É demasiada coincidência, se não for intenção política
da parte do judiciário – o que, sendo possível, é difícil de entender, num
Estado que se tem como paladino da separação de poderes – a Justiça estar no
encalço de, pelo menos, uma figura ligada ao Partido Socialista (PS) e ao
Governo, e do ex-presidente do Partido Social Democrata (PSD).
A 7 de julho, Marco Capitão Ferreira, pediu a demissão do cargo de secretário de Estado da Defesa Nacional, tendo, na
sequência, o
primeiro-ministro (PM) remetido a proposta de exoneração ao Presidente da
República (PR), que a aceitou.
O gabinete de António Costa não forneceu pormenores sobre o motivo da
saída, mas soube-se, mais tarde, que o ex-governante foi constituído arguido,
no âmbito da operação “Tempestade Perfeita”, de que, em investigação a cargo da
Unidade
Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), da Polícia Judiciária (PJ), surgiram as primeiras
buscas e detenções, a 6 de dezembro de 2022. Desta feita, a PJ procedeu à
realização de nova operação policial com vista à execução de dois mandados de
busca, um de busca domiciliária e o outro de busca não domiciliária, para
recolha de elementos probatórios complementares conexos com suspeitas de
práticas criminosas no exercício de funções públicas, como corrupção e
participação económica em negócio.
Esta operação, desencadeada no âmbito de inquérito titulado
pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa, contou
com a colaboração da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática (UPTI), foi
acompanhada por duas magistradas daquele DIAP, decorreu na região de Lisboa e
daí resultou a constituição de um arguido.
Trata-se de mais uma controvérsia que envolve o percurso de Marco
Capitão Ferreira, que é indiciado de ter auferido verba relativamente avultada (61
mil euros) por uma assessoria, de cinco dias, para o Ministério da Defesa Nacional
(MDN) e de ter contratado um “assessor fantasma” quando era presidente da holding das
indústrias de Defesa, antes de entrar no Governo.
Segundo o Expresso, em fevereiro
de 2021, Marco Capitão Ferreira, como presidente da idD Portugal Defence,
nomeou José Miguel Fernandes, ex-administrador do Alfeite, para assessor
da administração, para elaborar “um estudo compreensivo sobre a Economia
da Defesa”. Mas este, no dizer do coordenador do estudo, não escreveu “uma
linha” e, pelos vistos, nunca terá sido visto na empresa. E, em novembro
desse ano, Capitão Ferreira justificou a contratação de José Miguel Fernandes a
Comissão Parlamentar de Defesa pelo seu know-how para
fazer o referido estudo.
O PM, como é seu hábito, considerou que é o tempo da Justiça e que
esperamos que ela se faça. No entanto, como se trata de um ex-membro do Governo,
obviamente ligado a um partido, urge apurar o caso do ponto de vista político.
Neste aspeto, há uma consequência política já retirada: a demissão, mas
falta o apuramento de responsabilidades políticas que possam enriquecer um eventual
processo judicial, quer pelo lado de eventual condenação, quer pelo de eventual
absolvição. Por isso, já foi aprovada uma audição parlamentar para Capitão
Ferreira prestar esclarecimentos aos deputados, mas, pelos vistos, o
ex-governante faltará à audição.
Por sua vez, a ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, depois de o
PSD o ter sugerido e de o PR ter insinuado o seu apoio (o que o PM não comentou),
solicitou ao
Tribunal de Contas (TdC) uma auditoria financeira à idD Portugal Defence,
depois de Marco Capitão Ferreira, ex-secretário de Estado, que presidiu a esta
holding, ter sido constituído arguido a 7 de julho.
Por outro lado, com o acordo do PS, o Parlamento
aprovou audição da ministra da Defesa e do ministro dos Negócios Estrangeiros,
João Gomes Cravinho (ex-ministro da Defesa Nacional). Com efeito, alem do mais,
está em jogo a derrapagem financeira nas obras de adaptação do antigo hospital militar
de Belém, para apoio à emergência da covid-19 e a emergências ulteriores.
Marco Capitão Ferreira é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa (FDUL), onde é professor auxiliar. Na área da Defesa,
antes de ser secretário de Estado, exerceu, entre 2006 e 2011, funções como
adjunto do ministro da Defesa Nacional.
***
Na manhã de 12 de julho, mobilizando cerca de 100
inspetores e peritos, a PJ procedeu a buscas que
visam o ex-presidente do PSD, Rui Rio, e outros dirigentes e funcionários
social-democratas, por suspeitas de crimes, como peculato e abuso de poderes,
por alegada utilização indevida de dinheiros públicos na anterior gestão do
partido. Estão em equação suspeitas de
um esquema de pagamento de ordenados a funcionários do PSD com recurso a verbas
da Assembleia da República (AR), exclusivamente destinadas a cargos de
assessoria dos grupos parlamentares.
A CNN Portugal sustenta que Rui Rio é um
dos principais visados da operação, em que o Ministério Público (MP) considera
ter reunido fortes indícios de crimes no exercício de cargos políticos. Segundo
o que terá apurado a investigação da PJ, em articulação com o DIAP de Lisboa,
durante anos foram pagos milhares de euros, por mês, a funcionários que, na
realidade, não exerciam funções na AR, mas na sede e nas distritais do partido,
para lá do apoio à juventude social-democrata, tratando de questões internas do
PSD, à margem dos trabalhos da AR.
O processo
nasceu, em 2020, de denúncias internas e, desde logo, deu origem a inquérito de
várias testemunhas e a recolha de provas por outros meios.
