O Engenheiro José Eduardo dos Santos, ex-Presidente de Angola, faleceu
pelas 11 horas e 10 minutos (hora de Angola) do dia 8 de julho, aos 79 anos de
idade, “após prolongada doença”, segundo nota da Presidência angolana publicada
no Facebook. O antigo governante encontrava-se internado, há vários dias, no Centro Médico Teknon de Barcelona (Espanha).
A nota presidencial refere que Angola se “inclina com
o maior respeito e consideração, perante a figura de um Estadista de grande
dimensão histórica, que regeu, durante muitos anos, com clarividência
e humanismo, os destinos da Nação Angolana, em momentos muito difíceis”.
Eduardo dos Santos esteve no poder em Angola durante
38 anos. Sucedeu a Agostinho
Neto como Presidente de Angola em 1979 e deixou o cargo em 2017, cumprindo uma das mais longas presidências no mundo. Porém,
em 2017, renunciou à recandidatura ao cargo e o atual Presidente, João
Lourenço, sucedeu-lhe, vindo a ser também eleito pelo Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA), que governa o país desde a independência, em 11 de
novembro de 1975.
Internado, há duas semanas, nos cuidados intensivos da
referida clínica de Barcelona, onde o antigo Presidente, que tinha problemas de
saúde há vários anos, era acompanhado desde 2006.
João Lourenço decretou cinco dias de luto nacional a
iniciar-se a partir da meia-noite do dia 9 de julho. “É declarado luto
nacional a ser observado em todo o território nacional e nas missões diplomáticas
e consulares”, diz a Presidência de Angola em comunicado posterior.
O Executivo da República de
Angola informou do óbito do antigo Presidente a opinião pública nacional e
internacional “com um sentimento de grande dor e consternação”, apoiado no boletim
médico da aludida clínica catalã; apresentou à família “os seus mais profundos
sentimentos de pesar”; e apelou “à serenidade de todos neste momento de dor e
consternação”.
Numa série de fotografias publicadas na sua conta no
Instagram após a notícia da morte de José Eduardo dos Santos, Tchizé dos Santos
escreve que perdeu a companhia do seu “primeiro grande amor” e que o continente
africano “perdeu um dos seus maiores heróis vivos”.
Desde que o pai foi internado, Tchizé dos Santos tem feito várias críticas a João Lourenço, a Ana
Paula dos Santos e ao MPLA, a quem deixa um recado numa das publicações:
“Apagar a luz do outro não vai fazer com que a sua brilhe mais!” Com
efeito, “os pais nunca morrem, porque são o amor mais verdadeiro que os filhos
conhecem em toda a vida”.
O
Presidente da República português enviou as condolências ao Presidente João
Lourenço e à família do Presidente José Eduardo dos Santos. E, sublinhando que
o político ora falecido foi “o interlocutor de todos os presidentes portugueses
em democracia”, em quatro décadas, e se constituiu em “protagonista decisivo
nas relações entre os Estados e os Povos Angolano e Português, assegura que “Portugal
testemunha o respeito devido a essa longa memória, em período determinante para
o nascimento e o arranque da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e
do engrandecimento das nossas relações bilaterais após a descolonização”.
Também o presidente da Assembleia da República realçou
o “contributo determinante” do ex-chefe de Estado angolano para a construção da
paz em Angola e enviou condolências ao povo angolano e à Assembleia Nacional
deste país. “Na morte de José Eduardo Santos recordo o seu contributo
determinante para a construção da paz em Angola. Transmito sentidas
condolências à Assembleia Nacional e a todo o povo angolano” – escreveu Augusto
Santos Silva.
Em comunicado divulgado ao final da tarde do dia oito,
o governo português lamentou a morte do antigo Presidente da República de
Angola, dirigindo as condolências “à família e à Nação angolana neste momento
de luto nacional”, refere o comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
A tutela liderada por Gomes Cravinho assinala que “Angola trilhou um
caminho de crescimento e consolidação”, durante a presidência de
José Eduardo dos Santos, quer a nível internacional, quer no “espaço lusófono”,
continuando a ” fortalecer os laços” entre os dois países.
Também o antigo Presidente da República Cavaco
Silva enviou “as mais sentidas condolências” à família do ex-chefe de Estado,
que recordou como um “artífice decisivo na construção da paz e da reconciliação nacional da nação angolana”. Cavaco Silva
enviou à família “as mais sentidas condolências” e ao povo amigo de Angola “uma
palavra de conforto pela partida de uma notável figura nacional”, com quem
mantinha “uma duradoura relação de confiança, que permitiu ultrapassar as
dificuldades que marcavam as relações” entre os dois países na década de 1980.
“Com José Eduardo dos Santos, de inteligência fina,
convincente na argumentação, sereno e sábio no uso da palavra, foi possível
reforçar a cooperação entre Portugal e Angola”, vincou o ex-chefe de Estado de
Portugal, para quem, ao longo dos anos, a relação entre Portugal e
Angola passou “da desconfiança” à “amizade.
