Na Liturgia da Palavra do 13.º domingo do Tempo Comum, no
Ano A, entrosam-se vários temas, todos eles atinentes ao discipulado, ficando
patente o estatuto do discípulo, que se sintetiza em se identificar com Jesus,
pelo batismo, e em assumir a missão de tornar presente na História e no tempo o
plano de salvação de Deus para os homens.
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A 1.ª leitura (2Rs
4,8-11.14-16a) prepara a catequese discipular, pela ênfase na hospitalidade e
no acolhimento, que induzem a adesão a Deus e ao seu desígnio, obtendo a recompensa
que a generosidade de Deus reserva a quem O acolhe e O segue. Mostra como todos
podem colaborar na realização do projeto de Deus. Diretamente (Eliseu) ou indiretamente
(a sunamita), todos têm um papel a desempenhar para que Deus Se torne presente no
Mundo e interpele os homens.
O rico, sempre
malvisto por causa das suas atitudes, neste relato, tem atitude de profunda fé
e de grande despojamento. Uma mulher rica, mas estéril, habitante de uma região
onde se adorava um deus pagão, patrono das pessoas desejosas de ter filhos, não
se deixa contaminar com essa religião. Ao invés, depois de hospedar, inúmeras
vezes, o profeta Eliseu, grande defensor de Javé, pede ao marido a construção,
em sua casa, de um quarto confortável para que o profeta pudesse descansar,
quando viesse em missão.
Após a morte de Salomão (932 a.C.), o Povo de Deus dividiu-se
em dois reinos: Israel, a norte, e Judá, a sul. Os dois reinos passaram a ter
vidas separadas e, mesmo, antagónicas.
Estamos no reino de Israel, em meados do século IX a.C.,
durante o reinado de Jorão (853-842 a.C.). As relações económicas, políticas e
culturais que Israel insiste em estabelecer com outros países tornam-no
vulnerável às influências estrangeiras e favorecem a entrada no país de cultos
diversos. Neste contexto, surge o profeta Eliseu, discípulo de Elias, a
continuar a obra do mestre, tentando trazer, de novo, os Israelitas aos
caminhos da fidelidade à aliança. O profeta faz parte de uma comunidade de
“filhos de profetas” (“benê nebi’im”), seguidores incondicionais de Javé, que
vivem na absoluta fidelidade aos mandamentos de Deus e não se deixam contaminar
pelos valores estrangeiros. Vivem pobremente e são regularmente consultados
pelo Povo, que neles busca apoio face aos abusos dos poderosos.
Eliseu é chamado, recorrentemente, o “homem de Deus” (‘ish
Elohim), título que designa o homem que é intérprete da Palavra de Javé junto
dos outros homens, Palavra poderosa, que opera maravilhas e que tem a
capacidade de transformar a realidade. Os “milagres” atribuídos a Eliseu, o
grande taumaturgo do Antigo Testamento (AT) são a expressão viva da força de
Deus, que, através do profeta intervém na História e salva os pobres.
O episódio em causa passa-se em Sunam, pequena cidade do Sul
da Galileia, não longe de Meggido, à entrada da planície de Yezre’el, em casa
de uma mulher rica e sem filhos. O caso da sunamita tem duas partes: a
descrição da hospitalidade da mulher ao profeta, recompensada por este com o
anúncio do nascimento de um filho; e a repentina doença e morte desse filho,
que exigirá nova intervenção do profeta, no sentido de devolver a vida ao
menino. A Liturgia da Palavra desta dominga fica-se pelo relato da generosa
hospitalidade que Eliseu encontra em casa da sunamita, que não se limita a
oferecer-lhe uma refeição, sempre que este passava por Sunam, no trânsito para
o e do monte Carmelo. Antes, manda construir, para o profeta, um quarto no
terraço da sua casa e mobilá-lo adequadamente.
E é de anotar que tudo é decidido em diálogo com o marido, o
que mostra que o empenho pessoal é necessário, mas não é suficiente: importa
que mobilize o outro ou os outros. Aqui, o pedido da mulher faz com que a ajuda
ao profeta fosse algo que envolvesse a sua família.
Mais: ela poderia ter pedido uma grande quantia para dar de
ajuda ao profeta, que ele receberia com gratidão e iria embora. Porém, a mulher
preferiu hospedá-lo em sua casa, proporcionando-lhe conforto pessoal e o afeto
de uma família. Além de permanecer fiel a Deus, tem a iniciativa de participar
na ação missionária do profeta.