A CNN Portugal refere que as buscas
passaram, pela casa de Rui Rio, no Porto, pela sede nacional do PSD, na rua de
São Caetano à Lapa, em Lisboa, pelas sedes distritais do PSD, em Lisboa e no Porto,
e pelas casas de outros suspeitos, como o deputado social-democrata Hugo
Carneiro.
Em
comunicado, a PJ confirma a “realização de 20 buscas, 14 delas domiciliárias,
cinco a instalações de partido político e uma em instalações de revisor oficial
de contas (ROC), na zona da Grande Lisboa e na zona norte do país”, e revela
que está “em causa a investigação à utilização de fundos de natureza pública,
em contexto político-partidário, existindo suspeitas da eventual prática de
crimes de peculato e abuso de poderes (crimes da responsabilidade de titulares
de cargos políticos), a factos cujo início relevante da atuação se reporta a
2018”. Rui Rio, que, além de presidente do PSD, foi líder do respetivo grupo parlamentar,
de novembro de 2019 a setembro de 2020, o que leva o MP a concluir que teve
conhecimento privilegiado do alegado esquema de financiamento ilícito do PSD,
pactuando com o mesmo.
Em comunicado,
o PSD confirmou que “a sede nacional e a sede distrital do Porto foram
objeto de buscas por parte da Polícia Judiciária” e que “a investigação em
curso visa factos que remontam ao período de 2018 a 2021”, e garantiu que o
partido “prestará toda a colaboração solicitada pelas autoridades judiciais”.
Por seu
turno, o deputado Hugo Carneiro confirma as buscas, mas garante que sempre
defendeu o interesse público.
Já Rui Rio,
em declarações aos jornalistas, desvalorizou as suspeitas, alegando que são
apenas para “produzir uma notícia”, não percebendo do que a PJ andou à procura,
pois não foi constituído arguido. “Os pagamentos não são ilícitos, isto são os
partidos todos. Se alguma coisa aconteceu no meu tempo, foi uma reforma no
sentido de moralizar ao máximo tudo isto, que não é que estivesse mal, mas
moralizar, pôr direito”, afirmou.
Questionado
se estas notícias afetarão a sua imagem, Rio respondeu: “Isso é o que querem,
tudo isto é para afetar a minha a imagem, se afeta ou não, não sei, tenho 30
anos de vida pública, as pessoas já me conhecem. […] Eu estou fora da política,
não conto voltar à política, estou farto da política, mas às vezes...”
E informou
que não falou com a direção atual do PSD, até porque nem tem telemóvel, que foi
apreendido durante as buscas.
***
Entretanto, enquanto António Costa disse que
sempre concordou com Rio em que “não se deve fazer julgamento de tabacaria”,
dois socialistas põem “as mãos no fogo” pelo ex-líder do PSD.
O
ex-dirigente socialista Francisco Assis afirmou que o ex-presidente do PSD Rui
Rio é um “homem íntegro” e alertou para a grave ameaça à democracia que
constitui a “associação espúria” entre setores judiciários e mundo mediático.
Em nota
enviada à agência Lusa, Assis saiu em
defesa do ex-líder social-democrata: “O doutor Rui Rio, pessoa que conheço há
muitos anos, é um homem íntegro e incapaz do cometimento de qualquer ato lesivo
do bem público. A associação espúria de alguns setores do sistema judiciário
com um certo mundo mediático constitui uma grave ameaça para a democracia”,
vincou o presidente do Conselho Económico e Social, sustentando que “ignorar
esta evidência é fazer o jogo dos demagogos e dos extremistas”.
Também o
presidente da SEDES e membro da Comissão Política do PS, Álvaro Beleza, defendeu
o ex-presidente do PSD: “Neste caso, posso afirmar, com segurança, que ponho as
mãos no fogo pelo Rui Rio, que conheço há décadas. Tive com ele muitas
discordâncias, somos de partidos diferentes, mas é um homem sério e honrado”,
declarou à agência Lusa.
***
Obviamente, estamos
perante mais dois casos de justiça-espetáculo, em que sobressaem, as suspeitas
e as buscas, sem acusação devidamente especificada e com o mínimo de provas, o
que leva a condenações na praça pública, sem se dar tempo a que a Justiça faça
o seu trabalho e sem se ter em conta a presunção de inocência, prerrogativa de quem
ainda não foi objeto de decisão condenatória transitada em julgado.
Todavia, embora
concordando, com as declarações dos dois renomados socialistas sobre a perigosidade
deste género de atuação dos poderes públicos, para as pessoas e para as instituições
democráticas, penso que, tratando-se de pessoas ligadas a partidos políticos e
de assuntos atinentes, direta ou indiretamente, a um órgão de soberania, a AR, seria
de todo justificável que Rui Rio e Hugo Carneiro fossem ouvidos na AR, para tratamento
equitativo como o dispensado a Helena Carreiras e a João Cravinho. Com efeito,
além de eventual responsabilidade criminal, pode estar em jogo a responsabilidade
política. E deixemo-nos de conjeturas, como ser o caso de Capitão Ferreira mais
um dos “casos” e “casinhos” que impendem sobre o Governo ou como ser a investigação
a Rui Rio e a Hugo Carneiro um “fait divers” para distrair a opinião pública do
que se passa com o PS e para obnubilar problemas atuais do PSD.
É natural
que o Governo e o partido que o apoia estejam mais sob escrutínio público do
que outras entidades, facto a que não podem escapar.
2023.07.12 –
Louro de Carvalho
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