É verdade que a cimeira da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (NATO/OTAN) de Vilnius, na Lituânia, de 11 a 12 de julho, fica
marcada pelo objetivo comum do apoio à Ucrânia na guerra com a Rússia, tal como
no entendimento sobre o processo de adesão da Ucrânia à Aliança Atlântica.
Todavia, a divisão persiste no atinente ao envio de armas de fragmentação para
o teatro de operações no país que pretende ser aceite na NATO.
Foi, ainda antes do início oficial da cimeira, ultrapassada
a relutância da Turquia sobre a aceitação da Suécia na NATO e sobre a da
Turquia na União Europeia (UE).
O presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan, diz que a Suécia tem sido permissiva no
acolhimento de dissidentes turcos, que a Turquia define como terroristas, pelo que tem levantado entraves ao processo,
apesar dos esforços suecos para responder às exigências turcas. Entretanto, no
dia 10, prescindiu da sua visão sobre a atitude sueca para com os dissidentes e
aceitou propor ao seu Parlamento a ratificação da aceitação da entrada da Suécia
na NATO, desde que a UE, em particular, a Suécia, apreciasse, positiva e
celeremente, o pedido de adesão da Turquia à UE: “A Turquia está à espera à porta
da União Europeia há mais de 50 anos e quase todos os países membros da NATO
são agora membros da União Europeia. Estou a fazer este apelo a esses países
que deixaram a Turquia à espera, às portas da UE, durante mais de 50 anos.”
Com isto
concordam o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, cuja saída da liderança
da Aliança – “forte e unida” – se previa para agora, mas que se dá como reconduzido
por mais algum tempo, e pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Também a Hungria, que estava renitente, deu luz verde à
entrada da Suécia na NATO.
Outro ponto em que os membros da NATO estão de acordo é a
prudência em relação à entrada da Ucrânia na NATO. A aceitação na Aliança é
garantida, mas não agora, em que o foco se põe no esforço de guerra, com os aliados
a aumentar os orçamentos nacionais da Defesa.
Este entendimento vigou, apesar de o presidente ucraniano, ter voltado a pressionar a NATO
a avançar com a adesão da Ucrânia. Em mensagem publicada no Telegram e no Twitter, a caminho de Vilnius, para a cimeira da NATO, Volodymyr
Zelensky escreveu que será “absurdo”, se a Ucrânia não receber o convite para
integrar a Aliança: “É sem precedentes e
absurdo que não seja definido um prazo nem para o convite nem para a adesão da
Ucrânia [à NATO]. Em vez disso, algumas palavras vagas sobre ‘condições’ são
adicionadas, até mesmo para convidar a Ucrânia.”
***
Os aliados
europeus não podem deixar de contar com os Estados Unidos da América (EUA) para
garantirem a sua defesa. Joe Biden, que tem a vantagem de falar claro, respondeu
aos jornalistas que o interpelaram sobre as bombas de fragmentação: “Eles
ficaram sem munições.”
O presidente
americano já tinha explicado a difícil decisão, que passou por longa negociação
com a Ucrânia. Os arsenais dos EUA, que têm fornecido cerca de 70% do armamento
de que os Ucranianos precisam para resistirem à Rússia e para reconquistarem
terreno, são esgotáveis. O problema não é de agora. Em junho, a Ucrânia começou
a ficar sem munições, sobretudo obuses de 155 mm, as mais usadas; em março, na
véspera da contraofensiva, pediu 250 mil obuses, por mês à UE, cuja produção não
excedia as 20 mil unidades.
Os ministros
da Defesa decidiram a compra conjunta, mas levaram meses a debater como a pôr
em prática. A França queria que fosse feita só à indústria europeia, mas a
maioria dos restantes países, incluindo a Alemanha, queria fazê-la depressa e a
quem as tivesse. A guerra não espera. E a responsabilidade de manter o fluxo
constante de armamento para a Ucrânia tem cabido, em primeiro lugar, aos EUA,
que, a par das bombas de fragmentação, enviam mais um pacote de 800 milhões de
dólares.
