Era de esperar, de acordo com as expectativas enunciadas e explicadas por
Christine Lagarde, presidente do Banco
Central Europeu (BCE), que o regulador
bancário da Zona Euro agravasse, a 27 de julho, as três taxas diretoras de juros, pela nona vez consecutiva, em mais 25
pontos base, com aplicação a 2 de agosto. Efetivamente, considera que a
“inflação continua a descer, mas que ainda se espera que permaneça demasiado elevada
durante demasiado tempo”.
Esta nona
subida consecutiva fixa a nova taxa nos 4,25%, 4,50% e nos 3,75%,
respetivamente para as operações de refinanciamento, para a facilidade
permanente de cedência de liquidez e para a facilidade permanente de depósito. A
taxa de facilidade permanente de depósito (3,75%) assume o valor mais elevado
dos últimos 22 anos e a diretora principal, a de refinanciamento, chega ao
maior valor (4,25%) desde 2008 (15 anos).
Esta decisão
do regulador bancário da Zona Euro vem
em linha com a tomada nos mesmos valores percentuais, horas antes, pela
Reserva Federal dos Estados Unidos da América (FED), também com efeitos a
partir de 2 de agosto, embora, nos Estados Unidos da América (EUA), segundo
alguns economistas, os juros já ultrapassem a taxa da inflação.
O BCE
reconhece, em comunicado, que a inflação tem vindo a cair desde outubro de 2022,
quando atingiu um pico de mais de 10%, mas continua acima da meta de 2%,
definida pelo regulador, sendo provável que se mantenha “demasiado elevada
durante demasiado tempo”.
Os aumentos
anteriores dos juros estão lentamente a ter um impacto na economia, esfriando
os aumentos dos preços das casas e dos empréstimos a empresas. Porém, o núcleo
da inflação, que exclui os preços voláteis dos combustíveis e dos alimentos,
continua alto. Por isso, o BCE deixou a porta aberta a novo aumento dos juros,
em setembro, embora aumente o risco de recessão na Zona Euro.
***
Esta medida
tem, necessariamente, impacto na carteira dos cidadãos portugueses, famílias e
empresas, com destaque especial para os custos do crédito à habitação.
Como a Euribor a 12 meses está, atualmente, a 4% e os
aumentos do BCE podem ser de 0,25% por duas vezes (uma foi desta vez), deve
esperar-se, com algum grau de certeza, que a Euribor suba até perto dos 4,5%
até ao fim do ano.
Assim, com um spread
de 1%, poderá o cliente, durante vários meses, vir a pagar 5,5% de juro ao
banco, a que acresce o prémio do seguro de vida. É uma brutalidade que
representa o aumento de algumas centenas de euros mensais, em relação ao que
pagava há um ano.
Se o cliente com a Euribor a 12 meses, tiver a renovação
no pico da Euribor em dezembro ou em janeiro, pode ter um gasto suplementar com
o crédito à habitação de vários milhares de euros no ano que vem, ou seja, em
2024. Com efeito, vários analistas apontam o pico da Euribor para janeiro de
2024, não se sabendo se ultrapassará os 4,5%. Depois, a partir de janeiro, as
várias taxas Euribor deverão começar a descer. Baixarão dos 4%, mas, em 2024 e em
2025, deverão continuar a rondar os 3,5% e manterão a tendência de descida até
chegar talvez aos 2,75%, em 2026, devendo continuar nesse patamar (com altos e
baixos) até 2030.
É claro que se trata de previsões, podendo tudo mudar.
Mas é importante ter estes valores como orientação. Por exemplo, uma taxa fixa
de 4% até ao fim do contrato de empréstimo parece um valor exagerado, face às
previsões. Resta saber se essa estabilidade compensa o preço alto a pagar. Já
uma taxa mista a 2 anos, entre os 3 e os 4%, pode ser decisão sensata, se for
suportável para o cliente, por exemplo, se beneficiou de tempo em que a Euribor
foi negativa. Ao invés, casos houve em que se chegou a pagar, em tempos não
longínquos, um juro de 5,5%.
O importante é aguentar o ano de 2023 no “olho do
furacão”, pois é cedo para garantir que, depois, os juros baixarão, até porque
não se sabe quanto tempo durará a guerra na Ucrânia ou como evoluirá as crises
energética e alimentar, nomeadamente quanto ao acesso ao mercado dos cereais.
