O Governo
apresentou o balanço da sua atividade, no Debate do Estado da Nação, que
decorreu na Assembleia da República (AR), a 20 de julho, no encerramento
do ano parlamentar. O balanço abarcou
as diversas áreas da governação e incluiu um capítulo sobre como Portugal
ultrapassou as crises geradas da pandemia e da invasão da Ucrânia.
Na Economia,
sobressai a manutenção sustentada da convergência dos principais indicadores
com a União Europeia (UE), enquanto o destaque, no campo social, vai para o
crescimento do emprego. Sobressai também o bom desempenho das empresas,
nomeadamente nas exportações e na empregabilidade, bem como os bons indicadores
dos serviços públicos, da Saúde à Educação, Segurança ou Justiça.
Obviamente,
o Partido Socialista (PS), que forma a maioria parlamentar de apoio ao Governo,
secundou, quase acriticamente, a leitura governamental do estado da nação. Ao
invés, a oposição considera pouco animadora a situação do país, quer no aspeto
quantitativo (números), quer no qualitativo (ambiente político e social).
Em maio passado, segundo números do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), o número de habitantes sem médico de família, que era de cerca de um
milhão, em 2015, subiu para cerca de um milhão e 700 mil, mais 365 mil do que
em 2022. Segundo o Conselho de Finanças Públicas (CFP), nas listas de espera
para consultas estão quase 600 mil cidadãos (um aumento de mais de 10% num ano).
Nas listas de espera para cirurgias, o número é de 235 mil (cerca de mais 20%
no período homólogo). E os tempos de resposta agravaram-se, com 32% dos utentes
atendidos para lá do prazo medicamente recomendado.
Na Educação, além de as estruturas funcionarem com elevada
turbulência e de os profissionais da educação apresentarem fortes índices de
descontentamento, agravaram-se as disparidades sociais, com os números da
Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência DGEEC) a evidenciar que,
nos exames nacionais, os alunos provenientes de famílias mais necessitadas têm,
em média, sobretudo no 9.º ano, resultados mais baixos do que aqueles cujo
agregado não atravessa dificuldades económicas, acrescendo que muitos alunos
carenciados nem sequer tentam candidatar-se ao ensino superior, tendência que,
aliás, também se incrementou. A oposição não considera a redução do abandono escolar, nem o aumento do
sucesso escolar.
Também os dados do PIRLS (Progress in International Reading
Literacy Study), estudo internacional que avalia o grau de literacia de leitura
dos alunos do 4.º ano de escolaridade, revelam que Portugal passou dos 541
pontos, em 2011, para os 520, em 2021, obviamente por via do facilitismo
crónico instalado no sistema, que alguns veem espelhado na redução, que o
Governo decretou, do número de exames nacionais obrigatórios, para a conclusão do
ensino secundário, o que permitirá a conclusão daquele ciclo de ensino nas
áreas das ciências e tecnologia e das ciências socioeconómicas sem a realização
do exame nacional de Matemática, ideia que mereceu, reparos do Presidente da
República (PR), aquando da promulgação do respetivo decreto-lei. Tal
facilitismo, acumulado ao longo de anos de políticas socialistas (e
socialdemocratas, acrescento eu), levou à progressiva deterioração da situação
em que, em matéria do conhecimento, os alunos se encontram quando ingressam no
ensino superior.
No atinente ao desemprego, no primeiro trimestre de 2023, a sua
taxa fixou-se em 7,2%, o que significa o aumento de 0,7%, face ao último
trimestre de 2022, e um crescimento homólogo de 1,3%. Nos últimos 12 meses, há,
assim, mais 72 mil pessoas sem trabalho. A oposição não vê o crescimento
líquido do emprego.
Nos cinco primeiros meses de 2023, a receita fiscal e contributiva
aumentou dois mil setecentos e cinquenta milhões de euros (devido ao brutal aumento
dos preços), excedendo, em cerca de 400 milhões, a previsão de crescimento para
todo o ano, constante do Orçamento do Estado. Porém, o aumento das prestações
sociais líquidas de contribuições e de outras transferências (incluindo as
medidas de mitigação do controlo da inflação) cifrou-se em pouco mais de 1100
milhões de euros. E a despesa de investimento apresenta valores
de execução muito baixos, tendo aumentado, marginalmente, face a 2022, e
encontrando-se longe da previsão orçamental, com o Banco de Portugal (BdP) a
antecipar, no concernente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a taxa
de 15%, para 2023, longe dos 32% anunciados pelo Governo.
Em termos globais, a economia começou a desacelerar, prevendo-se
que o crescimento baixe para 2,5%, em 2023, e para 1,5%, em 2024. E o crescimento
atual que deve-se, em parte, à dinâmica do turismo, para a qual as políticas
públicas pouco têm contribuído. Deveria a oposição fazer um estudo comparativo
com o crescimento na Zona Euro e sinalizar a recessão económica alemã.
A definição e a execução da política pública de Habitação vêm aos
soluços, são fragmentárias e insuficientes, devendo assacar-se a culpa ao Governo,
aos municípios e às imobiliárias. E as casas, de que a especulação fez alta
mercadoria, são raras e estão muito caras, quer para efeitos de compra, quer
para efeitos de arrendamento. Por consequência, das garagens e dos armazéns se
fazem casas, que, dentro em breve, terão altos custos, se não se
intensificarem, ousadamente, as políticas de habitação – articulando o direito
à propriedade com o direito à habitação.
Depois, são atacadas as atitudes e comportamentos do PS. Em vez de construir consensos
sociais, sempre necessários, mas sobretudo em tempo de dificuldade, o Governo
optou pela criação do clima de guerrilha nos diversos setores: na educação, com
os professores, na agricultura, com a principal associação representativa do setor,
na habitação, com os senhorios e com os empresários do alojamento local.