Eliseu, cheio de gratidão, anuncia-lhe que, apesar de ser
estéril e de seu marido ser bastante idoso, será mãe. Ora, o que mais desejava
na vida era ser mãe, mas não o pedira aos deuses: mas fiel a Javé, Ele a
presenteia, para alegrar o seu coração, tão generoso e fiel.
Assim se percebe que o gesto da sunamita e do marido não se
circunscreve a tirar todas as consequências do “sacramento da hospitalidade”,
tão importante para os povos do Crescente Fértil, mas exprime o reconhecimento
de que Eliseu é um “homem de Deus”, que é preciso acolher, pois, através dele,
Deus age no Mundo. Ajudando Eliseu, a sunamita mostra a sua adesão ao Senhor e
manifesta a disponibilidade para colaborar com Deus no desígnio de salvação que
Deus tem para o Mundo e para os homens. Em resposta a esta generosidade, Eliseu
anuncia à mulher o nascimento de um filho, promessa de valor especial, dada a
quase impossibilidade de ter um filho, que pesa sobre o casal, devido à
avançada idade do marido.
O relato ensina que a colaboração com Deus na realização do
seu plano de salvação para os homens é fonte de vida e de bênção. Deus não
deixa de recompensar todos aqueles que com Ele colaboram. Por outro lado, o
trecho sugere que o projeto de salvação envolve toda a gente e é uma
responsabilidade que a todos compromete. Uns são chamados a estar mais na “linha
da frente” e a desenvolver uma ação mais exposta, ao passo que outros são
chamados a desenvolver uma ação mais discreta, mas não menos importante.
Numa Europa que se tornou um condomínio fechado, de onde é
excluída uma imensa multidão de pobres sem futuro e sem esperança, que mendigam
um futuro sem miséria, este episódio convida-nos a refletir sobre a
hospitalidade e sobre o acolhimento. É certo que os recursos não são
inesgotáveis, mas a política que seguimos em relação aos imigrantes está a
esconder uma boa dose de egoísmo e de falta de vontade de partilha. Ora, o dar
não nos despoja, nem nos faz perder seja o que for, mas é sempre fonte de vida
e de bênção. Porém, a dádiva não deve ser interesseira, mas desinteressada e
gratuita.
Há pessoas chamadas por Deus a deixar a terra, a família, os
pontos de referência culturais e sociais, a fim de dedicarem a vida ao anúncio
da Palavra. Não são super-homens ou supermulheres, mas são como quaisquer
outros, com as mesmas necessidades de afeto, de apoio e de solidariedade. É
nossa responsabilidade ajudá-los, não só com meios materiais, mas também com
compreensão, com solidariedade, com amor.
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O Evangelho (Mt 10,37-42)
é uma catequese sobre o discipulado, com vários passos: definição do caminho do
discípulo, que tem de ser capaz de fazer de Jesus a opção fundamental e de O seguir
na via do amor e da entrega da vida; mobilização de toda a comunidade testemunhar
a Boa Nova de Jesus; e promessa de recompensa àqueles que acolherem, com
generosidade e amor, os missionários do Reino. É a parte final do “discurso da
missão”, atribuído a Jesus, que o teria pronunciado pouco antes do envio dos
discípulos em missão, e que se constitui em catequese de Mateus, a partir de
diversos materiais, como os relatos de envio ou “ditos” de Jesus acerca dos
“doze” e várias outras “sentenças” que, originalmente, tinham outro contexto,
mas que, agora, foram selecionados para revitalizar a opção missionária da
comunidade.
O trecho em apreço divide-se em duas partes. Na primeira,
Mateus giza um conjunto de exigências radicais para quem quer seguir Jesus; na
segunda, sugere que toda a comunidade deve anunciar Jesus e põe na boca de
Jesus o anúncio de uma recompensa, destinada a quem acolher os mensageiros do
Evangelho.
Seguir Jesus não é fácil e consensual, ladeado de aplauso e de
encorajamento, antes comporta um caminho radical, que resulta de opção que
implica, muitas vezes, ruturas e escolhas exigentes. Não é admissível uma
situação ambivalente. Não é de menosprezar ou de desvalorizar a família ou os
amigos. Todavia, se a alternativa for optar por Jesus ou pela família (ou amigos),
a escolha do discípulo deve recair sempre em Jesus, a primeira lealdade deve
ser sempre com Jesus.
