A Avaliação
Ambiental Estratégica (AAE) que o Governo se comprometeu a realizar compara
três soluções Portela+1 (Montijo como secundário), Montijo como principal e
Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no Campo de Tiro de Alcochete (CTA).
Não cabe à
AAE a solução, mas a avaliação preliminar do impacto dos diferentes planos e
programas que se afiguram como soluções, comparando-os entre si, o que não
dispensa a submissão a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). A AIA do CTA,
caducada a 9 de dezembro de 2020, tem de ser repetida, e a do Montijo foi
aprovada com 159 medidas de mitigação.
A oferta
comercial divide-se em médio curso (voos até 3/4 horas, com aviões narrow
body) e longo curso (voos intercontinentais, com aviões wide body),
com umas companhias a operar ponto a ponto (charter, low-cost,
tradicionais) e outras em rede. Na operação em rede, as companhias coordenam os
seus voos em cada aeroporto de modo a permitirem transferências entre aviões.
Os
aeroportos de grande volume de tráfego em trânsito ou transferência são
designados por HUB, localizados a
meio caminho entre as origens/destinos da área continental em que se encontram
e em cidades com grande densidade demográfica e forte atividade económica. E,
no sistema em rede, há aeroportos alimentadores dos HUB, neles concentrando maior volume de tráfego, de modo que as
conexões intercontinentais entre HUB’s,
com aeronaves maiores, mantenham fatores de ocupação rentáveis. No HUB destino, há a redistribuição do
tráfego para o destino final ou para outro HUB,
permitindo que o passageiro chegue, com alguma facilidade, a qualquer local.
Usa-se a
expressão “interesse estratégico” para justificar opções, o que é compreensível,
dada a importância do transporte aéreo, pois aumentou a propensão para viajar e
a atividade económica globalizou-se, resultando em que é a competitividade a
determinar a conectividade necessária e o interesse estratégico. Os aeroportos
são pontos de origem/destino de passageiros e de carga, podendo conectar-se de
forma direta ou indireta e assumindo as ligações diretas particular relevância,
dado o valor do tempo. E a procura de transporte aéreo é caraterizada por
motivações de negócio, de lazer, de visita a familiares e amigos, tendendo a
procura a encontrar equilíbrio entre preço e tempo, sendo este condicionado
pelo número de paragens e conexões entre cada oferta origem/destino.
A
viabilidade/competitividade nas ligações intercontinentais depende do potencial
de atratividade do aeroporto HUB, na
sua área de implantação e nos aeroportos alimentadores, pelo que os HUB são economicamente importantes para
os países. E, num mundo de logística global, a captação de empresas para o país
depende das conexões disponíveis, em particular intercontinentais. Assim, não
se admite que, após 53 anos após anos de procura de localização para um NAL se
continue na lógica de (re)invenção da roda, degradando o potencial de
desenvolvimento do HUB em Lisboa. De
facto, o abandono de uma ligação estabilizada por parte de uma companhia sediada
num HUB origina a sua rápida substituição
pela concorrência sediada em HUB
próximo.
No Aeroporto
da Portela, o HUB tem como ponto de
partida as ligações entre locais de expressão lusa em África, na América do
Norte e na América do Sul com destinos na Europa e no Médio Oriente, podendo
ser uma excelente base para a promoção de um HUB em Lisboa.
Como os
aeroportos são infraestruturas caras, necessitam de salvaguardar grandes áreas
para futuras expansões e sujeitas a riscos elevados, o que significa haver
absoluta necessidade de se planearem estrategicamente, a muito longo prazo e
com o máximo de flexibilidade possível.
As maiores
aeronaves a operar num aeroporto determinam o comprimento de pista necessário e
a dimensão transversal do aeroporto até ao terminal de passageiros, em função
das envergaduras e largura do trem das aeronaves e das margens de segurança e separação
requeridas para circulação no solo. A restante dimensão transversal resulta do
requerido para terminais de passageiros e parques de estacionamento de
veículos. E, na envolvente da sua localização aparecem grandes zonas urbanas,
dado o seu impacto económico, havendo necessidade de pré-avaliação de impactos
ambientais, de uso de solos, de acessibilidades e de riscos.
