A parábola mateana do Reino que versa o caso do semeador que
sai a semear a sua semente constitui a alegoria do perfil missionário de Jesus
Cristo. O Reino dos Céus é semelhante ao semeador, não àquele que se mete em
casa; que sai percorrendo o terreno da semeadura, não aquele que se coloca num
determinado sítio e age a partir daí; a semear, não a deixar cair ou a colocar
no terreno que se vai trabalhando, mas distribuindo por todo o terreno; a sua
semente, não a alheia; a semente, não a raiz, o caule, o ramo, a folha, a flor
ou o fruto.
Este perfil de Cristo deve ser replicado por todos os
discípulos, desde logo pelos que se tornaram discípulos pelo Batismo, na
certeza de que a emente é a palavra de Deus, não a nossa, mas a de Deus, que
nós assumimos como nossa. Não se escolhe terreno, mas dirige-se a todos, porque
de todos de espera acolhimento e germinação até dar fruto e nova semente. Temos
de ser semeadores de mão cheia. E, como não se força ninguém, é natural que o
terreno se apresente em tipos diversos. E, embora compreendendo os diverso
tipos de terreno em que a semente não germina, congratulamo-nos com a
existência do bom terreno, sem julgarmos os outros e respeitando a sua situação
e as suas opções, já que se trata de pessoas com inteligência e com
coração.
A este respeito, vem o passo evangélico (Mt 13,1-23) proclamado na Liturgia da Palavra do 15.º domingo do Tempo
Comum no Ano A.
A linguagem parabólica, que não foi inventada por Jesus, é
habitual na literatura do Médio Oriente, cujo génio, mais do que falar através
do discurso lógico, frio racional, típico da civilização ocidental, instrui
através de imagens, de comparações e de alegorias,
A parábola é imagem ou comparação, pela qual se ilustra determinada
mensagem ou ensinamento. A sua linguagem tem vantagens, porque a imagem ou
comparação é muito mais rica em força comunicativa e em poder evocativo do que
a simples exposição teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido, mais
evocadora, pelo que mexe mais com os ouvintes. Por outro lado, é excelente arma
de controvérsia, já que pode levar o interlocutor a admitir certos pontos que,
de outra forma, nunca teriam a sua concordância. Além disso, é um método
pedagógico, que ensina as pessoas a refletir e a encontrar soluções para os
dilemas da vida: estimula a curiosidade, incita à busca, convida à descoberta da
verdade.
Assim, no capítulo 13 do seu Evangelho, Mateus apresenta sete
parábolas, pelas quais Jesus revela aos discípulos a realidade do Reino: são as
“parábolas do Reino”. Destas sete, três procedem da tradição sinótica (o
semeador, o grão de mostarda, o fermento) e quatro (o trigo e o joio, o tesouro
escondido, a pérola preciosa, a rede) não constam nem em Marcos, nem em Lucas.
Certamente, são originárias da antiga fonte dos “ditos” de Jesus, que Mateus
usou abundantemente na composição do seu Evangelho.
A preocupação do evangelista é a vida da comunidade. Nestas parábolas
e na sua interpretação, percebe-se a preocupação do pastor que exorta, anima,
ensina e fortalece a fé dos destinatários.
A parábola do semeador de mão cheia é uma das mais emblemáticas
das parábolas de Jesus. No entanto, o texto do Evangelho desta dominga vai além
da parábola. Apresenta a parábola, um conjunto de “ditos” sobre a função das
parábolas e a explicação da parábola.
O quadro da parábola propriamente dita (vv. 1-9) pressupõe as técnicas agrícolas então usadas na Palestina:
o agricultor lança a semente à terra; e passa a arar o terreno. Assim,
compreende-se porque é que uma parte da semente pode cair “à beira do caminho”,
outra em “sítios pedregosos onde não havia muita terra” e outra “entre os
espinhos”.
As diferenças do terreno significam, na comparação, as
diferentes formas como é acolhida a semente. Porém, o mais significativo é a espantosa
quantidade de frutos que a semente lançada na “boa terra” produz. Considerando
que, à época, a colheita de sete por um era farta, os cem, sessenta e trinta
por um pareceriam aos ouvintes de Jesus algo de surpreendente, de milagroso.
