De
acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros (CM), a 27 de julho,
“na sequência da devolução, sem promulgação”,
pelo Presidente da República (PR), no dia anterior, “reapreciou o decreto-lei
que estabelece os termos de implementação dos mecanismos de aceleração de
progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos
básico e secundário”, tentando incorporar as sugestões presidenciais.
***
Efetivamente,
uma nota publicada na página da Presidência da República, a 26 de julho, dava
conta da decisão do PR de devolver, sem promulgação, “o decreto que estabelece
os termos de implementação dos mecanismos de aceleração de progressão na carreira
dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário,
reconhecendo aspetos positivos – alguns dos quais resultantes de aceitação de
sugestões da Presidência da República –, mas apontando a frustração da
esperança dos professores, ao encerrar definitivamente o processo, ademais
criando uma disparidade de tratamento entre o Continente e as Regiões Autónomas
dos Açores e da Madeira”.
A referida
nota publicou também a carta que o chefe de Estado endereçou ao chefe do
Governo, em que reconhece que, para lá de “outras justas reclamações”, algumas
das quais “parcialmente satisfeitas”, sobressai a que é “central” no
reconhecimento do “papel cimeiro” dos professores na sociedade portuguesa, a “recuperação
do tempo de serviço suspenso, sacrificado pelas crises económicas vividas ao
logo de muitos anos e muitos governos”.
Em torno da
questão, surgiram duas soluções diferentes: nas Regiões Autónomas e no Continente.
As Regiões
Autónomas estão a recuperar a contagem integral, de modo faseado e gradual, do
tempo de serviço de todos os professores: na Madeira, por iniciativa do XII
Governo Regional apoiado pelo Partido Social Democrata (PSD), com o Decreto
Legislativo Regional n.º 23/2018/M, de 28 de dezembro, aprovado com os votos
favoráveis dos diversos partidos com assento no respetivo parlamento; e, nos
Açores, por iniciativa, do XII Governo Regional apoiado pelo Partido Socialista
(PS), com o Decreto Legislativo Regional n.º 15/2019/A, de 16 de julho, aprovado
com os votos favoráveis dos diversos partidos com assento no respetivo
parlamento.
No
Continente, optou-se por solução diferente, com tratamento diferenciado de
professores, sendo aplicável, a alguns, “uma certa antiguidade de serviço para
progressão na carreira, em circunstâncias específicas, e não a outros, que a
teriam ou viriam a ter no futuro, se a contagem do tempo de serviço não tivesse
sido suspensa”.
Como aponta
carta do PR, esta situação “criou uma clara desigualdade de tratamento entre
professores da escola pública no Continente e nas Regiões Autónomas”. E, no
Continente, se for por diante, criará “novas desigualdades”.
Porém, o
chefe de Estado, não se contentando com isto, deixa ao Governo uma suposta
lição de democracia.
“Os
professores, tal como os profissionais de saúde, têm e merecem ter uma
importância essencial na nossa sociedade e em todas as sociedades que apostam
na Educação, no Conhecimento, no Futuro”. E “países exemplos de liderança na Educação
o foram, porque escolheram os melhores e lhes pagaram aquilo que não pagavam a
tantos outros e respeitáveis trabalhadores do setor público, mesmo de carreiras
especiais”.
Portanto, a
aposta na Educação vai além do “curto prazo”, da sorte de “pessoas”, de “situações”,
de “instituições”, do “passado próximo ou do presente” e de cálculo de “dividendos
políticos”. Exige pensar nos sucessivos anos letivos e, sobretudo, naqueles/as
que queremos melhores em termos absolutos e relativos, os estudantes, assim
como exige “pensar na mobilização de todos, mas, dentro de todos, daquelas e
daqueles que serão os seus educadores, formadores e felizmente, em muitos
casos, os seus inspiradores, os professores”.
Mais refere
o PR que “todas as escolas e todos os professores são e devem ser relevantes:
os da escola pública, os da escola privada e os da escola social e cooperativa”.
Depois de
apontar números – mais de 130 mil professores do setor público e cerca de 25
mil dos restantes setores – o chefe de Estado faz a apologia da Escola Pública
como “insubstituível” e como “coluna vertebral do sistema escolar”. E sustenta
que, por isso, acompanhou “o longuíssimo período de encontros entre governo e
sindicatos de professores” e que registou “o facto de o Governo ter optado por
flexibilizar posições governativas – de governos anteriores ou suas –, quanto à
recuperação do tempo dos professores”, bem como o facto de ter sido “um
anterior governo, mas com o mesmo primeiro-ministro, que levantou a suspensão
da contagem do tempo de serviço dos professores”.
Admite que
“houve um esforço dos últimos governos, no quadro financeiro e económico geral
destes tempos de incerteza” e “uma abertura de sindicatos e, mais amplamente,
da maioria esmagadora dos professores, para não almejarem, de imediato, tudo o
que ambicionavam, entendendo as restrições financeiras existentes”.
O diploma em
causa surge na sequência do longo “período de encontros, de expetativas, de frustrações,
de luta laboral e de gestão governamental”. Porém, após esta narrativa de
factos, vem mais uma pitada de gestão da democracia: “não há nem pode haver
comparação entre o estatuto dos professores, tal como o dos profissionais de
saúde, e o de outras carreiras, mesmo especiais”. E mais ainda: “Governar é
escolher prioridades. E Saúde e Educação são e deveriam ser prioridades se
quisermos ir muito mais longe como sociedade desenvolvida e justa.”