A família era a estrutura social que dava sentido à vida do
indivíduo, tal como agora, mesmo que monoparental, é estruturante da
personalidade do indivíduo e célula fundamental da sociedade. Assim, a rutura
com a família era – e é – a medida extrema de desenraizamento social. É verdade
que o discípulo não tem de romper com a família para seguir Jesus, mas não pode
deixar que a família ou os afetos o impeçam de responder, coerente e
radicalmente, ao desafio do Reino.
De igual modo, sucede com uma alternativa que se coloque em escolher
entre Jesus e as próprias seguranças. Aí a escolha discipular deve ser a cruz e
Jesus, pois, fazer da vida um dom a Deus e aos homens significa romper com os
esquemas que, ótica dos homens, dão comodidade. Com efeito, optar por Jesus e
segui-Lo até à cruz não é caminho de morte, mas caminho de vida, pois, quando o
homem aceita viver na obediência ao plano de Deus e fazer da vida um dom de
amor aos irmãos, encontra a verdadeira vida.
No atinente à recompensa a quem acolhe os mensageiros da Boa
Nova de Jesus, o evangelista aponta quatro grupos, que integram a comunidade e
que têm a responsabilidade do testemunho: os apóstolos, os profetas, os justos
e os pequenos. Todos eles têm a missão de anunciar a Boa Nova de Jesus. Os
apóstolos – que acompanharam sempre Jesus – são as testemunhas primordiais,
pois deles se diz que quem os recebe, recebe Jesus. Os profetas são os
pregadores itinerantes que interpelam a comunidade em nome de Deus e a ajudam a
ser coerente com os valores evangélicos. Os justos são os cristãos procedentes
do judaísmo, que procuram viver, na comunidade cristã, em coerência com a Lei
de Moisés. E os pequenos são os discípulos que não integram a comunidade em
pleno, pois estão em processo de amadurecimento da opção (são os catecúmenos
que estão a descobrir a fé, à espera do compromisso pleno com Cristo e com o
Evangelho. No entanto, todos, porque formam a comunidade cristã, têm a missão de
anunciar o Evangelho de Jesus.
Enfim, a questão fundamental é: a tarefa de anunciar o
Evangelho pertence a todos os membros da comunidade; e os missionários que
testemunham, de modo eminente, a Boa Nova e que dão a vida ao serviço do Reino
devem ser acolhidos com entusiasmo e com generosidade.
Quem prega, quem testemunha, quem acolhe, quem segue não fica
sem a generosa recompensa.
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A 2.ª leitura (Rm
6,3-4. 8-11) recorda o estatuto do cristão: alguém que, pelo batismo, se
identificou com Jesus e o Segue. Com efeito, ao ser batizado, renuncia ao
egoísmo e ao pecado, para viver no dinamismo da vida nova, passando o pecado a
ser algo de absurdo, já que, pelo batismo, o cristão se enxertou em Cristo, de
quem passou a receber a vida que o anima.
A vida de Cristo foi vivida no amor, na partilha, no dom
total de Si. Assim, ao viver a vida segundo Deus, Cristo matou o pecado; e a
cruz, como expressão de vida feita dom radical, é o golpe final no pecado (que
é egoísmo, autossuficiência, fechamento). A ressurreição mostra essa vida nova
que brota de um “não” firme ao egoísmo e ao pecado.
Ora os cristãos, pelo batismo, são enxertados em Cristo, ou
seja, passam a fazer parte do Corpo de Cristo e a receber de Cristo a vida que
os anima. Se neles circula a vida de Cristo, o pecado não tem aí lugar, mas só a
vida de dom, de entrega, de serviço, que leva à ressurreição, à vida plena. O batizado
sepulta o pecado e ressuscita para a vida, de onde o pecado tem de estar
ausente.
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O cristão sabe que Jesus recompensa. Porém, não deve fazer o
bem a pensar na recompensa, mas de forma gratuita, generosa. A recompensa tem
de vir por acréscimo.
Cristo vê a generosidade em prol da missão. Ao mesmo tempo em
que é exigente com os seus enviados, diz que aquele que receber um missionário terá
a recompensa, como se o acolhimento tivesse sido feito ao próprio Jesus.
Não nos esqueçamos do recado que o Senhor nos deu a respeito
de um gesto tão simples que é dar um copo de água ao que tem sede. E saibamos
que o Senhor está atento à generosidade de nosso coração, para nos retribuir
com o que é necessário para a plenitude da felicidade, que é o amor, amar e sentir-se
amado.
2023.07.03
– Louro de Carvalho
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