Seja como
for, a decisão dos
EUA de entregarem a Kiev armamento proibido pela Convenção de Oslo divide os
aliados. No meio da polémica, o presidente dos EUA, foi, a 9 de julho, ao Reino
Unido, que se opôs à medida, tal como Portugal.
Antes de
se pôr a caminho de Londres, a primeira paragem (de três) na sua minitour
europeia, Joe Biden, tentou afogar a fervura da controvérsia surgida após a
confirmação do envio pelos EUA de armas de fragmentação para a Ucrânia. O
Pentágono e Zelensky explicaram que haverá registo rigoroso da utilização deste
armamento, partilhado com todos os parceiros. Além de que, alegam, tais bombas
evoluíram para uma versão menos perigosa para os civis, as principais vítimas
colaterais da sua utilização, e não serão usadas em território russo, mas só na
recuperação das regiões ocupadas em solo ucraniano.
O conselheiro de Segurança
Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, frisou que as munições a entregar têm
uma taxa de não explosão (ficam no solo por detonar) inferior a 2,5%, indicando
que haverá muito menos cartuchos não detonados que possam resultar em mortes
não intencionais de civis. E alega que as bombas de fragmentação que a Rússia
supostamente está a usar no conflito têm uma taxa de não explosão de 30 a 40%.
Mais de cem países, incluindo membros da NATO, como a França,
a Alemanha, a Espanha, o Canadá e Portugal, opõem-se ao uso de bombas de
fragmentação, pois ratificaram a Convenção sobre Munições de Fragmentação, ao
invés da Ucrânia, da Rússia e dos EUA. E António Guterres, secretário-geral da Organização
das Nações Unidas (ONU), condenou este uso.
“A Espanha tem um compromisso
firme com a Ucrânia, mas também tem um compromisso firme de que certas armas e
bombas não podem ser entregues em nenhuma circunstância”, afirmou a ministra da
Defesa espanhola, Margarita Robles. Tal dicotomia foi também expressa pelo
governo português. Em declaração conjunta, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e o Ministério da
Defesa Nacional (MDN) garantiram que Portugal continuará a apoiar a Ucrânia
“pelo tempo que for necessário, nos planos político, militar, financeiro e
humanitário”, mas recordam que o país é signatário da Convenção, de Dublin e de
Oslo, sobre Munições de Dispersão (2008), que promove a proibição de bombas de
fragmentação, alertando que podem provocar vítimas numa área muito alargada e,
por vezes, muito tempo depois de lançadas.
Este
foi um dos temas polémicos da conversa de Biden, em Downing
Street, com o líder britânico Rishi Sunak, um
dos primeiros a condenar o uso deste armamento. E, em Vilnius, repetiu os seus argumentos.
Segundo o jornal The Guardian, a discussão
iria centrar-se no envio de bombas de fragmentação e no alargamento da NATO, o que
efetivamente aconteceu.
Em entrevista à CNN,
Joe Biden deixou clara a sua posição sobre o segundo ponto da agenda da Aliança
Atlântica. Na sua opinião, a Ucrânia ainda “não está pronta” para entrar na
NATO, uma votação nesse sentido “seria prematura” e “dificilmente [a Ucrânia]
terá o apoio unânime dos membros, enquanto a guerra decorre”. O presidente americano
explicou que “entrar na NATO é um processo que leva algum tempo até ser
possível reunir todas as condições, desde a democratização até toda uma série
de requisitos”. Os EUA reafirmam, porém, que, “enquanto a Ucrânia trabalha para
alcançar todos os critérios para ser um membro da Aliança”, estão disponíveis
para “prestar apoio militar semelhante ao que é dado a Israel, há já tanto
tempo”.
Também António Costa rumou a Vilnius para a cimeira da
Aliança Atlântica. E, no dia 10, visitou os militares portugueses da Força Aérea empenhados na
Lituânia, no âmbito de missões da NATO. Chegou à Base Aérea de Siauliai, a
cerca de 200 quilómetros da capital lituana, ao final da tarde, acompanhado
pela ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras.
Após a cerimónia de boas-vindas
e da fotografia de grupo com as forças nacionais destacadas (FND), o
primeiro-ministro visitou várias aeronaves de combate, nomeadamente os caças
F-16, que os Portugueses usam na missão ‘Baltic Air Policing (BAT)’, de
patrulhamento do espaço aéreo. Posteriormente, participou num briefing sobre as operações em curso e,
ao início da noite, jantou com os militares portugueses, tendo, depois, rumado
à Cimeira da NATO.