Em caso de risco de incumprimento, sempre é melhor vender
a casa do que entregá-la ao banco.
Deixar correr e não pagar as prestações é que não é
solução. Porém, há outras hipóteses, como: renegociar o spread, se for superior a 1,2%; transferir o crédito à habitação
para outro banco; mudar para taxa fixa ou mista; amortizar o máximo que se puder
o crédito à habitação; usar o plano de poupança reforma (PPR) para pagar a
prestação ou para amortizar o crédito; pedir ao banco a bonificação dos juros
pelo Estado e outros benefícios que o ministro das Finanças diz estarem em
equação; negociar o alargamento do prazo do empréstimo; consolidar os créditos;
renegociar o seguro de vida; acionar, junto do banco, o plano de ação para o
risco de incumprimento (PARI); e pedir ajuda à Associação de Defesa do
Consumidor (DECO) ou a uma instituição da Rede de Apoio ao Cliente Bancário
(RACE).
***
Enquanto o spread é uma componente da taxa de juro,
definida pelo banco, contrato a contrato, ao conceder o empréstimo (o lucro do
banco no empréstimo), a Euribor (acrónimo de Euro Interbank Offered Rate ou taxa interbancária oferecida em euros) é uma das principais taxas
de referência do mercado monetário da Zona Euro, indicando a taxa
média de juro dos empréstimos interbancários sem garantia da Zona Euro. Considera
as taxas dos 32 principais bancos europeus, excluindo os valores extremos: os
15% mais altos e os 15% mais baixos.
Criada com
o euro, a 1 de janeiro de 1999, a sua primeira taxa foi definida a 30 de
dezembro de 1998, com validade a partir de 4 de janeiro de 1999. Porém, antes,
publicava-se taxa semelhante, a Aibor (Amsterdam Interbank Offered Rate), também publicada diariamente, para lá de taxas de
juros locais, como a Lisbor (Lisbon Interbank Offered Rate), taxa interbancária em escudo.
A Euribor é calculada
diariamente pela European Banking Federation (EBF) e publicada pela Reuters. A divulgação acontece às 11h00
(hora Central Europeia e é rapidamente difundida pela imprensa. É usada como
taxa de referência para os empréstimos bancários e como taxa base para
diversos produtos de taxas de juros (derivados). Encontram-se como exemplos,
futuros de taxas de juros, swap de
taxas de juros e contratos de garantias de taxas. É bastante usada como taxa de
referência em empréstimos hipotecários e em contas poupança. Em Portugal, as
taxas Euribor são os indexantes mais recorrentes em empréstimos à habitação,
tendo grande impacto quando estas taxas caem, visto que permitem que o custo do
crédito diminua, assim como fazem subir os encargos, quando aumentam. No caso
dos depósitos, a remuneração destes também tende a refletir as oscilações
destas taxas, mas, por vezes, não proporcionalmente. A prática corrente, em Portugal, entre as
instituições de crédito à habitação, é estabelecer dois tipos de taxas: fixa e
variável. É na taxa variável que entra a Euribor, já que esta taxa lhe
está indexada.
No crédito à
habitação, a taxa Euribor funciona em conjunto com o spread, formando estes dois fatores a taxa de juro do crédito. De
valores mínimos e até negativos, tendo reduzido o custo do crédito habitação, a
Euribor passou, graças ao aumento sucessivo das taxas de juro diretoras, pelos
bancos centrais (nomeadamente FED e BCE), a valores que se tornam quase
insuportáveis, sem que as pessoas e as empresas se tenham precavido para tal
situação.
Com efeito,
a oscilação das taxas de juros Euribor é alinhada pelo volume de oferta e
de procura. É apenas uma taxa de juro do mercado que é formada por um grande
número de bancos diferentes (painel de bancos). Contudo, outros fatores
externos podem influenciar, em boa escala, o nível da taxa de juro Euribor,
como por exemplo o crescimento económico e o nível da inflação. Regra geral, as
taxas Euribor evoluem de acordo com a taxa de referência praticada pelo BCE.
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Por fim e porque a inflação é invocada como justificação para
decretar a subida de juros e, segundo Christine Lagarde, é motivada, em grande
parte, pela subida de salários, quando todos nos queixamos da perda de salário
nominal e, sobretudo, de salário real, conveniente revisitar o conceito e a
realidade da inflação.