Os elevados
custos da construção e da operação e manutenção dos aeroportos faz com que os existentes
sejam esticados até ao limite e os novos aeroportos planeados para várias gerações,
colocando-se a questão de se saber se se continua com o anterior (Portela +1)
ou se se assume a passagem definitiva para um novo. O planeamento a longo prazo
implica pensar na máxima flexibilidade possível e os faseamentos no tempo
correspondentes a saltos de capacidade programados e só executados quando se
prevê que o limite previsto em cada fase é atingido.
Há três
critérios de capacidade com base na hora de ponta: o teórico, o mais elevado
por olhar a procura contínua sem limites resultantes de considerações de
qualidade de serviço e/ou segurança; o de projeto, que foca a qualidade de
serviço; e o declarado, que pondera mais a segurança na gestão operacional em
terra e no espaço aéreo.
Determinada a
hora de ponta de projeto e a relação histórica com o total anual, é possível
fazer a primeira avaliação/projeção das necessidades futuras em
infraestruturas aeroportuárias. E, face à dimensão do investimento no novo aeroporto,
seria de bom senso calcular e tornar público o perfil do dia de projeto e o
cálculo da hora de ponta de projeto, pelo menos segundo dois ou três critérios,
nos últimos cinco anos, de que não constata disponibilização de dados para os calcular.
A capacidade
a observar na perspetiva do sistema aeroportuário mostra a seguinte situação no
Continente português: o aeroporto do Porto, de procura europeia, não tem
problema de capacidade e tem infraestruturas habilitadas para longo curso; o aeroporto
de Faro, de procura europeia iminentemente turística, terá a médio prazo
problemas de capacidade, não havendo, no Algarve, opção fácil para novo
aeroporto; e o aeroporto da Portela está no limite da sua capacidade. A
alternativa definirá se se terá no país um aeroporto que garante
competitividade em conexões intercontinentais relevantes ou se é assumido que o
HUB Madrid será ponto de passagem
para as conexões intercontinentais. Ao invés de tantas companhias para as quais
Portugal é apenas ponto de origem ou de destino, a TAP implementa uma operação
de HUB na Portela, pela qual ocupa as
faixas horárias mais cobiçadas do aeroporto. Com a política de subsídio
às low cost promovida pela ANA, a TAP sofreu forte impacto no
médio curso, mas mantém a posição de principal companhia sediada na Portela e
desenvolve, no longo curso, mais ligações aos EUA, prosseguindo a sua política
de HUB para áreas de implantação de
comunidades de expressão portuguesa.
Em termos
gerais, o Aeroporto da Portela em 2019 processava 52% do tráfego aéreo nacional
de passageiros com 31 milhões de passageiros por ano. Resta saber até que ponto
o contrato com a ANA/Vinci (concessão até 2050) está a ser cumprido. Estava
previsto que a empresa procederia à construção do NAL se três das seguintes
condições se verificassem: total anual de passageiros superior a 22 milhões;
total anual de movimentos acima dos 185 mil; total de passageiros no trigésimo
dia de maior procura superior a 80 mil; e total de movimentos no trigésimo dia
mais movimentado acima dos 580.
A proposta
da ANA/VINCI para a solução Portela + Montijo, o fecho da pista 17-35, mitiga o
constrangimento de posições de estacionamento, mas não resolve a limitação de
capacidade da pista 03-21. Na configuração proposta, a 03-21 dificilmente
chegará aos 44 movimentos por hora, carecendo, para alguns movimentos mais, de
dois caminhos de circulação paralelos do lado da aerogare, o mais próximo da
pista prolongado pelo menos até à soleira deslocada da Pista 21 e o mais
próximo da aerogare até um pouco mais a Norte da intersecção com o Twy U5, além
de saídas rápidas de pista sobretudo, para as aterragens na Pista 03. Porém, o
fim da vida útil da Portela chegou e só se prorrogará se se lhe retirar tráfego.
