euros, pelo que, a confirmar-se o aumento de 5% relevante para o cálculo, no início do próximo ano, terão de pagar mais 20 a 32,50 euros por mês.

Face à iminência destes aumentos, as associações dos inquilinos pedem ao Governo que adote solução semelhante à anunciada em Espanha: colocar um travão de 2% na subida das rendas, independentemente do valor da inflação deste ano.

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Por seu turno, a Comissão Europeia (CE) anteviu, a 14 de julho, no âmbito das previsões macroeconómicas de verão, uma inflação a bater “máximos históricos”, neste ano, de 7,6% na Zona Euro e de 8,3% na União Europeia (UE) – uma nova revisão em alta, “puxada” pelos preços da energia e dos alimentos, mas devendo abrandar em 2023 para 4% e 4,6%, respetivamente.

Nas suas previsões da primavera, publicadas em maio, o executivo comunitário já tinha projetado uma revisão considerável em alta da taxa de inflação na Zona Euro, neste ano, para 6,1%, impulsionada pelos preços energéticos e alimentares, com pico no segundo trimestre e descida em 2023. Nos dados agora anunciados, Bruxelas recorda que “a inflação global, até junho, atingiu máximos recordes à medida que os preços da energia e dos alimentos continuaram a crescer e as pressões sobre os preços se alargaram aos serviços e outros bens”, o que levou a nova revisão em alta face à projeção da primavera.

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Não obstante, a alta dos preços imobiliários e a subida das taxas de juro – quer as taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE), quer as da Euribor – não travaram a compra de casa, com as vendas de imobiliário a bater sucessivos recordes. De facto, os bancos estão cada vez mais disponíveis para conceder crédito, e a concorrência é grande. Para captar clientes, têm recorrido a diferentes estratégias que passam desde a devolução de parte do valor dos empréstimos até condições mais vantajosas no caso de imóveis mais amigos do ambiente. Contudo, a principal arma é a redução de spread, componente da taxa de juro que consiste na margem de lucro das instituições financeiras, situação que promove a concorrência entre bancos e resulta em propostas mais apelativas para o potencial comprador, mas que, em caso de redução excessiva, pode ferir a sustentabilidade da banca.

Em 2021, a banca concedeu 14,7 mil milhões de euros às famílias, fechando um total de 116,6 mil contratos – crescimento de 36,5% e 28,7%, respetivamente (o maior desde 2017). E a tendência continua. Só nos primeiros cincos meses foram feitos empréstimos de 7 mil milhões de euros, um incremento de quase 20% face ao período homólogo anterior. Isto, apesar do travão do Banco de Portugal (BdP) para prevenir que se repitam os excessos que levaram a crise passadas. Com efeito, desde abril, vigoram novas regras para limitar os prazos máximos de pagamento dos contratos consoante a idade dos titulares, medida que se juntou a outras limitações relacionadas com o montante do empréstimo e valor do imóvel e também às taxas de esforço.

O spread médio cobrado pela banca nas novas transações, ao longo de 2021, situou-se nos 1,14%, valor ligeiramente inferior ao de 2020 (1,19%), e que segue em linha descendente desde 2015, quando a média se situou em 2,31%. E, olhando para os dados por banco, cedidos pelo portal “ComparaJá”, verifica-se que, neste ano, a tendência continua a ser de queda, havendo até algumas entidades com a média de spread abaixo de 1%, como é o caso do Abanca e do BPI. Mas os valores cobrados pelos restantes principais bancos a operar em Portugal não estão muito distantes.

O diretor de crédito à habitação do portal refere que o spread é uma das nuances mais importantes e mais faladas na contratação de crédito à habitação, apesar de a Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG) – que mede o custo do empréstimo para o cliente, por ano, em percentagem do montante emprestado – “ser uma taxa mais conclusiva e indicativa da qualidade da proposta em si. Por outro lado, embora os bancos queiram apresentar a melhor taxa possível para atraírem o máximo de clientes, quanto maior essa taxa for, maior será a margem de lucro. Porém, é verdade que há clara concorrência entre bancos no atinente ao spread, do que são testemunho as constantes ações de publicidade bancárias.

