A edição online da Notícias Magazine publicou, a 22 de
julho, um artigo de Sara Dias Oliveira, sob o título “Mosquitos com dengue e zika
já andam pela Europa”, a explicar as razões do risco de surtos de dengue e de
zika no velho continente, as diversas circunstâncias e os efeitos da transmissão
desta espécie invasora, que está em Penafiel, em Mértola e no Algarve. Não
obstante, Portugal está atento e preparado. Para já, não há registo de contaminação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) pede atenção, o Centro Europeu para a
Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) sugere cuidados, face à expansão do
mosquito vetor que transmite o agente infecioso desses vírus (do género flavivirus), pois o Mundo está em constante mudança, emergindo novas circunstâncias,
que preocupam quem viaja e quem permanece na sua zona de conforto (por
contactar o viajante). O calor excecional e duradouro, as viagens por toda a
parte, os destinos tropicais, o aumento da população mundial e a criação de
melhores condições para a instalação do agente infecioso aumentam o risco. Embora só as fêmeas façam
refeições de sangue humano, o potencial infetado não as alcança a olho nu.
A pandemia de
covid-19 tornou o cidadão, sobretudo o que viaja, cônscio da importância das doenças
infetocontagiosas e do modo como se
propagam. Por isso, toma nota dos alertas e prepara-se antes de partir,
nomeadamente informando-se sobre a realidade de cada país, com particular
atenção às questões sanitárias e cuidados hospitalares nos destinos, bem como
fazendo a consulta de viajante, tomando as vacinas, se for o caso, e a medicação
profilática. Não se pode viver com medo, nem deixar de viajar para países
endémicos destas doenças, exceto em casos excecionais. Porém, deve ter-se em
conta o que dizem as autoridades de saúde.
Maria João Alves, coordenadora da Rede Nacional de Vigilância de Vetores
(REVIVE), licenciada e doutorada em Microbiologia, investigadora no Centro de
Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas do Instituto Nacional de Saúde Doutor
Ricardo Jorge (INSA), conhece as duas espécies de mosquitos associados à
transmissão do vírus da dengue e do zika. E refere que estão em Portugal, mas
sem qualquer mosquito dado como infetado, à exceção do que sucedeu na Madeira,
em 2004, com a entrada do vetor primário, o mosquito “aedes aegypti”, provavelmente
a partir de um país das Caraíbas. Oito anos depois, houve um surto de dengue
na ilha (2164 casos em três meses), mas não houve mortes, nem formas severas de
infeção. O mosquito continua lá em constante monitorização. E, este ano, foi detetado
em Chipre.
A outra espécie, “aedes albopictus”, mosquito-tigre-asiático, vetor
secundário, branco e preto, com origem em florestas tropicais do sudeste
asiático, está em várias partes da Europa. Em Portugal, foi detetado, pela
primeira vez, em 2017, em Penafiel, num complexo industrial de transformação de
pneus. No ano seguinte, já estava fora dos muros da fábrica, num perímetro de
menos de um quilómetro, onde se tem mantido. Em 1979, foi encontrado na
Albânia; em 1990, em Itália; em 1999, em França; e, em 2004, em Espanha. Em
2018, estava num complexo turístico do Algarve; e, no ano seguinte, em várias
zonas do sul do país, em Faro (no porto e no aeroporto), em Loulé, em Tavira, em
Olhão e em Albufeira.
São mosquitos vorazes e com estratégias de sucesso; estão ativos entre maio
e em outubro; e as fêmeas podem colocar 100 ovos de uma vez e espalham-nos por
vários locais, podendo durar um ou dois meses. Como invasores substituem outras
espécies, distribuem-se geograficamente, tornam-se mais abundantes.
Esta espécie tem as suas especificidades. “Prefere zonas temperadas e os
ovos sobrevivem a temperaturas mais baixas, até 10 graus negativos”, revela
Maria João Alves. Em outubro do ano passado, o “aedes albopictus” foi
encontrado em Mértola, melhor, os seus ovos foram encontrados numa armadilha
montada há algum tempo. E as autoridades de saúde criaram um grupo de trabalho
para avaliar esta presença no Baixo Alentejo.