Manda o bom
senso que a localização de um aeroporto se não faça dentro de uma localidade urbana
existente, por não estar preparada para tal impacto e por ficar, no futuro, com
os problemas das comunidades que, ao longo do tempo, vão rodeando os
aeroportos. E a ideia de um aeroporto a operar com duas infraestruturas
separadas por alguns quilómetros é uma falácia, que não evita duplicação de
custos nem conflitos de interesses entre companhias.
Essa
alternativa pode ser temporária ou definitiva. Em qualquer opção, o sistema
dual tem de ser mutuamente complementar, isto é, tem que tentar partições
segundo procuras distintas e oferecer serviços distintos, com relevância para a
localização do aeroporto.
No caso do
aeroporto no CTA não há limitação do tipo de aeronaves, pois a pista tem 4000 metros,
o que permite qualquer partição de tráfego com o Aeroporto da Portela, devendo
a deslocalização de tráfego ser ajustada com a evolução da procura e objeto da
coordenação com as companhias.
A partição
considerada é a de que será a TAP a iniciar o processo de transição para o
NAL/CTA. No restante tráfego verificar-se-á liberdade de opção entre os dois
aeroportos, sendo que as taxas aeroportuárias do NAL deverão ser
substancialmente mais baixas, dada a maior distância ao centro da cidade e a
menor qualidade inicial dos serviços aeroportuários. O tempo de estudo e
execução das alternativas é similar, sendo que a solução Montijo não resolve o
problema de um novo aeroporto com capacidade de desenvolvimento futuro e mantém
condicionado o potencial HUB da
oferta aeroportuária em Lisboa. Na
opção Portela + Montijo, passaria para a BA6 um número ainda
indeterminado de operações low cost,
pois só há uma pista que, apesar dos 390 metros de acréscimo, só permitiria aviões
de médio curso.
É complicado
abandonar um aeroporto, mesmo quando se constrói outro mais moderno e com vida
útil a perder de vista, sendo, pois, aconselhável que se adote solução dual
transitória. Assim, apesar de a solução NAL estar pensada para sucessivas
expansões até um limite de 4 pistas e com possibilidade de ter instalações
capazes de absorver de imediato todo o tráfego da Portela, prevê-se uma Fase
“0” de transição, em que sairia da Portela o longo curso e grande parte do
médio curso da TAP, mantendo-se na Portela pouco mais do que as ligações ponto
a ponto à Europa. Esta fase, com vida útil dependente da transição do tráfego
da Portela e da sua evolução, inclui uma pista (a primeira das quatro previstas
na última fase), Terminal de Passageiros e de Carga provisórios, bem como a TWR
(torre de controlo) e a Estação de Bombeiros definitivas, além das infraestruturas
necessárias à sua operação. As ligações à cidade seriam inicialmente
rodoviárias com acesso pelas pontes 25 de Abril (A13; A2) e Vasco da Gama (A13;
IC3; A12) e A1 (A13; A10), devendo considerar-se uma ligação ferroviária e uma
nova travessia sobre o Tejo.
A solução
NAL/CTA, embora a mais cara e a precisar de desminagem, é a melhor do ponto de
vista ambiental, tem menos impacto de ruído, reduz substancialmente os riscos
de um acidente (tanto de possível colisão com aves, como na dimensão potencial
do acidente), apresenta, por ser empreendimento de longo prazo, a possibilidade
de um plano de uso de solos envolvente que considere as necessidades conexas
com a aviação e resultantes da dinâmica económica induzida pelo aeroporto, bem
como uma nova cidade aeroportuária, e tem a possibilidade abastecimento de
combustível por pipeline, enquanto a BA6/Montijo teria de ser abastecido por autotanque.
O Aeroporto
da Portela deve caminhar para o encerramento, podendo, neste percurso, servir
um nicho de mercado disponível para pagar tarifas aeroportuárias mais elevadas.
É demasiado
o horizonte de 53 anos e a quase vintena de localizações para decidir sobre um
novo aeroporto, a menos que se queira cumprir o vaticínio de um
ex-primeiro-ministro: “Enquanto houver uma criança sem assistência médica
gratuita, não haverá novo aeroporto”. É obra! Ou será falta de vontade política
e ter o país a andar para trás?
2022.07.13 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário