terça-feira, 19 de julho de 2022

A Europa terá problemas sérios se a importação de gás russo acabar

Quando os países ditos do Ocidente, em que se incluem os da União Europeia (UE), decretaram sanções económicas à Rússia, mercê da sua despudorada invasão da Ucrânia, deixaram de fora o negócio do gás. Porém, esqueceram ou fizeram de conta que a Rússia também não olha a meios para conseguir os seus objetivos estratégicos e económicos.  

Agora os observadores – professores e consultores – anotam a perplexidade dos decisores políticos europeus com o encerramento até 21 de julho, para manutenção do Nord Stream, o principal gasoduto que faz a ligação da Rússia à Europa. E vaticinam que, se o gasoduto não reabrir, “a Europa poderá tremer de frio e a economia irá ressentir-se”, uma vez que as alternativas em curso não são suficientes para colmatar os efeitos.

O risco de não reabertura ou de mais um encerramento temporário do Nord Stream não é despiciendo, já que, desde o início da guerra na Ucrânia, a Gazprom tem reduzido o abastecimento de gás a Berlim, colocando em causa o abastecimento para o inverno e obrigando o bloco europeu a procurar alternativas. É este o alerta de Rui Baptista, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), para quem o fim da importação de gás proveniente da Rússia pode ter graves consequências, levando a maior economia europeia, a alemã, à recessão e com efeitos em toda a Europa. E, de acordo com o severo cenário desenhado pela Comissão Europeia, constante do plano de emergência para julho, “Poupar gás para um inverno seguro”, um corte definitivo roubaria 1,5% ao Produto Interno Bruto (PIB) europeu.

Por sua vez, Carlos Santos Silva, professor de ambiente e energia do departamento de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico (IST), considera que, “se for problema de manutenção, não há problema nenhum, o fluxo será reposto”, mas adverte que o Nord Stream é uma poderosa arma política da Rússia. E a não reabertura ou o encerramento da torneira de gás russo por muitos dias pode comprometer os abastecimentos para o inverno.

Simulações da Comissão Europeia e dos operadores do sistema de gás mostram que um corte nas importações russas, em julho, significaria que as reservas da UE ficariam preenchidas entre 65 a 71% no início de novembro, abaixo da meta de 80% necessária para o inverno, o que significa um lacuna de 30 mil milhões de metros cúbicos de gás (bcm, na sigla inglesa) num cenário de inverno com temperaturas dentro da média e um fornecimento de gás natural liquefeito alto, sugerindo um risco muito alto de stocks vazios em vários Estados-membros já em abril de 2023.

Por isso, os países europeus preparam medidas de minimização dos impactos. Entre elas, contam-se a reativação das centrais a carvão, o que representa um retrocesso na estratégia das ações contra as alterações climáticas, e o racionamento, a opção mais popular entre os Estados-membros. 

Na Alemanha, um terço do gás vai para a indústria, quase metade é para os residentes e uma parte significativa aplica-se na produção de eletricidade. Em termos de política energética, a prioridade é sempre as pessoas e, só depois, a indústria, o que, a verificar-se, depauperaria a economia alemã.

Assim, na Alemanha, se for decretada situação de emergência, o regulador da energia controlará a distribuição e, embora os serviços essenciais, como os hospitais, não sejam afetados, poderão os consumidores ver limitada a utilização dos aquecedores e dos esquentadores e poderá a indústria ver limitado o seu abastecimento de energia. Já há municípios alemães a racionar água quente, a diminuir a intensidade da iluminação pública e a encher as piscinas com água fria.

A crise energética emerge fortemente no conflito da Ucrânia. Na verdade, como refere Victor Moure, country manager Portugal da Schneider Electric, a UE consome aproximadamente de 260 bcm de gás, importando da Rússia cerca de 40%, ou seja, 155 bcm, pelo que é incerto que “a Europa seja capaz de garantir stock suficiente com a atual dependência do gás”, mesmo que as alternativas anunciadas, como o abastecimento da Noruega ou de Israel, sejam postas em curso. Com efeito, como diz Rui Baptista, o fornecimento de gás da Noruega via gasoduto aumentou mais de 8% só no primeiro semestre de 2022, mas, embora haja alguma flexibilidade técnica, “o aumento de produção e de escoamento não é um processo suficientemente elástico para aumentar de um dia para o outro a produção de volumes significativos de gás”, até porque a produção em Oslo “não é suficiente para colmatar a redução do abastecimento da Rússia”. 

