Iniciou-se,
a 1 de julho, a presidência espanhola do Conselho da União Europeia (UE), para
o segundo semestre do corrente ano, no âmbito da presidência rotativa (a nona a integrar as novas prioridades da Agenda
Estratégica 2019-2024 ),
sucedendo à Suécia e antecedendo a Bélgica.
Porém, como prelúdio, a cidade de Leão acolheu, a 30 de junho,
representantes de parlamentos de mais de 50 países do Mundo, que reivindicaram
o papel fundamental do parlamentarismo na consolidação da democracia. A
cerimónia, presidida pelo rei Filipe VI, deu-se na basílica românica de São
Isidoro, cenário que acolheu, em 1188, sob o reinado de Afonso IX, de Leão e da
Galiza, o primeiro encontro documentado de um parlamento: as Cortes de Leão.
Já a 2 de julho, iniciaram-se os atos protocolares com a visita a
Espanha do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, com viagem
institucional da presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, e do colégio de
comissários e com iniciativas em muitas e importantes cidades espanholas. Já o
encontro mais emblemático está previsto para meados de outubro, na Alhambra de
Granada.
***
O
governo de Pedro Sánchez definiu, para este horizonte temporal, quatro áreas prioritárias:
1. Reindustrializar a UE e
assegurar a sua autonomia estratégica aberta. Na verdade, abertura internacional das últimas sete décadas tem
sido benéfica para a UE, mas facilitou processos de deslocalização que
ocasionaram a perda de indústrias em setores estratégicos e a confiança
excessiva em países terceiros, sobretudo nas áreas da energia, da saúde, das
tecnologias digitais e da alimentação. Agora, as mudanças geopolíticas,
tecnológicas e ambientais possibilitam a inversão da tendência e a atração de
novas empresas e de mais empregos para a Europa, criando riqueza e reduzindo
dependências excessivas e vulnerabilidades externas. Assim, a Presidência
trabalhará na promoção dos dossiês que incentivarão o desenvolvimento de
indústrias e de tecnologias estratégicas na Europa, a expansão e a diversificação
das relações comerciais da UE e o reforço das cadeias europeias de
abastecimento, bem como na proposta da estratégia comum para garantir a
segurança económica e a liderança mundial da UE até 2030, na sequência do
trabalho das instituições e do roteiro acordado pelos 27 Estados-membros na
reunião informal dos chefes de Estado e de Governo em Versalhes, em março de
2022.
2. Avançar na transição ecológica
e na adaptação ambiental. Efetivamente, o combate às alterações climáticas e à degradação ambiental, além de
obrigação jurídica e moral, é uma oportunidade, pois a transição ecológica
permitirá reduzir, drasticamente, a dependência europeia da energia e das
matérias-primas, baixar a fatura de eletricidade, tornar as empresas mais
competitivas e criar quase um milhão de postos de trabalho, já nesta
década. Nestes termos, a Presidência facilitará esta transição, promovendo
a reforma do mercado elétrico europeu, com a aceleração da produção de energia,
a partir de fontes renováveis, com a redução dos preços da eletricidade e com
a melhoria da estabilidade do sistema – para a UE liderar a luta mundial contra
as alterações climáticas, criando riqueza e novas oportunidades em todo o território.
3. Promover uma maior justiça
social e económica. Com efeito, no futuro,
não será suficiente que o produto interno bruto (PIB) europeu cresça, mas será
necessário assegurar que a riqueza gerada chegue a todos os cidadãos e sirva
para melhorar as suas oportunidades e condições de vida. Por conseguinte, a
Presidência defenderá o estabelecimento de normas mínimas comuns na tributação
das sociedades em todos os Estados-membros, combaterá a evasão fiscal da parte
das grandes multinacionais, com vista a uma maior equidade fiscal, e trabalhará
na revisão adequada do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e na reforma das
regras orçamentais da UE. A par disso, promoverá a expansão dos direitos dos
trabalhadores em várias áreas e grupos vulneráveis, como as crianças, as
mulheres vítimas de violência, baseada no género, e as pessoas com deficiência.