A primeira
versão do diploma consagrava “uma parte limitada das legítimas expetativas” dos
professores: limitada, no universo dos professores beneficiários, quando o
desejável é que a aceleração da progressão “inclua todos os docentes afetados
pela suspensão da contagem do tempo de serviço, estabelecendo-se a justa
proporcionalidade em relação ao tempo de serviço efetivamente prestado”; limitada,
por manter a desigualdade entre professores da escola pública, nas Regiões
Autónomas e no Continente; e limitada, porque o diploma “encerrava o processo
quanto a este tema central, ao não contemplar qualquer calendarização ou, mesmo,
abertura para medidas ulteriores ou complementares”.
Uma coisa,
para o PR, é “não ser viável, num determinado contexto, ir mais além, outra é
dar um sinal errado num domínio tão sensível, como o é o da motivação para se
ser professor no futuro”.
Por tudo
isto e tendo em conta “a importância decisiva do tema para uma classe
profissional insubstituível para a educação, a qualificação, o conhecimento, e,
portanto, o futuro de Portugal”, o chefe de Estado devolveu o diploma ao
Governo, para que o reapreciasse, com ou sem intervenção da Assembleia da
República (AR), onde o Governo dispõe de uma clara maioria de apoio, de modo a “figurar,
no texto, a ideia de que se não encerra definitivamente o processo”, pensando
no futuro e “no papel que nele desempenham os professores em Portugal”.
***
Tenho de
assentar em que, tal como o fiz noutras ocasiões, os professores têm total
razão na reivindicação da contagem integral do tempo de serviço, nos períodos
em que tal contagem esteve congelada. Embora, os governos de António Costa
hajam procedido ao descongelamento das progressões nas carreiras e à contagem
parcial do tempo perdido para efeitos de progressão (é só disso que se trata:
não se trata de ir buscar mais dinheiro ou mais tempo de serviço para
aposentação/reforma), é impensável que haja uma solução diferente nas Regiões
Autónomas e no Continente e que, no Continente, se venham a criar novas
situações de desigualdade.
Do ponto de
vista orçamental, os encargos anuais com a recontagem integral não passam de um
mito conveniente. É óbvio que a recuperação de tempo para a progressão
aplica-se a professores que não estejam no último escalão, sendo que, para os
outros, implica algum encargo monetário, mas a prazo e não em simultâneo para
todos. Grave, em termos orçamentais, seria se fosse exigido ao Estado que repusesse
nos respetivos escalões todos os docentes, mesmo os já aposentados e os que
rescindiram por mútuo acordo, revalorizando os salários de uns e as pensões de
outros. Ora, os professores sabem que não são os ricos que pagam as crises, mas
não aceitam que haja dinheiro a rodos para salvar bancos e empresas públicas (remunerações
e indemnizações obscenas a administradores da Caixa Geral de Depósitos, da TAP,
da CP, etc.) e não o haja para os trabalhadores da Administração Pública.
A suposta
lição de democracia presidencial ao Governo ficaria bem na boca de qualquer
membro do Governo ou de qualquer político da praça. Pena é que só agora os
opositores ao Governo se tenham dado conta da solução diferente encontrada no
Continente e nas Regiões Autónomas. É certo que o PR faz bem em acompanhar o
movimento reivindicativo, mas é de questionar o motivo por que o chefe de
Estado e tantos outros cidadãos e grupos que sempre estiveram contra a luta
sindical estão agora do lado dos reivindicantes. Não faço segundas intenções,
mas interrogo-me.
Embora,
desta vez, o PR tenha sido menos explícito na tentativa de influenciar o
Governo do que em diploma anterior relativo a concursos e a vinculação de
professores, que acabou por promulgar, mesmo assim, lá deixa expressa a notinha
de que o diploma tem aspetos positivos, alguns dos quais seguem sugestões do
PR. Enfim, não há maneira de o chefe de Estado, ao menos publicamente,
preservar a separação dos poderes e ajudar a construir de forma discreta, a
interdependência dos mesmos.
Depois, dá
uma indicação que podia ser perigosa, se o Governo e o PS fossem teimosos. O
Governo podia transformar o texto do diploma em Proposta de Lei e a AR, onde o PS
tem maioria absoluta, podia aprovar o diploma, transformando em decreto da AR
e, em caso de veto, confirmá-lo por maioria.
Entretanto,
o Conselho de Ministros reapreciou o diploma, tentando integrar a recomendação
do PR, que se reduz (Tanta retórica na carta para muito pouco!) a colocar a
hipótese de, num futuro, se proceder à recontagem de todo o tempo de serviço de
todos professores.
A ministra
da Presidência, Mariana Vieira da Silva, escusou-se a especificar as alterações
introduzidas, por se tratar de matéria entre o CM e o PR.
Por fim,
suspeito que, se o movimento sindical (e é esse o interlocutor válido em
reivindicação) se mantiver parado, o diferendo entre Belém e São Bento acabe
por remeter a contagem para as Calendas gregas ou para ocasião em que atinja um
número residual de docentes.
E não vejo
que os professores queiram constituir-se em exceção, relativamente aos outros
trabalhadores da Administração Pública. Apenas querem salário condigno e
carreira que os dignifique. De resto, não pode o Estado dar-se ao luxo de
induzir o esvaziamento dos seus quadros, deixando que uns emigrem e outros
passem para o setor privado, devendo, antes, promover carreiras atrativas,
salários justos e condições de trabalho tão propícias quanto possível.
2023.07.27 – Louro de Carvalho
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