O ex-primeiro-ministro português Durão Barroso
lembrou, “com saudade”, o antigo Presidente, destacando “o patriota” e “o estadista” que ficará
na História do seu país e de África. “Recordo alguém de excecional
inteligência, que foi capaz de garantir a unidade nacional angolana num
contexto geopolítico extraordinariamente difícil, que ficará indelevelmente na
História de Angola, de África e também das relações de Angola com Portugal”,
escreveu o ex-presidente da Comissão Europeia e ex-ministro dos Negócios
Estrangeiros português.
O secretário-geral das Nações Unidas destacou a
importância de Eduardo dos Santos a favor do multilateralismo e destacou a
assinatura do acordo de paz que terminou a guerra civil em Angola. Em nota
divulgada pelo seu porta-voz e citada pela agência Lusa, Guterres salientou “que, sob a liderança de José
Eduardo dos Santos, o país assinou o acordo de paz, de 2002, que colocou fim à
guerra civil, que eclodiu após a independência” e que o antigo chefe de
Estado transformou Angola num “importante parceiro regional e
do multilateralismo”.
O Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA)
manifestou “consternação” pela morte de Eduardo dos Santos e anunciou que
suspendeu toda a atividade política até ao fim do luto nacional. Rui Falcão
adiantou que o partido, “além de acompanhar o programa de Estado”, terá
um programa próprio de homenagem, sobre o qual disse não poder
adiantar pormenores.
Já o Secretário Executivo da CPLP regista “com pesar”
a morte do ex-presidente angolano, que diz ser uma “grande perda para Angola e,
também, para o mundo da Língua Portuguesa”. O “Presidente fundador CPLP,
José Eduardo dos Santos foi sempre militante e defensor incansável da projeção
da Língua Portuguesa e da consolidação da nossa Comunidade”, acrescenta
o secretário executivo da organização.
Ana Gomes, ex-candidata às eleições presidenciais de
Portugal em 2021, crítica da família de José Eduardo dos Santos como um
presidente que “enveredou pela cleptocracia”. Em declarações à RTP, lembrou que o antigo chefe do Estado começou por
ser uma promessa de democracia no final da guerra civil de Angola, mas “que
essas promessas foram frustradas”.
***
A Guerra Civil Angolana foi
o conflito armado interno que, iniciado em 1975, após Angola se tornar
independente, continuou, com intermitências, até 2002. Foi uma luta de poder
entre dois ex-movimentos de guerrilha anticolonial, o Movimento Popular para a Libertação de
Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). E foi
usado como campo de batalha de uma guerra por procuração da Guerra Fria por
Estados rivais, como União Soviética e Cuba, por trás do MPLA, e Africa do
Sul e Estados Unidos, por trás da UNITA. Na verdade, a União Soviética e os
Estados Unidos, com os respetivos aliados, prestaram assistência às fações
opostas. O conflito entrelaçou-se com a II Guerra do Congo, na
vizinha República Democrática do Congo, e a Guerra das Fronteiras na
África do Sul.
O MPLA e a UNITA tinham raízes diferentes em Angola e lideranças incompatíveis,
apesar do objetivo comum de acabar com o domínio colonial. Já a Frente Nacional
de Libertação de Angola (FNLA), que lutou, com a UNITA, contra o MPLA, na
guerra pela independência, não teve quase nenhum papel na guerra civil. E a Frente
de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) lutou pela independência da
província de Cabinda, inseparável de Angola, mercê do petróleo.
A guerra, de 27 anos, compreendeu três períodos de grandes combates – de 1975
a 1991, de 1992 a 1994 e de 1998 a 2002 – com frágeis períodos de paz. Quando o
MPLA logrou a vitória, mais de 500 mil pessoas morreram e mais de um milhão
foram deslocadas internamente. A guerra civil devastou as infraestruturas
de Angola e lesou gravemente a administração pública, a economia e as
instituições religiosas do país. Porém, foi notável devido à combinação da
dinâmica interna violenta e ao grau excecional de envolvimento militar e
político estrangeiro.
É, pois, de reconhecer o mérito do político, um tanto desligado da
estrutura militar, que obteve a difícil paz em Angola e tentou reestruturar a
nação e manter as fronteiras. Mas, como a paz redundou na vitória do MPLA, é de
questionar se resultou da boa vontade do vencedor “civilista” ou do cansaço e
falta de apoio da fação inimiga (o regime sul-africano mudara e, nos Estados
Unidos, a era de Clinton mudou as relações exteriores). Além disso, Santos eclipsou
rivais, abafou vozes contestatárias e não houve meio de a oposição chegar à direção
do poder político. E, como bom engenheiro em petróleos, soube deixar canalizar
a fortuna angolana para as elites, incluindo o clã familiar, que branqueavam os
dinheiros obtidos com os negócios em países, não de partido único, entre os
quais Portugal. O Produto Interno Bruto (PIB) de Angola cresceu, mas as desigualdades
aumentaram e a pobreza e o crime alastraram. Será excessivo falar em cleptocracia,
mas a riqueza avantajada de uns a escarnecer da miséria de outros é factual. A
insegurança cresce e a vulnerabilidade do país ficou exposta com a crise petrolífera,
pois não se cuidaram outras fontes de incremento à economia em país cheio de
recursos naturais.
Enfim, homenageia-se o político que foi um bom estratega, mas em quem
assenta o “senão” que toda a bela tem. Não há bela sem senão!
2022.07.09 – Louro de
Carvalho
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