quarta-feira, 13 de julho de 2022

Entendam-se rapidamente Governo e oposição sobre o novo aeroporto!

 

A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que o Governo se comprometeu a realizar compara três soluções Portela+1 (Montijo como secundário), Montijo como principal e Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no  Campo de Tiro de Alcochete (CTA).

Não cabe à AAE a solução, mas a avaliação preliminar do impacto dos diferentes planos e programas que se afiguram como soluções, comparando-os entre si, o que não dispensa a submissão a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). A AIA do CTA, caducada a 9 de dezembro de 2020, tem de ser repetida, e a do Montijo foi aprovada com 159 medidas de mitigação.

A oferta comercial divide-se em médio curso (voos até 3/4 horas, com aviões narrow body) e longo curso (voos intercontinentais, com aviões wide body), com umas companhias a operar ponto a ponto (charter, low-cost, tradicionais) e outras em rede. Na operação em rede, as companhias coordenam os seus voos em cada aeroporto de modo a permitirem transferências entre aviões. 

Os aeroportos de grande volume de tráfego em trânsito ou transferência são designados por HUB, localizados a meio caminho entre as origens/destinos da área continental em que se encontram e em cidades com grande densidade demográfica e forte atividade económica. E, no sistema em rede, há aeroportos alimentadores dos HUB, neles concentrando maior volume de tráfego, de modo que as conexões intercontinentais entre HUB’s, com aeronaves maiores, mantenham fatores de ocupação rentáveis. No HUB destino, há a redistribuição do tráfego para o destino final ou para outro HUB, permitindo que o passageiro chegue, com alguma facilidade, a qualquer local.

Usa-se a expressão “interesse estratégico” para justificar opções, o que é compreensível, dada a importância do transporte aéreo, pois aumentou a propensão para viajar e a atividade económica globalizou-se, resultando em que é a competitividade a determinar a conectividade necessária e o interesse estratégico. Os aeroportos são pontos de origem/destino de passageiros e de carga, podendo conectar-se de forma direta ou indireta e assumindo as ligações diretas particular relevância, dado o valor do tempo. E a procura de transporte aéreo é caraterizada por motivações de negócio, de lazer, de visita a familiares e amigos, tendendo a procura a encontrar equilíbrio entre preço e tempo, sendo este condicionado pelo número de paragens e conexões entre cada oferta origem/destino.

A viabilidade/competitividade nas ligações intercontinentais depende do potencial de atratividade do aeroporto HUB, na sua área de implantação e nos aeroportos alimentadores, pelo que os HUB são economicamente importantes para os países. E, num mundo de logística global, a captação de empresas para o país depende das conexões disponíveis, em particular intercontinentais. Assim, não se admite que, após 53 anos após anos de procura de localização para um NAL se continue na lógica de (re)invenção da roda, degradando o potencial de desenvolvimento do HUB em Lisboa. De facto, o abandono de uma ligação estabilizada por parte de uma companhia sediada num HUB origina a sua rápida substituição pela concorrência sediada em HUB próximo. 

No Aeroporto da Portela, o HUB tem como ponto de partida as ligações entre locais de expressão lusa em África, na América do Norte e na América do Sul com destinos na Europa e no Médio Oriente, podendo ser uma excelente base para a promoção de um HUB em Lisboa.

Como os aeroportos são infraestruturas caras, necessitam de salvaguardar grandes áreas para futuras expansões e sujeitas a riscos elevados, o que significa haver absoluta necessidade de se planearem estrategicamente, a muito longo prazo e com o máximo de flexibilidade possível.

As maiores aeronaves a operar num aeroporto determinam o comprimento de pista necessário e a dimensão transversal do aeroporto até ao terminal de passageiros, em função das envergaduras e largura do trem das aeronaves e das margens de segurança e separação requeridas para circulação no solo. A restante dimensão transversal resulta do requerido para terminais de passageiros e parques de estacionamento de veículos. E, na envolvente da sua localização aparecem grandes zonas urbanas, dado o seu impacto económico, havendo necessidade de pré-avaliação de impactos ambientais, de uso de solos, de acessibilidades e de riscos. 