O evangelista situa a parábola num contexto em que a proposta
de Jesus parece condenada ao malogro. As cidades do lago (Corozaim, Betsaida,
Cafarnaum) tinham rejeitado a sua pregação; os fariseus atacavam-No por não
respeitar o sábado e queriam matá-Lo; acusavam-No, de agir, não pelo poder de Deus,
mas pelo poder do príncipe dos demónios; não acreditavam nas suas palavras e
exigiam Lhe sinais. Enfim, o Reino anunciado sofria enorme contestação e
parecia encaminhar-se para um rotundo fracasso.
Terá a parábola sido apresentada por Jesus neste contexto de
crise. Aos que manifestavam desânimo e desconfiança em relação ao êxito do
projeto do Reino, Jesus fala do grandioso resultado final e incita os discípulos
desiludidos à coragem, pois, apesar do aparente fracasso, o ‘Reino’ é uma
realidade imparável e o resultado final será algo de surpreendente, de
inimaginável.
Nos ditos sobre as parábolas (vv.
10-17), o ponto de partida é a questão que os discípulos colocam: Porque fala
Jesus em parábolas?
Mateus vê nelas a ocasião para que apareçam, com nitidez, o
acolhimento e a recusa da mensagem, pois apresentam o dinamismo do Reino em linguagem
sugestiva, concreta e questionante. Tornam tudo claro. Por isso, após escutar a
mensagem, só não a aceita quem tiver o coração endurecido e não estiver interessado
nela. Quem acolher a mensagem receberá mais e “terá em abundância”, ou seja,
irá entrando, cada vez mais, na dinâmica do Reino; ao invés, quem não a acolher
está a rejeitar o Reino e a possibilidade de integrar a comunidade da salvação.
Nos que rejeitam Jesus, cumpre-se a profecia: o profeta fala de um povo de
coração endurecido, que quanto mais ouve a pregação profética, mais se irrita,
agravando a sua culpa (cf Is 6,9-10).
Ora, os discípulos são os que escutam o jeito do Reino e se
dispõem a acolhê-lo. Compreendem as parábolas e aceitam a realidade que elas
exprimem. São felizes, porque abriram o coração a Jesus, escutaram a sua
Palavra, viram e entenderam os seus gestos e sinais; são felizes, pois, ao
contrário dos que endureceram o coração e fecharam os ouvidos a Jesus, integram
o Reino.
Na explicação da parábola (vv. 18-23), alguns indícios levam a pensar que a explicação, de
início, não fazia parte da parábola, mas que se trata de adaptação posterior a
aplicar à vida cristã.
A explicação desloca o centro de interesse. A parábola deixa
de ser apresentação da grandiosa forma como o Reino se manifesta e passa a reflexão
sobre as diversas atitudes com que a comunidade acolhe a Palavra. É a grande
preocupação das comunidades cristãs.
Na ótica do catequista, o acolhimento do Evangelho não
depende da semente, nem do semeador, mas da qualidade do tereno. E a qualidade
do terreno espelha a qualidade dos corações humanos face à proclamação da
Palavra.
Há o coração duro como o chão de terra batida do caminho: a
Palavra não penetra aí, pelo que não dará fruto. Há o coração inconstante,
capaz de se entusiasmar, mas também de desanimar ante as dificuldades: a
Palavra não cria aí raiz. Há o coração materialista, que prioriza sempre a
riqueza e os bens deste Mundo: a Palavra é aí facilmente sufocada por esses
interesses dominantes. E há o coração disponível e bom, aberto ao desafio de
Deus: a Palavra é aí acolhida e dará muito fruto.
Os verdadeiros discípulos (a “boa terra”) identificam-se com
os que escutam as parábolas, as entendem e acolhem o Reino. Temos aqui,
portanto, uma exortação aos cristãos no sentido de acolherem a Palavra, sem
deixarem que as dificuldades, os acidentes da vida, os outros valores a
asfixiem e a tornem semente estéril. Com efeito, pela sua importância decisiva,
a Palavra tem de ganhar a centralidade da vida dos crentes.
