domingo, 17 de julho de 2022

Culto mariano é forte em quase todo o mundo lusófono

 

“As missões foram muito importantes para a difusão do culto mariano, como à Virgem de Fátima, nos países lusófonos”, dizia à agência Lusa, em 3 de maio de 2010, o historiador José Eduardo Franco. Para o doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e especialista em História Religiosa, “a devoção a Nossa Senhora está profundamente ligada a Portugal, desde a sua fundação, e à identidade nacional portuguesa, que levou ao surgimento de vários templos e congregações marianas”.

“Os missionários, cheios desta espiritualidade mariana, levaram-na consigo [para as ex-colónias], sendo uma marca da presença portuguesa, e realizaram a divulgação do culto a Nossa Senhora”, diz José Eduardo Franco, acrescentando que isso já acontecia mesmo antes das aparições de Fátima (1917), que só vieram reforçar esta devoção.

Para o sociólogo Moisés do Espírito Santo, professor jubilado da Universidade Nova de Lisboa, “o culto mariano e Fátima são mais facilmente aceites – pela apresentação de um elemento feminino, maternal, uma figura que unifica – pelos povos africanos ligados a estas missões católicas”. Aliás, ressalta no catolicismo, a ideia de que Deus é Pai, mas também é Mãe. Esta foi a tirada aparentemente espontânea do Papa João Paulo I numa das suas poucas audiências gerais, mas que decorre da boa tradição bíblica e da genuína tradição eclesial, sendo nesta perspetiva, caldeada com a profundidade da antropologia cultural, que surgiu o livro de Leonardo Boff “O rosto materno de Deus”. E Maria, que não é Deus, representa em criatura o verdadeiro rosto materno de Deus. É a Mãe de Misericórdia, que aponta para Jesus e O oferece ao povo, qual rosto misericordioso do Pai    

Paulo Mendes Pinto, diretor da área de Ciências da Religião da Universidade Lusófona, sublinhou que as comunidades emigrantes também tiveram um papel importante e, já nos anos de 1920, “levavam ao mundo o culto a Nossa Senhora de Fátima”. “Hoje encontramos o culto a Fátima espalhado pelo mundo lusófono mais direto, como no Brasil e em Timor-Leste”, mas também em outros países onde existem comunidades emigrantes (comunidades onde há verdadeira lusofonia, a da diáspora), como em França, Luxemburgo, Suíça, Canadá e Estados Unidos.

Existem 41 santuários de Fátima no Brasil – um dos maiores países católicos do mundo –, além de seis em Moçambique (Nossa Senhora da Conceição é a padroeira do país, como em Portugal e Timor-Leste) e cinco em Angola (a padroeira é o Imaculado Coração de Maria), sendo que no mundo há 911 igrejas e 267 santuários dedicados a Fátima.

Em Timor-Leste, destaca-se o Santuário Nacional de Maria Auxiliadora Fatumaca, perto de Kairiri, a nordeste de Waipeheana.

A Igreja Católica em Macau assinala o primeiro dia do Ano Novo Chinês, unindo-se a Nossa Senhora Padroeira da China. A par disto, há dois monumentos/vias-sacras com a imagem de Nossa Senhora nas rotundas da Taipa e de Coloane – a primeira, localizada no acesso à Ponte Nobre de Carvalho, e a segunda, no final do istmo entre as ilhas da Taipa e de Coloane. E destaca-se a Capela de Nossa Senhora da Penha, conhecida como Ermida de Nossa Senhora da Penha e como Capela de Nossa Senhora do Bom Parto, construída em 1622 (ano da invasão holandesa a Macau) pela tripulação e passageiros de um barco que quase havia sido capturado pelos holandeses, por cima de uma colina, ao lado do baluarte de Nossa Senhora do Bom Parto.

No sul da Índia, emerge a Basílica de Nossa Senhora da Boa Saúde, conhecida como Santuário de Nossa Senhora de Vailankanni, santuário localizado na cidade de Velankanni em Tamil Nadu. Para os povos de Goa e de Konkani, ela é chamada de “Shantadurga”, a mais compassiva.