Os elevados custos da construção e da operação e manutenção dos aeroportos faz com que os existentes sejam esticados até ao limite e os novos aeroportos planeados para várias gerações, colocando-se a questão de se saber se se continua com o anterior (Portela +1) ou se se assume a passagem definitiva para um novo. O planeamento a longo prazo implica pensar na máxima flexibilidade possível e os faseamentos no tempo correspondentes a saltos de capacidade programados e só executados quando se prevê que o limite previsto em cada fase é atingido.

Há três critérios de capacidade com base na hora de ponta: o teórico, o mais elevado por olhar a procura contínua sem limites resultantes de considerações de qualidade de serviço e/ou segurança; o de projeto, que foca a qualidade de serviço; e o declarado, que pondera mais a segurança na gestão operacional em terra e no espaço aéreo.

Determinada a hora de ponta de projeto e a relação histórica com o total anual, é possível fazer a primeira avaliação/projeção das necessidades futuras em  infraestruturas aeroportuárias. E, face à dimensão do investimento no novo aeroporto, seria de bom senso calcular e tornar público o perfil do dia de projeto e o cálculo da hora de ponta de projeto, pelo menos segundo dois ou três critérios, nos últimos cinco anos, de que não constata disponibilização de dados para os calcular.

A capacidade a observar na perspetiva do sistema aeroportuário mostra a seguinte situação no Continente português: o aeroporto do Porto, de procura europeia, não tem problema de capacidade e tem infraestruturas habilitadas para longo curso; o aeroporto de Faro, de procura europeia iminentemente turística, terá a médio prazo problemas de capacidade, não havendo, no Algarve, opção fácil para novo aeroporto; e o aeroporto da Portela está no limite da sua capacidade. A alternativa definirá se se terá no país um aeroporto que garante competitividade em conexões intercontinentais relevantes ou se é assumido que o HUB Madrid será ponto de passagem para as conexões intercontinentais. Ao invés de tantas companhias para as quais Portugal é apenas ponto de origem ou de destino, a TAP implementa uma operação de HUB na Portela, pela qual ocupa as faixas horárias mais cobiçadas do aeroporto. Com a política de subsídio às low cost promovida pela ANA, a TAP sofreu forte impacto no médio curso, mas mantém a posição de principal companhia sediada na Portela e desenvolve, no longo curso, mais ligações aos EUA, prosseguindo a sua política de HUB para áreas de implantação de comunidades de expressão portuguesa.

Em termos gerais, o Aeroporto da Portela em 2019 processava 52% do tráfego aéreo nacional de passageiros com 31 milhões de passageiros por ano. Resta saber até que ponto o contrato com a ANA/Vinci (concessão até 2050) está a ser cumprido. Estava previsto que a empresa procederia à construção do NAL se três das seguintes condições se verificassem: total anual de passageiros superior a 22 milhões; total anual de movimentos acima dos 185 mil; total de passageiros no trigésimo dia de maior procura superior a 80 mil; e total de movimentos no trigésimo dia mais movimentado acima dos 580.

A proposta da ANA/VINCI para a solução Portela + Montijo, o fecho da pista 17-35, mitiga o constrangimento de posições de estacionamento, mas não resolve a limitação de capacidade da pista 03-21. Na configuração proposta, a 03-21 dificilmente chegará aos 44 movimentos por hora, carecendo, para alguns movimentos mais, de dois caminhos de circulação paralelos do lado da aerogare, o mais próximo da pista prolongado pelo menos até à soleira deslocada da Pista 21 e o mais próximo da aerogare até um pouco mais a Norte da intersecção com o Twy U5, além de saídas rápidas de pista sobretudo, para as aterragens na Pista 03. Porém, o fim da vida útil da Portela chegou e só se prorrogará se se lhe retirar tráfego.

