A queda da Bastilha, a 14 de julho de 1789, é comemorada como o
principal feriado de França.
No reinado
de Luís XVI, a França passava pela grande crise financeira desencadeada
pelo custo da intervenção do país na Guerra Revolucionária Americana (1776)
e exacerbada pelo desigual sistema de taxação, bem como pela grave crise
agrícola.
Já
a 7 de junho de 1788, eclodiu,
em Grenoble, a “Jornada das Telhas” (Journée des Tuiles), em que os
rebeldes dos quadros da fronda parlamentar subsequente à tentativa de reforma
de Lamoignon (Chrétien-Fançois II de Lamoignon), afrontaram as tropas reais com
golpes de telha, marcando a fase inicial da Revolução Francesa.
A 8 de maio
desse ano, um “Lit de justice” (sessão das Cortes) regista um édito sobre
a reforma judiciária do guarda dos selos Lamoignon, que suprime o direito dos
parlamentos de reprovação junto às cortes soberanas (Parlamento de Paris e
Parlamentos Provinciais, Cortes de Deliberação, Corte das Contas) e cria uma
Corte plenária encarregada do registo e da conservação dos atos reais, éditos e
ordens. Os membros desta Corte seriam nomeados pelo rei e os conselheiros
parlamentares veem-se a confinados à função de juízes judiciais, só tomando
conhecimento de casos criminais contra os nobres e casos civis que impliquem
litígio superior à 20 000 libras.
Os
Parlamentos – bastiões avançados da sociedade das ordens, privilégios e
isenções fiscais – perdiam o controlo sobre as leis do reino. O Parlamento de
Paris, liderado pelos conselheiros Duval d’Epremesnil e Goislard de Montsabert,
em rebelião, proclama não tolerar qualquer inovação à Constituição e inscrever
em mármore as leis fundamentais do reino, incluindo a imutabilidade da
magistratura. E a oposição ganha todo o país, vinculando-se cada Parlamento às
suas imunidades regionais e defendendo a legitimidade das justiças feudais e
senhoriais. Isso acontece também em Grenoble, no Dauphiné, onde grande
parte da cidade (advogados, procuradores, hussardos, escrivães...) vive da
presença e da força do seu Parlamento.
A 7 de junho,
ao soar o toque de sinos, o povo associa-se aos magistrados que haviam recebido
a ordem do Duque de Clermont-Tonnerre, governador-geral do Dauphiné, de voluntariamente
se exilarem fora da cidade. Os parlamentares permaneciam em sessão desde 20 de
maio, apesar de terem sido dispensados, contestando a reforma que desmembrava a
amplitude do seu Parlamento e afetava uma grande parte das suas competências.
Uma parte dos
manifestantes sobe aos telhados e uma chuva de telhas abate-se sobre os
soldados do regimento Royal-Marine nas cercanias do colégio dos jesuítas
(agora, Liceu Stendhal, na atual Rua Raoul Blanchard). Os soldados de Luís
XVI retiram-se, o palácio do governador é pilhado e o Duque de
Clermont-Tonnerre escapa, por pouco, do linchamento. No fim da tarde, os
rebeldes tomam conta da cidade, enquanto o duque, inseguro quanto ao regimento
Royal-Tonnerre, que dá sinal de indecisão, capitula e reinstala os
parlamentares no Palácio de Justiça. A ordem só é restabelecida, a 14 de julho,
pelos dragões do Marechal de Vaux, que substitui o duque.
Segue-se à “Jornada
das Telhas”, a 21 de julho, a Assembleia de Vizille, perto de Grenoble,
que pedirá, por iniciativa dos advogados Antoine Barnave e Mounier,
no que são pioneiros, o voto por cabeça (ou seja, por deputado) nos Estados
Gerais, em lugar do voto por ordem (em que o clero e a nobreza têm
a maioria), dando preponderância ao Terceiro Estado (o povo).
***
A 5 de maio
de 1789, os Estados Gerais (Cortes) reúnem para lidar com a crise suso
especificada, porém foram impedidos de agir por protocolos arcaicos e pelo
conservadorismo do Segundo Estado (nobreza, que significava apenas 1,5% da
população do reino). A 17 de junho, o Terceiro Estado, cujos
representantes vinham da classe média (burguesia), organizou-se em
Assembleia Nacional para criar a Constituição. O rei, a princípio, opôs-se,
mas acabou por ser obrigado a reconhecer a autoridade da Assembleia, que passou
a ser Assembleia Nacional Constituinte.
Concomitantemente
à formação da Assembleia, ocorreu, a 20 de junho, o Juramento da Sala do Jogo da
Pela. A Corte não permitiu a reunião do Terceiro Estado na sala habitual e os deputados
reuniram na Sala do Jogo da Pela, onde juraram
jamais separar-se e reunir, quaisquer que fossem as circunstâncias, até que a Constituição estivesse firme nos seus fundamentos, afirmando também a ideia de manutenção da ordem pública e dos princípios da Monarquia.
A 14 de julho, deu-se a invasão da Bastilha, que juntamente com a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, constitui o terceiro evento desta fase inicial da
revolução, dando-lhe o cariz popular. O primeiro fora a revolta da nobreza, ao
recusar a ajuda ao rei com o pagamento de impostos. O segundo foi a
formação da Assembleia e o Juramento da Sala do Jogo da Pela.