Os
aliados da NATO, numa base rotacional, contribuem para estas medidas, de forma
flexível e escalável, em resposta à evolução da situação de segurança no flanco
leste da Aliança”, detalhou à Lusa o
Estado-Maior-General das Forças Armadas. Portugal e a Roménia sucederam, em março,
à França e à Alemanha na BAP e, no final de julho, outros dois Estados-membros ficarão
encarregues do patrulhamento aéreo – sinal de força e de solidariedade.
A BAP é a missão de
policiamento aéreo com o objetivo de proteger o território aliado e as populações
de ameaças e de ataques aéreos e de mísseis, podendo fornecer apoio a aeronaves
civis, por exemplo, quando perdem a comunicação com o controlo de tráfego aéreo.
Desde o início do conflito, os
aliados têm reforçado a presença no flanco leste da NATO, nomeadamente em
países como a Roménia, com Portugal a participar em duas missões que visam
contribuir para a capacidade de dissuasão e de defesa da Aliança: a ‘Tailored
Forward Presence’ e a ‘Enhanced Vigilance Activity’. Portugal participa com 118
militares e cinco aeronaves (quatro são F-16 M) em duas missões da NATO: as “Assurance
Measures” e a BAP. A primeira, iniciada em 2014, consiste em atividades de
presença contínua em terra, mar e ar, dentro e junto da fronteira leste do
território aliado, a reforçar a defesa, a dissuadir ameaças, a tranquilizar
populações e a deter potenciais agressões.
***
Arma ou bomba de fragmentação (em Inglês: cluster
bombs ou cluster munitions) é um artefacto explosivo que,
acionado, liberta grande quantidade de projéteis ou fragmentos menores, para causar
grande número de vítimas, já que, além da concussão causada pela explosão, os
fragmentos são lançados a alta velocidade em todas as direções, provocando
ferimentos graves ou mortais, numa área grande. O efeito na tropa é devastador:
além de mortos e de feridos, causa pânico generalizado, pela sua crueza e
brutalidade. Pode ser usada contra outros alvos – veículos, linhas de
transmissão e abrigos – e lançada a partir do ar ou do solo, podendo também ser
usada como mina terrestre. A médio prazo, causa ferimentos e morte na população
civil.
A definição
de armas de fragmentação inclui toda a munição, como granadas, foguetes e
bombas, que contenha grande número de bombas menores que, ao serem lançadas, se
espalham sobre uma área grande (equivalente a meia dúzia de campos de futebol).
Esses explosivos podem ficar intactos por muitos anos (não detonados), pelo que
representam perigo iminente para a população, podendo causar mutilações ou
mortes, quando explodem. A maioria das vítimas é civil.
Estas
submunições lançadas têm coeficiente de falha de 5% a 40%, podendo ficar
enterradas, sem explodir, por muito tempo, depois da guerra. Os especialistas
estimam que foram mortos, pelo menos, dez mil inocentes e foi mutilado um
número muito maior de pessoas, devido ao uso de bombas de fragmentação em zonas
de conflito espalhadas pelo mundo, desde 1965.
Vários
países usaram estas armas em conflitos. A Rússia usou-as na Geórgia;
a NATO, na Sérvia e no Iraque; Israel, no Líbano, em 2006; os EUA,
no Afeganistão, na Sérvia, no Laos e no Iraque, entre
outros. No Iraque, os EUA e o Reino Unido terão lançado cerca de um milhão
desses artefactos. Por curiosidade, as crianças agarram os miniprojéteis (minas
antipessoais) não explodidos, com forma chamativa, como bola de ténis ou lata
de refrigerante.
Por ser questão
de Direito Humanitário Internacional, começou, em 2003, a campanha
contra esses explosivos, de que resultou a convenção de 2008, negociada em
Dublin e ratificada em Oslo. Porém, há países que não lucram com um mundo
pacificado: dizem “paz”, mas querem a guerra!
2023.07.11 –
Louro de Carvalho
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