A estratégia de baixar spreads face à pressão concorrencial atrai clientes, mas pode ter um reverso da medalha, numa altura de incerteza económica por causa da alta inflação e da crise energética causada pela guerra na Ucrânia e sobre a dimensão da subida das taxas de juro por parte do BCE.

E dentro do próprio setor há quem tema esta estratégia agressiva. Assim, o Novo Banco (NB) entende que a redução excessiva de spreads no crédito à habitação prejudica “a rentabilidade do setor financeiro a curto, médio e longo prazo”. Por sua vez, o Bankinter diz que a concorrência é algo que natural no setor bancário em geral e no produto de crédito à habitação em particular e comentou que os spreads “são mais um ponto a ter em conta no processo de tomada de decisão no que diz respeito à proposta de valor que disponibilizamos neste produto”.

Já o BPI referiu que, “por princípio, vê a concorrência como um facto positivo e nesse quadro, cada banco saberá definir como deve posicionar-se em cada momento” – posição partilhada pelo Crédito Agrícola, a defender que “haverá sempre algumas Instituições com estratégias um pouco mais arrojadas, eventualmente com um pricing mais reduzido, mas isso não implica que todas as outras Instituições tenham de seguir, exatamente, a mesma estratégia”.

Seja como for, quando os prazos para comprar casa estão mais curtos e os juros sobem, os bancos vêm lançando ofertas mais vantajosas para captar clientes. Em junho, o Banco Montepio lançou uma campanha que possibilita a devolução aos clientes de 1,5% do valor do empréstimo, quer na compra, quer na transferência do crédito para a instituição financeira, além da redução do spread mínimo para 0,95% e da contemplação de uma componente ambiental, social e solidária. Nestes termos, “se o imóvel a adquirir tiver certificado energético A ou A+, a devolução ao cliente sobe de 1,5% para 1,7%, sendo a devolução do empréstimo feita através de cartão pré-pago que tem associado um programa de donativos”, que, por cada vez que o cliente o usar, contribui para a Cáritas Portugal. As campanhas associadas à sustentabilidade, com desconto nos spreads para o financiamento de imóveis mais amigos do ambiente, como a que o Banco CTT tem em curso com uma redução de 10 pontos base, tem sido uma tendência do setor.

Recentemente, o Bankinter lançou uma nova campanha de redução de spread, que é acompanhada de perto pela concorrência. O Crédito Agrícola, por exemplo, esclarece que a sua estratégia é manter a oferta atrativa e garante estar preparado “para responder aos vários movimentos que se venham a verificar no mercado, por forma a mantermos o mesmo rumo”.

No entanto, alguns bancos excluem a possibilidade de novos cortes dos spreads, já que têm uma oferta competitiva. O BPI, por exemplo, ao ter “uma oferta muito competitiva em taxa fixa e variável”, “não prevê alterar essa oferta” – visão partilhada pelo NB, que garante não ter em vista “qualquer redução do preçário de spreads”, por “ter soluções de crédito muito favoráveis a clientes e que vão além da redução de spreads”. E o Santander apresenta uma oferta competitiva, com soluções adequadas a cada caso, dispondo de uma plataforma de wokflow integrado de crédito à habitação que reduz o tempo de contratação de crédito à habitação (cerca de 25 dias versus 70 dias no passado) e melhora a experiência dos clientes, pois, a qualquer momento, têm acesso ao estado do pedido. E a CGD “não comenta política comercial”, dizendo apenas que “continuará a apoiar as famílias portuguesas que procuram soluções para a realização dos seus sonhos” (digo, estribada no alargado painel de clientes, muitos fragilizados pela condição de funcionários públicos, pela velhice e pelas pensões cinzentas, que são explorados até ao tutano).

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Entretanto, Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) disse ao “Dinheiro Vivo”, neste dia 16, que “a banca tem de subir lucros para ser saudável e ajudar a economia a crescer”. Nestes termos, a subida de juros é o regresso à normalidade, cabendo o papel social ao Estado, não à banca. Viram?!

2022.07.16 – Louro de Carvalho

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