Em Moçambique, sobressai o Santuário de Nossa Senhora de Fátima de Namaacha, inaugurado, em 1944, pelo Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, como o primeiro santuário fatimita de África, o qual, no dizer do cardeal António Marto, prolonga “em África o eco da Mensagem particular que a Nossa Senhora trouxe para toda a humanidade a partir de Fátima”. E destaca-se no Bairro da Cerâmica, em Lichinga (capital da província do Niassa), o Santuário do Imaculado Coração de Maria, entregue a um grupo de leigos e a uma comunidade religiosa da Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima.

Angola venera Nossa Senhora da Conceição da Muxima, no município de Quissama, província de Luanda (até 2011, Quissama era da província do Bengo), nas margens do Rio Kwanza, o maior centro mariano da África subsariana. Aqui, as pessoas tratam Maria com a “Mamã Muxima” (mamã do coração). 

Os brasileiros sempre tiveram grande devoção a Maria, multiplicando-se os santuários marianos e sendo a padroeira do Brasil Nossa Senhora Aparecida, o maior santuário do país.

Os católicos de Cabo Verde, que são a maioria da população, inauguraram mais uma igreja de Nossa Senhora de Fátima (remodelada a partir de uma antiga capela), na Ilha do Fogo, a 16 de maio. A padroeira de Cabo Verde é Nossa Senhora das Graças, sendo feriado nacional.

Em São Tomé e Príncipe, com muitas igrejas dedicadas a Maria, são festejados os dias da Senhora de Fátima, de Guadalupe, Peregrina, das Neves, de Nazaré e do Bom Despacho, entre outras.

A Guiné-Bissau é exceção entre as ex-colónias, já que tem como religiões principais o islamismo e as crenças animistas, sendo uma minoria da população católica (cerca de 5%). Todavia, tem como padroeira católica do país Nossa Senhora da Candelária.

***

A História regista o vínculo de Portugal ao culto mariano, desde logo com os favores de Dom Afonso Henriques a Santa Maria de Braga, a Santa Maria de Cárquere (Resende) e à abadia de Santa Maria de Alcobaça. O mosteiro da Batalha foi mandado contruir por Dom João I em ação de graças a Santa Maria da Vitória, para memória da vitoriosa batalha de Aljubarrota. O Santuário de Nossa Senhora da Conceição, mandado edificar pelo Santo Condestabre, São Nuno de Santa Maria, em Vila Viçosa, é o Solar da Padroeira. E Dom João IV, por provisão referenciada em Cortes Gerais, proclamou Nossa Senhora da Conceição Padroeira e Rainha de Portugal, em 25 de março de  1646. E não mais os monarcas portugueses voltaram a colocar a coroa real.

Desde a zona de fronteira em S. Gregório, concelho de Melgaço, há testemunhos do culto à Virgem Maria. No Monte do Facho, existe uma capela e um conjunto escultórico em  honra de Nossa Senhora de Fátima, aonde acorrem muitos portugueses e galegos, de modo especial nos dias 12 e 13 de maio. Na paróquia de Santa Maria Madalena de Chaviães, há sempre festa a 8  de dezembro, dia consagrado da Nossa Senhora da Conceição, tendo como centro a Capela da Quinta, dedicada à Virgem Imaculada. Junto à estrada que nos conduz de S. Gregório a Melgaço, surge a capela românica de Nossa Senhora da Orada.

Subindo para a serra, encontra-se a imagem da Senhora da Natividade, várias vezes secular, na Igreja Paroquial de Cubalhão. Refira-se que São Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, aquando da sua visita àquelas paragens, fundou a paróquia de Cubalhão, designando a Senhora da Natividade como padroeira.

Estes testemunhos são mais do que suficientes para testemunhar a devoção mariana das gentes de Melgaço, onde Portugal começa.

Entretanto, edificaram-se os santuários da Senhora da Lapa, em Quintela (Sernancelhe), replicado no Brasil e Meliapor, da Senhora de Nazaré (Nazaré), da Senhora da Abadia, em santa Maria do Bouro (Amares), da Senhora da Peneda, em Gavieira (Arcos de Valdevez), da Senhora da Penha, em Guimarães, da Senhora dos Remédios, em Lamego, da Senhora da Conceição do Sameiro (Braga), entre muitos outros. E ressalta o de Nossa Senhora de Fátima, Altar do Mundo.