A inflação é
a taxa de aumento dos preços dos bens de consumo, dos serviços e do custo de
vida, determinável por vários meios, sendo o mais comum o índice de preços
ao consumidor (IPC), que mede a variação média dos preços pagos, ao longo do
tempo, pelos consumidores urbanos por um cabaz de mercado de bens e de serviços
ao consumidor, o que leva a identificar tendências de preços dentro da economia.
Existem
vários fatores. Um deles é a disposição e a capacidade das pessoas de pagarem
preço mais alto por bens e por serviços, o que leva a aumento em custos de
produção de matérias-primas e, por isso, ao aumento de preços. Isso não ocorre
imediatamente, mas, durante um período de tempo em que as mudanças de preço parecem
pequenas, no início. Os produtos e serviços de maior necessidade ou procura são
propensos à inflação. Os de necessidade incluem itens essenciais, como comida,
imóveis, serviços públicos e saúde, enquanto os outros incluem itens de luxo
desejados, como joias e carros. Outros fatores configuram várias modalidades de
inflação.
A inflação de procura resulta do
rápido crescimento na procura agregada de bens e de serviços de consumo, levando
a aumento dos preços. Numa economia forte, os custos aumentam, porque as
empresas impulsionam a oferta para atenderem a nova procura. Assim, forte
crescimento económico causa problemas, se ocasiona inflação alta. Pessoas com
salários altos ajustam-se; as outras, não. A inflação de custos resulta do aumento dos custos de mão-de-obra
e de fabrico (salários e matérias-primas), causando preços elevados de bens e
serviços de consumo. Há queda na oferta de bens e de serviços, mas a procura
permanece estável. Os consumidores suportam o aumento do custo de produção,
quando pagam preços mais elevados pelo produto ou serviço final. E a inflação do mercado mobiliário resulta do
aumento da procura de casas numa economia em expansão. Como o mercado de ações,
o mercado imobiliário tem visto volatilidade recentemente. À medida que mais
consumidores buscam “equity” na forma de propriedade, os compradores esperam um
aumento subsequente nos preços dos imóveis, o que também se aplica a produtos
auxiliares relacionados com a construção, como madeira, aço, cimento, etc.
Os
economistas (sobretudo os da FED e os do BCE) olham atentamente para a variação
percentual dos preços e ajustam as taxas para criar mais estabilidade de
preços. No entanto, não podem definir os preços: só podem esperar que as
mudanças de taxa os ponham em ação.
A inflação
preocupa os consumidores, porque o dinheiro ganho e economizado perde valor ao
longo do tempo e as pessoas perdem poder de compra.
Uma das grandes
causas da inflação são os grandes acontecimentos mundiais. Por exemplo, a
pandemia de covid-19 desencadeou um aumento errático. A procura estava branda,
na fase inicial, mas cresceu, especialmente com mais pessoas comprando online. A
esse aumento associou-se a crise na cadeia de suprimentos: armazéns
sobrecarregados, portos de embarque bloqueados a impedir a entrega de
mercadorias e rarefação nos stocks. Além disso, os preços da habitação
aumentaram em imóveis para venda e para arrendamento. Muitas empresas exploraram
o momento, para desfrutarem dos benefícios do aumento do consumismo e dos
gastos dos consumidores. E isto acontece na presente crise, apesar dos apoios
dos governos, como em muitas outras crises, exceto no tempo da troika
portuguesa e em casos similares.
A inflação
afeta os preços ao consumidor e o custo de vida. À medida que a inflação
aumenta, aumentam os preços dos produtos e serviços de consumo, como
mantimentos, serviços públicos, saúde e imóveis. Esse aumento podia reduzir a
despesa do consumidor, já que muitas famílias orçamentam parte considerável do
rendimento familiar para esses itens necessários.
Um dos
efeitos da inflação é o impacto global nos salários. Embora muitas indústrias,
como a hotelaria, mostrem uma recuperação lenta, mas constante, após as perdas sofridas
pela pandemia, os salários não acompanham o ritmo da inflação, o que se agravou
com a guerra.
Não culpam a
especulação: acentuam a necessidade de salários baixos. Triste condição!
2023.07.29 – Louro de Carvalho
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