A classe
média formara a Guarda Nacional, ostentado rosetas tricolores,
em azul, branco e vermelho, que logo se tornaram o símbolo da revolução.
Paris estava
ávida de insurreição e, no dizer de François Mignet, “intoxicada com
liberdade e entusiasmo”, mostrando apoio à Assembleia. A imprensa
publicava os debates da Assembleia, e o debate político contagiou as praças
públicas e os salões da capital. O Palais-Royal e os seus jardins
tornaram-se palco de uma reunião interminável. A multidão ali reunida,
enfurecida, decidiu arrombar as prisões da Abbaye para soltar os granadeiros
presos por se negarem a disparar contra o povo. A Assembleia encaminhou os
guardas presos à clemência do rei e, após retornarem à prisão, acabaram por
receber o perdão. As tropas, até então consideradas confiáveis pelo rei, passaram
a tender pela causa popular.
A prisão foi
invadida, porque o jornalista Camille Desmoulins, até então desconhecido,
discursou em frente ao Palácio Real e pelas ruas, dizendo que as tropas reais
estavam prestes a desencadear sangrenta repressão sobre o povo de Paris. Todos
deviam socorrer-se de armas para se defenderem A multidão, primeiro, dirigiu-se
aos “Inválidos”, o antigo hospital onde se concentrava razoável arsenal. Ali,
apropriou-se de vinte e oito mil mosquetes e de alguns canhões. Correu o boato
de que a pólvora se encontrava estocada num outro lugar, a fortaleza da
Bastilha. Marcharam então para lá. A mole revoltosa era composta de soldados
desmobilizados, guardas, marceneiros, sapateiros, diaristas, escultores,
operários, negociantes de vinhos, chapeleiros, alfaiates e outros artesãos, enfim,
o povo de Paris. E a fortaleza defendia-se com 32 guardas suíços e 82
“inválidos” de guerra, possuindo 15 canhões, dos quais apenas três em
funcionamento.
Durante o
assédio, o marquês de Launay, governador da Bastilha, tentou negociar. Os
guardas, porém, descontrolaram-se, disparando sobre a multidão. Indignado, o
povo reunido na praça em frente partiu para o assalto e dali para o massacre. O
tiroteio durou cerca de quatro horas. Sendo incerto o número de mortos,
calcula-se que morreram 98 populares e apenas um defensor da Bastilha. Já Launay
foi decapitado e a sua cabeça espetada na ponta de uma lança desfilou pelas
ruas em macabra celebração. Os presos, soltos, arrastaram-se para fora sob o
aplauso da multidão postada nos arredores da fortaleza devassada.
Posteriormente, a multidão incendiou e destruiu a Bastilha, localizada no
bairro Santo António, um dos mais populares de Paris. O espetacular episódio teve
efeito eletrizante, não só na França, mas também onde a notícia chegou,
provocando efeito imediato. Todos perceberam que ocorrera alguma coisa
sensacional. Mesmo na longínqua Königsberg (hoje Kaliningrado, na Prússia
Oriental), atingida pelo eco de que o povo de Paris assaltara um dos símbolos
do rei, fez com que Immanuel Kant, exultante com o evento, pela primeira vez na
vida, se atrasasse no seu passeio diário das 18 horas.
***
A “Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão”, um documento culminante do Iluminismo,
que define os direitos individuais e coletivos dos homens (tomada a palavra “homem”
na aceção de “ser humano”) como universais, influenciado pela doutrina dos
direitos naturais, válidos e exigíveis em todo o tempo e em todo o lugar. Na
imagem da Declaração, o “Olho da Providência” a brilhar no topo representa a
homologação divina das normas ali contidas e alimenta teorias da conspiração no
sentido de que a Revolução Francesa foi motivada por grupos ocultos.
Inspirada nos pensamentos dos iluministas e na Revolução
Americana, a Assembleia
Nacional Constituinte aprovou, a 26 de
agosto, e votou definitivamente, a 2 de outubro, a “Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão”, sintetizada em dezassete artigos e um
preâmbulo dos ideais libertários e liberais da primeira fase da
Revolução Francesa (1789-1799). Pela primeira vez, são proclamadas as
liberdades e os direitos fundamentais do homem de forma económica, visando toda
a humanidade. Reformulada no contexto do processo revolucionário, em 1793,
serviu de inspiração às constituições francesas de 1848 (Segunda República),
bem como à atual, e foi a base da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, assumida pelas Nações Unidas.
Segundo o documento,
“os homens nascem e são livres e iguais em direitos”, de modo que “a finalidade
de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem”, residindo na nação “o princípio de toda a soberania”.
Por outro
lado, “a liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”,
pelo que “o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites
senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos
direitos”, proibindo a lei, que “é a expressão da vontade geral”, apenas “as
ações nocivas à sociedade”.
Nos termos
da Declaração, “ninguém pode ser acusado, preso ou detido, senão nos casos
determinados pela lei e de acordo com as formas prescritas por esta”, a qual “apenas
deve estabelecer as penas estrita e evidentemente necessárias”, não podendo
ninguém “ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do
delito e legalmente aplicada” e não havendo delito de opinião e de expressão.
***
Em suma, o
14 de julho, Dia Nacional de França, constitui, com todos os eventos a ele associados,
uma notável e irreversível viragem histórica, a inauguração de uma nova era.
2022.07.14 – Louro de Carvalho
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