4. Reforçar a unidade europeia. Na verdade, a UE deve permanecer unida, num Mundo de
incerteza e de crescentes tensões geopolíticas. Por isso, os Estados-membros
devem continuar a fazer progressos, em termos de integração, e a desenvolver
instrumentos que permitam enfrentar, em conjunto, os grandes desafios da
atualidade. Para tanto, a Presidência defenderá um maior aprofundamento do
mercado interno, a conclusão da união bancária e da união dos mercados de
capitais, a consolidação e a melhoria de instrumentos comuns, a gestão mais
eficaz dos processos de migração e de asilo, a continuidade de um apoio
coordenado à Ucrânia e a eventual resposta a pedidos de adesão à UE. E trabalhará
para o desenvolvimento da identidade europeia e de valores comuns e para uma
nova fase de desenvolvimento do projeto europeu.
Estas prioridades
integram-se no âmbito do Programa conjunto do Trio de Presidências (Espanha, Bélgica e
Hungria) – “Fazer avançar a Agenda Estratégica” (1 de julho de 2023 a 31 de
dezembro de 2024), sendo
que a guerra da Rússia contra a Ucrânia, conjugada com a crescente incerteza à
escala mundial, exige que a UE aumente a sua resiliência e autonomia
estratégica.
E
esta grave circunstância implica o aumento a competitividade global da UE,
reforçando a sua base industrial, em consonância com a dupla transição
ecológica e digital acelerada, e recorrendo à inovação; a garantia de que a
dupla transição é justa, equitativa e inclusiva, reforçando a dimensão social
da Europa, nomeadamente em resposta ao desafio demográfico que a UE enfrenta; e
o reforço das parcerias internacionais, da cooperação multilateral e da
segurança em todas as dimensões, bem como o desenvolvimento de uma política
comercial ambiciosa e equilibrada, defendendo os interesses da UE, de forma mais
assertiva, com base nos seus valores, e reforçando a capacidade da UE para agir
no domínio da segurança e da defesa.
***
Não
é por acaso que o primeiro
ato da presidência espanhola da UE foi a visita a Kiev de Pedro Sánchez, a 1 de
julho, para se avistar com o Presidente Volodymyr Zelensky e para transmitir à
Ucrânia o pleno apoio dos 27 na luta contra a invasão russa. E a Espanha, que
preparou um ambicioso programa de encontros para este semestre, quer levar
avante projetos importantes já em marcha na agenda comunitária antes das
eleições para o Parlamento Europeu (PE), em 2024. Porém, o protagonista da
presidência espanhola da UE pode mudar a meio do trajeto semestral, visto que haverá eleições legislativas antecipadas a 23 de julho, por decisão
do primeiro-ministro (PM) espanhol, após os maus resultados do seu Partido
Socialista Operário Espanhol (PSOE) nas eleições municipais e regionais de 28
de maio.
Entretanto,
o PM planeara os seis meses ao leme da UE (a
última vez que Espanha exerceu a presidência rotativa foi em 2010) como grande
montra do país e como ocasião propícia para explorar o seu papel como líder
internacional. A aceleração do ciclo político esfumou tal perspetiva, pelo que
Sánchez terá de repartir a sua atenção pelas questões da UE e pela campanha
eleitoral, que se prevê renhida dura e que começa oficialmente no dia 7.
A vitória, no dia 23, poderá caber ao Partido Popular
(PP), que precisará do partido de extrema-direita Vox para formar governo –
coligação indesejável para o europeísmo.
Não obstante, o Governo minimiza a simultaneidade de
acontecimentos e recorda que não é a primeira vez na história da UE em que a ida
às urnas coincide com a presidência rotativa. Em 2022, a França foi a eleições
legislativas enquanto presidia à UE, o que sucedera antes, na Suécia, que
entrega, agora, o testemunho à Espanha, e na Itália, no final dos anos 90. Por
isso, o chefe do executivo, vincando que “a presidência da UE recai no país e
não no Governo”, assegurou que está tudo preparado, para que não haja
sobressaltos.