Para a transmissão de dengue ou de zika, coocorrem várias condições:
abundância de mosquitos, pessoa infetada em zona endémica e picada de mosquito
fêmea em alguém com o vírus numa refeição de sangue. Cinco dias depois da
digestão, o mosquito tem o vírus nas glândulas salivares, faz nova picada nas veias
de um humano e pode haver transmissão do agente infecioso.
A dengue, doença tropical infeciosa causada por um vírus do tipo arbovírus
do género flavivirus, manifesta-se geralmente por febre, dores de cabeça,
dores musculares, vómitos. Já o zika tem sintomas menos graves. A gravidade da
doença é normalmente ligeira, não exigindo tratamento específico. Contudo, as
instituições internacionais recomendam às grávidas que adiem viagens não
essenciais a destinos de países afetados com surtos de zika. Na memória, estão
casos de malformações congénitas associadas à infeção pelo vírus, no Brasil.
Sandra Xará, médica especialista em Infeciologia, coordenadora do Centro de
Vacinação Internacional do Centro Hospitalar Universitário do Hospital de Santo
António, no Porto, responsável pela consulta do viajante dessa unidade
hospitalar, fala num “viés, a nível geográfico”, que não permite ter a noção se
há maior apreensão com estas patologias na Europa. O que se nota é uma maior
preocupação com as doenças tropicais em geral, preocupação que se prende,
sobretudo, “com um maior esclarecimento por parte da comunidade, em relação a
este tipo de riscos, fruto da globalização e de maior acessibilidade a
informação relacionada com esta temática”.
Nas consultas, fazem-se todas as perguntas e dão-se todas as explicações.
“São habitualmente doenças de evolução benigna e autolimitadas, cuja gestão, na
maioria dos casos, se limita ao controlo dos sintomas. Não obstante, a dengue
apresenta um espectro que abrange desde formas assintomáticas a formas
hemorrágicas graves, sendo estas raras. A infeção por vírus zika é mais
frequentemente assintomática, embora o doente, em situações raras, desenvolva
complicações neurológicas, associadas a quadros de microcefalia congénita em
bebés de mães infetadas pelo vírus. “Mais do que falar em países endémicos,
devemos falar em regiões endémicas. Qualquer região entre o trópico de Câncer e
o de Capricórnio é considerada região endémica de dengue e de zika. São áreas
do globo caracteristicamente com clima tropical e subtropical, ambientes ideais
para a perpetuação do vetor”, frisa a médica infeciologista.
Joana Tavares, investigadora do i3S – Instituto de Investigação e Inovação
em Saúde, da Universidade do Porto, licenciada em Ciências Farmacêuticas e
doutorada em Bioquímica, debruça-se sobre os mecanismos usados pelo parasita da
malária, para derrubar as barreiras do hospedeiro humano e se instalar no
fígado. A descoberta da segunda espécie da família do mosquito que transmite o
agente infecioso do vírus da dengue e do zika, previsivelmente mais capaz, fez
soar as campainhas da OMS e do ECDC. “É um vetor mais competente e que existe
na bacia do Mediterrâneo”, refere, esclarecendo que os mosquitos não transmitem
doenças, mas o agente infecioso: vírus, parasita e bactéria.
“Só as fêmeas se alimentam de sangue para libertarem os ovos”, sustenta
Joana Tavares. Picada de mosquito fêmea com o agente infecioso, o organismo
humano reage, podendo ou não desenvolver a doença. Para haver infeção, além de
haver mosquito, é necessária uma conjugação de condições e circunstâncias nos
insetos e no corpo humano. A infeção de mosquito pelos vírus da dengue e do
zika depende de várias condições: a sua genética, o seu microbioma, o seu
estilo de alimentação e a própria densidade desses insetos por pessoa.
No Algarve, há um projeto para controlar a população destes mosquitos. Os
machos são enviados para Itália e Espanha, esterilizados através de radiação,
regressam a Portugal e são libertados. É um estudo piloto do INSA, no âmbito do
REVIVE, em colaboração com a Administração Regional de Saúde do Algarve. O
objetivo é inviabilizar novas gerações, controlar e suprimir a população
natural do “aedes albopictus”.