Manda o bom senso que a localização de um aeroporto se não faça dentro de uma localidade urbana existente, por não estar preparada para tal impacto e por ficar, no futuro, com os problemas das comunidades que, ao longo do tempo, vão rodeando os aeroportos. E a ideia de um aeroporto a operar com duas infraestruturas separadas por alguns quilómetros é uma falácia, que não evita duplicação de custos nem conflitos de interesses entre companhias.

Essa alternativa pode ser temporária ou definitiva. Em qualquer opção, o sistema dual tem de ser mutuamente complementar, isto é, tem que tentar partições segundo procuras distintas e oferecer serviços distintos, com relevância para a localização do aeroporto.

No caso do aeroporto no CTA não há limitação do tipo de aeronaves, pois a pista tem 4000 metros, o que permite qualquer partição de tráfego com o Aeroporto da Portela, devendo a deslocalização de tráfego ser ajustada com a evolução da procura e objeto da coordenação com as companhias.

A partição considerada é a de que será a TAP a iniciar o processo de transição para o NAL/CTA. No restante tráfego verificar-se-á liberdade de opção entre os dois aeroportos, sendo que as taxas aeroportuárias do NAL deverão ser substancialmente mais baixas, dada a maior distância ao centro da cidade e a menor qualidade inicial dos serviços aeroportuários. O tempo de estudo e execução das alternativas é similar, sendo que a solução Montijo não resolve o problema de um novo aeroporto com capacidade de desenvolvimento futuro e mantém condicionado o potencial HUB da oferta aeroportuária em Lisboa. Na opção Portela + Montijo, passaria para a BA6 um número ainda indeterminado de operações low cost, pois só há uma pista que, apesar dos 390 metros de acréscimo, só permitiria aviões de médio curso.

É complicado abandonar um aeroporto, mesmo quando se constrói outro mais moderno e com vida útil a perder de vista, sendo, pois, aconselhável que se adote solução dual transitória. Assim, apesar de a solução NAL estar pensada para sucessivas expansões até um limite de 4 pistas e com possibilidade de ter instalações capazes de absorver de imediato todo o tráfego da Portela, prevê-se uma Fase “0” de transição, em que sairia da Portela o longo curso e grande parte do médio curso da TAP, mantendo-se na Portela pouco mais do que as ligações ponto a ponto à Europa. Esta fase, com vida útil dependente da transição do tráfego da Portela e da sua evolução, inclui uma pista (a primeira das quatro previstas na última fase), Terminal de Passageiros e de Carga provisórios, bem como a TWR (torre de controlo) e a Estação de Bombeiros definitivas, além das infraestruturas necessárias à sua operação. As ligações à cidade seriam inicialmente rodoviárias com acesso pelas pontes 25 de Abril (A13; A2) e Vasco da Gama (A13; IC3; A12) e A1 (A13; A10), devendo considerar-se uma ligação ferroviária e uma nova travessia sobre o Tejo.

A solução NAL/CTA, embora a mais cara e a precisar de desminagem, é a melhor do ponto de vista ambiental, tem menos impacto de ruído, reduz substancialmente os riscos de um acidente (tanto de possível colisão com aves, como na dimensão potencial do acidente), apresenta, por ser empreendimento de longo prazo, a possibilidade de um plano de uso de solos envolvente que considere as necessidades conexas com a aviação e resultantes da dinâmica económica induzida pelo aeroporto, bem como uma nova cidade aeroportuária, e tem a possibilidade abastecimento de combustível por pipeline, enquanto a BA6/Montijo teria de ser abastecido por autotanque.

O Aeroporto da Portela deve caminhar para o encerramento, podendo, neste percurso, servir um nicho de mercado disponível para pagar tarifas aeroportuárias mais elevadas.

É demasiado o horizonte de 53 anos e a quase vintena de localizações para decidir sobre um novo aeroporto, a menos que se queira cumprir o vaticínio de um ex-primeiro-ministro: “Enquanto houver uma criança sem assistência médica gratuita, não haverá novo aeroporto”. É obra! Ou será falta de vontade política e ter o país a andar para trás?

2022.07.13 – Louro de Carvalho 

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