***
A 1.ª leitura (Is
55,10-11) garante-nos que a Palavra de Deus é fecunda e criadora de vida. Ela
dá-nos esperança, indica-nos os caminhos a percorrer e dá-nos o ânimo para
intervirmos no mundo. É sempre eficaz e produz sempre efeito, embora não atue segundo
os nossos interesses e critérios.
Estamos na fase final do Exílio (à volta de 550/540 a.C.). A
comunidade exilada está saturada de belas palavras e de promessas de libertação
que tardam a concretizar-se. A impaciência e a dúvida vão minando a resistência
e a fé dos exilados. Parece que as promessas de Deus não se concretizarão. Ele
parece demasiado lento, em relação a algo que exige intervenção imediata. É
caso para perguntar se Deus se terá esquecido do seu Povo.
Perante este desanimado ceticismo, o profeta garante Deus não
se esqueceu do seu Povo. A sua Palavra não deixará de se concretizar, pois Deus
é eternamente fiel às suas promessas. A Palavra de Deus é eficaz, transformadora,
geradora de vida. Nunca falha.
Para expressar a ideia da eficácia da Palavra de Deus, o
profeta serve-se do exemplo da chuva e da neve: tal como a chuva e a neve que
descem do céu fecundam a terra e multiplicam a vida nos campos, assim a Palavra
do Senhor não deixará de se concretizar e de gerar vida para o Povo de Deus. A
imagem, extremamente sugestiva, lembra aos judeus exilados na Babilónia as
chuvas que caem no Norte de Israel e as neves do monte Hermon. A água caída do
céu alimenta o Jordão, que, por seu turno, corre por toda a terra de Israel,
deixando um rasto de vida e de fecundidade. Assim, a Palavra de Deus é como a
água caída do céu que, inevitavelmente, gera o alimento da vida do Povo de
Deus.
Isaías não coloca a questão da diversidade de terrenos, pois,
ao tempo, todos estavam unidos no sofrimento, no desânimo e na necessidade de
consolação. Agora, com o reino messiânico entre nós, Jesus giza as condições
propícias para a frutificação da Palavra, conforme a disponibilidade ou a indisponibilidade
face ao Reino – problema e prerrogativa da liberdade humana.
***
Por fim, a 2.ª leitura (Rm
8,18-23), que parece não estar relacionada com a temática da Palavra, mostra,
subliminarmente, que é ela que determina os critérios de ação em conformidade
com a adesão ao dinamismo do Reino, que tivemos o discernimento e a ousadia de
assumir.
Na perspetiva de Paulo, o homem não é o único interessado na
opção pela vida “segundo o Espírito”, que nos abre para a Palavra, no-la
interpreta, nos facilita o discernimento e nos dá a ousadia. Toda a criação
está dependente das escolhas que o homem faz.
Como resultado do pecado do homem, a criação inteira ficou
submetida ao império do egoísmo e da desordem e está atreita à finitude e à
caducidade. Se o homem aderir a Cristo e viver segundo o Espírito, superará o
destino de maldição e de morte em que o pecado o tinha lançado; e toda a criação
será libertada, nascendo o novo céu e a nova terra. É o tema da solidariedade
entre o homem, os outros animais e a natureza, recorrente na Bíblia.
Por isso, toda a criação aguarda, com ânsia jubilosa, que o homem
escolha a vida segundo o Espírito. Entretanto, vai nascendo, na dificuldade e
na dor, o Homem Novo e o Novo Céu e a Nova Terra com que sonhamos. Isso
acontece na dificuldade e na dor, porque a vida segundo o Espírito supõe a
renúncia aos interesses mesquinhos e a opção pelo caminho de entrega e de dom
da vida a Deus e aos outros. O apóstolo utiliza o exemplo das dores do parto,
para iluminar a mensagem que pretende transmitir. O nascimento da criança dá-se
na dor; no entanto, a dor é o caminho para o nascimento de uma nova vida.
Vale mesmo a pena viver segundo o
Espírito. Padecimentos, renúncias, dificuldades, nada são, em comparação com a
felicidade sem fim que espera os crentes no termo do caminho.
2023.07.16
– Louro de Carvalho
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