Das paragens de Melgaço e de outras terras de Portugal foram muitos os que emigraram para o Brasil, terra da Vera Cruz, e levaram a religiosidade popular de consistente devolução mariana.

A padroeira do Brasil é a Nossa Senhora da Conceição Aparecida, venerada na basílica de Nossa Senhora da Aparecida, localizada entre Rio de Janeiro e São Paulo, na cidade de Aparecida. Ali acorrem milhões de devotos das grandes cidades e do interior. A imagem de Nossa Senhora foi encontrada quando pescadores lançavam as redes no rio Paraíba. A aparição ocorreu na  segunda quinzena de outubro de 1717. Celebraram-se, em 2017, os 300 anos do acontecimento mariano, marcante, como uma história cheia de emoções, com esperança viva e confiança alegre.

Referentes ao Brasil, temos os livros “Casa Grande e a Senzala” e “Sobrados e Mucambos”, do antropólogo Gilberto Freire.

Chama-nos a atenção a igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, o primeiro templo de alvenaria inaugurado em Brasília, no ano de 1958. Dizem as crónicas que a igrejinha foi mandada construir para “pagar a promessa feita por Dona Sarah Kubitsechek em agradecimento a nossa Senhora de Fátima pela cura de sua filha acometida por uma grande doença”. Lá está a imagem de Nossa Senhora de Fátima protegida por paredes revestidas com azulejos figurativos, criados por Athos Bulcão, onde consta a pomba a representar o Espírito Santo e a estrela de Belém.

Há muitas paróquias dedicadas a Nossa Senhora, Mãe da Igreja. “Mãe da Igreja” é o título oficialmente dado à Virgem Maria durante o Concilio Vaticano II, pelo papa São Paulo VI. O título foi utilizado pela primeira vez por Santo Ambrósio, bispo de Milão (338 – 397):

“Pela missão da maternidade divina, que A une a seu Filho Redentor, e pelas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada a Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo”.

 

“Os santuários mantêm-se vivos na memória histórica por serem espaços onde aconteceram eventos decisivos na história da fé de uma comunidade” (Dom Carlos Azevedo).

Com Miguel Torga dizemos: “O peregrino vem, / Reza devotamente, / Põe no altar o que tem / E regressa mais livre e mais contente. / Assim faço também”.

A peregrinação conduz à tenda do encontro com a Palavra de Deus. A experiência fundamental da peregrinação deve ser a da escuta, porque de Jerusalém sairá a palavra do Senhor.

Muito se tem escrito em relação à mensagem de Fátima, sobre as aparições, os videntes, as celebrações e a teologia mariana, destacando-se as recomendações de Nossa Senhora.

O cardeal Cerejeira, em 1943, declarou: “Não foi a Igreja que impôs Fátima, mas foi Fátima que se impôs à Igreja.” E assim a Cova da Iria tomou a designação de “ALTAR DO MUNDO.”

Dedicada aos santuários surgiu a Carta Apostólica “Sanctuarium in Ecclesia”, que explicita:

“Os santuários permanecem até aos nossos dias em qualquer parte do mundo como sinal peculiar da fé simples e humilde dos crentes, que ali encontram a dimensão fundamental da sua existência. Ali experimentam de modo profundo a vizinhança de Deus, a ternura da Virgem Maria e a companhia dos Santos.”

 

“Por Maria a Jesus”. A eloquência da fé será imensa e os corações receberão a alegria de como é bom estar juntos em comunidade eclesial. As grandes atitudes passarão por acreditar, agradecer, comtemplar, servir, perdoar e partilhar. Os peregrinos são exemplo de busca transcendente. Cada peregrino sente ao que vai e espera vivências especiais ao celebrar as revelações da Mãe de Deus, Nossa Mãe e Mãe da Igreja. A palavra do Evangelho das Bodas de Caná faz a síntese da grande mensagem de Fátima: “Sua Mãe disse aos serventes: Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).

Saberá hoje o culto mariano ser um dos liames da mística lusófona?

2022.07.17 – Louro de Carvalho

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