Todavia, como observa o diário conservador ABC, a oposição de direita avisa que a
decisão de convocar eleições “hipoteca os objetivos da presidência espanhola e
prejudica as potencialidades do nosso país, numa ocasião única que não se
repetirá até 2037”. Já comentadores, como o escritor Javier Cercas, salientam
que a presidência espanhola chega em momento propício, marcado por três grandes
catástrofes, que “implicaram, para a UE, três bênçãos: o ‘Brexit’, o pior erro
cometido pelos britânicos em séculos, foi uma vacina tão eficaz contra as
pulsões separatistas que até Le Pen arrumou o delírio do ‘Frexit’; a covid-19
provocou o maior salto federal da história da Europa; e a guerra da Ucrânia,
com que Putin pensou dividir a Europa, uniu-a mais do que nunca”.
No entanto, alguns comentadores estão de acordo com Pedro
Sánchez, que em Bruxelas, no último plenário do Conselho Europeu, alertou que
os resultados de maio em Espanha e os posteriores pactos entre o PP e Vox em
autonomias e em municípios fazem temer que “forças antieuropeístas ganhem
presença na UE”.
As circunstâncias em que se inaugura o semestre
espanhol servem ao PP e ao seu líder para mostrar força. Alberto Núñez Feijóo,
que os estudos de opinião apontam como futuro PM, queixa-se de que o executivo
o mantém à margem dos preparativos da presidência. Na sua opinião, é uma
“atitude injustificável”. E o secretário de relações institucionais do PP,
Esteban González Pons, eurodeputado, pede que os atos principais se realizem em
Bruxelas “para evitar que se convertam em objetos da campanha eleitoral”. Já antes, a pedido do presidente do PP
europeu, Manfred Werner, a presidente do PE, Roberta Metsola, adiara, para
setembro, a apresentação formal do programa da presidência espanhola, que
prevista para 15 de julho. E não se sabe quem fará essa apresentação. Indevida cedência!
O Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol
explica que a maquinaria administrativa está oleada para não se deixar
influenciar pela convocatória eleitoral. O nível de conhecimento e de formação
dos funcionários, em Madrid e em Bruxelas, é suficientemente alto para
assegurar o pleno desenvolvimento do programa. Não obstante, o líder da oposição anunciou a formação de uma
equipa de personalidades do PP, entre os quais três ex-ministros dos Negócios
Estrangeiros, um antigo comissário europeu e um plantel de embaixadores e
técnicos capazes de assumir a agenda comunitária. Com efeito, prevê-se que, após
as eleições, a constituição do Parlamento espanhol ocorra a 17 de agosto, pelo
que pode haver governo nos primeiros dias de setembro.
***
Para lá dos temas programáticos acima enunciados, os assuntos preponderantes, no imediato, do
semestre, da perspetiva da UE, incluem a preparação do próximo orçamento, que
incluirá a verba especial de 50 mil milhões de euros para ajuda à Ucrânia, e a
preparação da conferência de paz sobre o conflito provocado por Vladimir Putin,
bem como a discussão, nestes meses, sobre a decisão, a tomar em outubro, de
iniciar ou não conversações formais para a adesão da Ucrânia à UE. E não menos
importantes serão conversações sobre política comum de
segurança e defesa, cujos perfis se definirão na reunião da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (NATO), em Vílnius, na Lituânia, a 11 e 12 de julho.
Antevê-se complicada a formulação do pacto sobre
migrações, dada a resistência de países como a Itália e a Grécia, pois não tem
tido boa receção a proposta da Comissão Europeia de que os Estados-membros que
são fronteira externa da UE retenham os migrantes por 12 semanas, à espera da
decisão de deportação ou de asilo. O mesmo sucede com os programas da harmonização fiscal e do
estabelecimento de taxa mínima comum para as grandes multinacionais em toda a UE.
Mais avançado parece o plano para redefinir o pacto de estabilidade e os
possíveis acordos para prolongar, para lá de 2026, os prazos para executar os
fundos europeus Next Generation.
Quanto à América Latina, Espanha pretende ter papel
relevante, dados os vínculos históricos e culturais que a unem ao
subcontinente, querendo rever e reforçar o sistema de relações entre a UE e os
países iberoamericanos, deteriorado nos últimos anos, face ao avanço da China e
dos Estados Unidos da América (EUA) na zona. E a cimeira entre a UE e a CELAC
(Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos) promete ser decisiva e
propiciar solução aceitável para o bloqueio do acordo UE-Mercosul.
***
Uma girândola de desafios em tempestade eleitoral, à nossa
moda!
2023.07.01 – Louro de Carvalho
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