Maria João Alves prevê que venhamos a ter casos de dengue e de zika em
Portugal, mas não para já. “É muito cedo”, sublinha. A Europa é um terreno
fértil, reúne as condições ideais para o mosquito eclodir, mas Portugal está em
fase inicial da ocupação. A microbióloga recorda o que sucedeu em França:
mosquito detetado, em 1999, pela primeira vez, e primeiros casos de dengue, em
2010. Na Europa, foram detetados 144 casos autóctones de dengue, cerca de
metade, 65, foram em França no ano passado.
Todavia, um aviso da OMS é sempre um dado a considerar. E, no dizer de
Joana Tavares, “as alterações climáticas podem mudar completamente a distribuição
destes mosquitos”. Além disso, os mosquitos evoluem, adaptam-se, estão mais
resistentes a inseticidas. Por isso, é de prestar atenção às alterações
genéticas, aos genomas em constante modificação. “As novas variantes com capacidade
de infetar mais e melhor”, admite a especialista em Bioquímica.
Na última década, embora não em número significativo, aumentou o número de
diagnósticos destas viroses. “Este aumento pode estar relacionado, não só com
um aumento do número global de casos, mas também com o aumento exponencial de
viagens, nomeadamente para países endémicos, e também da maior capacidade
diagnóstica de que dispomos e uma maior sensibilização por parte dos médicos
para estas patologias”, refere Sandra Xará. Abundância de mosquitos, maior distribuição
geográfica e maior probabilidade de humanos infetados mostram que não há risco
zero. Por isso, é preciso acompanhar a situação, continuar os programas de
monitorização, de vigilância e de colheita de mosquitos e sensibilizar a
população.
Para Sandra Xará, o país tem clara capacidade de gestão de eventuais surtos
relacionados com estas patologias. Nunca serão surtos de dimensão pandémica
como a covid-19, pois trata-se de vias de transmissão distintas, que “não têm
capacidade do crescimento exponencial caraterístico das epidemias por inalação
de gotículas contaminadas”. Além disso, os casos são de doença ligeira, o que facilita
a gestão em ambulatório, com tratamento dos sintomas. E, quanto à prevenção, Sandra
Xará está certa de que “os profissionais de saúde têm conhecimentos e estão
preparados para transmitir as informações adequadas aos viajantes para que
estes se possam proteger”. Para a dengue, já há vacina; para o zika ainda não.
Ajudam a explicar este cenário o aumento da incidência das arboviroses,
mais especificamente da dengue, a expansão da sua distribuição geográfica e o
aumento da população mundial. Porém, como adianta Sandra Xará, os principais
contributos estão assocados ao crescimento populacional, ao escasso ou
inexistente planeamento urbano, nas áreas de maior risco, à sobrepopulação, às parcas
condições higieno-sanitárias, à insegurança alimentar, ao consumo de espécies
selvagens, ao abate de árvores, à perda de vitalidade da agricultura, à
produção massiva de fast fashion, ao
aumento da mobilidade e aos efeitos das alterações climáticas, com o aumento da
temperatura global. Isto gera “condições favoráveis ao alargamento das regiões
endémicas e hiperendémicas e da maior frequência de surtos epidémicos” – problema
abrangente que deve ser prioridade em saúde pública.
Sempre vivemos com vírus e com bactérias. Faz parte da biodiversidade (Quanto
menor biodiversidade, pior). Porém, temos de conhecer e controlar a realidade,
sem descolarmos dela. É, pois, fundamental concentrar esforços na criação de
estratégias de controlo das populações vetoriais, garantir a vigilância entomológica
e epidemiológica e sensibilizar a população a adotar medidas de proteção
individual. Mas evitar a picada de inseto é o principal. Para tanto, é útil
usar repelentes adequados para pele e tecidos, ar condicionado, redes
mosquiteiras ou difusores elétricos em espaço fechado e roupas de cor clara que
exponham menos a pele.
2023.07.22 – Louro de Carvalho
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