O mesmo se diga do abastecimento de Israel, através do Egipto, que também “não será relevante”, dado que a produção de gás israelita provém essencialmente de dois campos offshore (Leviathan, com a produção de cerca de 12 bcm por ano, e Tamar, com menos de 10 bcm), estando em fase de arranque a produção num conjunto de pequenos campos (Karish, Karish North e Tanin).

E, ainda que se considere o aumento das importações de países como Argélia, Catar ou Nigéria, há limitações no transporte, na capacidade de o receber no porto e de o introduzir nos gasodutos.

Assim se percebe que a solução não consiste só em encontrar outras fontes de gás ou regiões, mas é preciso outro tipo de medidas. A isto, o primeiro-ministro de Portugal diz que está a ser montada, no Porto de Sines, uma operação de logística que aumenta a capacidade de transbordo (transshipment) para acelerar o fornecimento de gás natural aos países que dependem da Rússia, o que, para Carlos Santos Silva “pode ter um impacto direto”, pois, “ao aumentarmos a nossa capacidade, estamos a aumentar a capacidade da Europa de receber gás de outras fontes”. No entanto, a curto prazo, esta solução não será “compagináveis com às carências europeias”.

E o encerramento de gás russo abre portas para o reforço da aposta nas energias renováveis e em políticas de eficiência energética, visto que “estamos a viver um novo paradigma onde a procura já não é a rainha do jogo, mas sim a oferta”, diz Victor Moure, explanando: “O que temos a fazer é reconhecer com urgência a necessidade de investir na produção renovável local, tomar medidas para reduzir o consumo das indústrias e de edifícios terciários e residenciais, flexibilizar a rede para poder atuar sobre ela em tempo real e adaptar a oferta à procura com digitalização e eletrificação para reduzir as emissões de CO2”. E, neste campo, a sublinhar que há oportunidades em Portugal, graças aos recursos hídricos, solares, eólicos e outros, podendo o país desempenhar um papel fundamental devido à sua posição geográfica e estratégica. E o responsável da Schneider Electric avança que “o número de horas de sol de que usufruímos nos torna um aliado exportador de hidrogénio, uma vez que a infraestrutura de distribuição de gás já disponível pode ser utilizada para o transportar” – aposta de médio prazo em que “temos de começar a trabalhar agora, se quisermos cumprir os objetivos de 2050”.

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E, por se falar em fontes renováveis, é de registar que a Dourogás, ora envolvida em projetos de hidrogénio verde de 300 milhões de euros, diz ter cinco milhões para investir projetos de em biometano, que iniciou, no dia 19, o seu caminho na rede de gás.  

Trata-se de um gás produzido a partir de fonte renovável que pode substituir o gás natural e que é injetado na rede de gás portuguesa. Porém, apesar de este ser o protagonista do momento, a Dourogás tem outro gás renovável em carteira e, em conjunto com a Lightsource bp, tem projetos de 300 milhões na área do hidrogénio verde.

Para já, no aterro sanitário de Urjais, no concelho de Mirandela e distrito de Bragança, está instalado um sistema de purificação de biogás para biometano, que até agora foi usado, sobretudo para mobilidade, pelos 40 camiões da Resíduos do Nordeste, que recolhem o lixo e usam o gás produzido a partir dos resíduos para se moverem. Ora, como ainda sobra, será, doravante, injetado na rede de gás. Para tanto, a empresa montou um equipamento que permite a injeção e faz o controlo da qualidade e do poder calorífico do biometano, a fim de garantir a sua adequação aos consumidores. É um tubo que leva o gás do aterro sanitário ao complexo agroindustrial do Cachão, em Urjais, donde abastecerá 10 clientes industriais e 80 clientes domésticos, cujo equipamento está preparado para receber biometano, pois este não exige adaptações face ao gás natural. Mas, como é a primeira injeção, a Dourogás julga prudente ir injetando uma percentagem crescente, esperando estar, no fim do ano, a abastecer estes clientes com 100% de biometano.

E a empresa promete prosseguir com a produção em escala. Já tem um plano para a ETAR (estação de tratamento de águas residuais) de Bragança, com o projeto recentemente aprovado. Na ETAR de Loures e Frielas, possui um sistema entre quatro a cinco vezes maior do que o de Urjais, capaz de abastecer até 40% do consumo de gás da Carris.

Como foi apontado, também o hidrogénio verde está na agenda da Dourogás e da Lightsource bp. Estão em carteira oito projetos de hidrogénio, num conjunto de 200 megawatts (MW) de potência instalada de eletrolisadores (podendo chegar aos 400 megawatts), que estarão espalhados por todo o país, em localidades próximas das válvulas da rede de gás.

O primeiro projeto e o mais avançado, neste momento, está ancorado em Monforte. Tem 5 MW de potência instalada e está em fase de adjudicação. Os restantes possuem as autorizações necessárias – ambientais e camarárias – sendo o momento para avançar “uma questão de decisão de investimento”.

Crê Nuno Moreira, presidente da Dourogás, que estamos no caminho de Portugal deixar de ser “importador de gás natural” e passar a “ser produtor, e até exportador, de gases renováveis”.

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Também é notícia que a Iberdrola inaugurou, no dia 18, o complexo hidroelétrico do Tâmega, um projeto de 1500 milhões de euros, composto por três centrais, somando uma potência de 1158 megawatts (MW), distribuídos pelos 880 MW de Gouvães (no rio Torno), e, a uma cota mais baixa, pelos 160 MW do Alto Tâmega e 118 MW de Daivões.

O coração do complexo é Gouvães, com sistema de bombagem ligado a Daivões (340 hectares), que permite recuperar água deste reservatório a jusante para o reservatório a montante (Gouvães), com mais de 170 hectares (ha). A central do Alto Tâmega, a otimizar a gestão da água é a barragem mais alta (106 metros) e a que terá a maior albufeira (mais de 460 ha). Assim, a empresa conseguirá gerir a água armazenada nas três albufeiras e reutilizá-la em sucessivos ciclos, mercê do sistema de bombagem da central mais potente, a de Gouvães, processo que tem um consumo intensivo de eletricidade, mas permite aproveitar períodos de abundante energia renovável (eólica ou solar), com preços mais baixos, para turbinar a preços mais altos. No entanto, embora seja um dos maiores investimentos de sempre na energia em Portugal, a capacidade de armazenagem do Tâmega (cerca de 200 milhões de m3) está longe dos volumes de outras albufeiras, como Alqueva (4 mil milhões de m3), Baixo Sabor (mil milhões de m3) ou Castelo de Bode (900 milhões de m3), mas a capacidade de bombagem desses empreendimentos são menores.  

Além disso, a empresa anunciou no mesmo dia, em Ribeira de Pena, mais 1.500 milhões de euros de investimento em Portugal em parques eólicos, centrais fotovoltaicas e hidrogénio verde, este último classificado da “maior importância” pelo primeiro-ministro.

Assim, diversifica as fontes de energia, evitando a importação de mais de 160 mil toneladas de petróleo por ano, e combate às alterações climáticas, evitando a emissão de 1,2 milhões de toneladas de COpor ano.

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Enfim, a diversificação de recursos e de fontes de produção e de abastecimento é sempre uma boa opção, não deixando as comunidades dependentes de uma só fonte ou recurso, o que pode, em tempo de crise, ser dramático. Assim, com a atenção posta no petróleo como o grande recurso angolano, com a crise petrolífera, a economia angolana capitulou. Em Portugal, com a quase monocultura massiva do pinho e eucalipto, temos uma floresta que nada mais faz que arder. E, com a dependência do gás russo, a Europa está com as palhas à cinta. Diversificar é urgente!

2022.07.19– Louro de Carvalho 

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