E vem, ainda, a degradação das instituições democráticas, como a
Justiça-espetáculo, o ineficaz combate à corrupção, as demissões de governantes
(o presidente do PS diz que deviam ser mais), as cenas degradantes no
Ministério das Infraestruturas, o desrespeito pelo PR, a utilização indevida do
SIS, a desresponsabilização no caso da TAP, a tentativa de instrumentalização
de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), etc.
Contra a propaganda do PS, a nação está cada vez pior, sem que
algo indicie melhoras.
***
Perante o
normal excessivo otimismo do Governo, com a justificação das contas certas e de
algum apoio social, com que contrasta a crítica, por vezes, demolidora da
oposição, o chefe de Estado reuniu, a 21 de julho, como prometeu em maio, o
Conselho de Estado, ouvidos os partidos com assento parlamentar, o que, não
fora a crescente irritação do PR com o Governo, seria sinal de grave decisão,
como a demissão do Governo ou a dissolução da AR.
A novidade é
o PR ter convocado o órgão que é suposto “aconselhá-lo”, para o dia
imediatamente a seguir ao do comício em que um primeiro-ministro (PM) transforma
o último debate parlamentar, antes de férias. Foi decisão premeditada e
assumida no rescaldo da ‘crise Galamba’, que opôs frontalmente PM e PR, a que
acresce a insatisfação que o relatório da CPI criou na oposição e nos ‘fazedores’
da opinião pública. Dada a sua atual composição, parece que a maioria dos
conselheiros não terá opinião favorável ao Governo. Alguns são muito críticos (Cavaco
sugeriu que António Costa devia ponderar demitir-se e, agora, foi muito
demolidor juntamente com Miguel Cadilhe), face à maioria absoluta socialista,
mas parecem não ter correspondido à expectativa criada pelo gesto presidencial.
A reunião terminou sem conclusões, tendo ficado assente uma segunda ronda, dados
os compromissos de agenda do PM.
Porém, o PR quis ser o último a falar no fecho do período que assinala 13
demissões na primeira etapa do Governo apoiado pela maioria dita “requentada” e
pré-anunciou admitir levar o tema TAP à reunião, dizendo, depois,
“publicamente”, o que achar conveniente.
O constitucionalista Vital Moreira já veio contestar, acusando o PR de
estar a fazer uma “ilegítima instrumentalização” daquele órgão, mas a
Presidência desdramatiza, lembrando que Marcelo já convocou outras reuniões
para debater a situação política e que tem inovado nos encontros com os
conselheiros, onde chegou a levar convidados estrangeiros e onde até já sentou
o presidente do Banco Central Europeu (BCE), para falar de política europeia.
O Presidente quis avaliar a situação política, económica e social do país,
no fecho de um ano difícil, desta vez por conta da guerra, da inflação
histórica e da crise económica na Europa, bem como da sucessão de casos numa
maioria que fraturou a coabitação Belém/São Bento, que arrasta focos de
conflito em setores como a Saúde e a Educação, que deixou estrangular a
Habitação, que tem dossiês a marcar passo (TAP e aeroporto, por exemplo) e que
deixa o Governo com pesados índices negativos nas sondagens. E o PR, atento às
sondagens, não sabe se nos quase de três anos que lhe restam de mandato e nos
dois que lhe sobram para usar o poder de dissolução da AR de que tanto falou,
terá a possibilidade de virar o jogo e de voltar a espoletar a ‘bomba atómica’.
Porém, todos os sintomas são de que não descarta nenhuma hipótese e de que
espera para ver se o desgaste do Governo atingiu ponto de não retorno ou se os
bons indicadores económicos, com as exportações, o turismo e o emprego a
correrem bem, evitarão o impasse. Em reunião com assessores da Casa Civil, o
Presidente antecipou as dúvidas com que encara o estado da nação, quando o país
parece espelhar uma contradição: as sondagens mostram um desgaste persistente
do Executivo, mas o desgaste não se traduz na vontade de mudar, já que a maioria
diz não querer eleições antecipadas e nem o maior partido da oposição, nem o
seu líder conseguiram descolar de forma clara. O Presidente quer ver se e
quando as pessoas – povo, nas sondagens, e partidos no discurso e na estratégia
– se cansam desta maioria. Com efeito, não tem certezas sobre a capacidade de Costa
para desencalhar a legislatura, o que será possível com uma grande remodelação,
com a mobilização de pessoas credíveis, que gere alterações qualitativas no
país. Ora, se o desgaste continuar, com impacto nas sondagens, tudo pode ser
diferente.
Momento importante para a decisão presidencial serão as eleições europeias
de 2024. O normal, sobretudo nos ciclos difíceis, é quem governa ser penalizado
em eleições intercalares e não será uma eventual derrota do PS que
impressionará o PR. Porém, se nada de substancial mudar e ainda houver a
derrota significativa do PS, é uma coisa; já, se o PM renovar a governação e
tiver uma derrota pouco expressiva, é outra. E o mesmo se diga das oposições,
sendo certo que estas eleições influenciarão a durabilidade do ciclo
governativo.
O Partido Social Democrata (PSD) não tem entusiasmado o PR, que não
escondeu, nas audições com os partidos, a frustração de pensar numa direita
dependente do Chega para chegar ao poder. O caso mudará de figura se, face a
desgaste continuado da maioria, o PSD e a Iniciativa Liberal (IL) derem sinais
consistentes de crescimento, dispensando a direita radical.
Entretanto, o PR manterá pressão e tensão sobre o Governo (as sondagens
mostram que a maioria quer que se mantenha exigente); não se assumirá como
oposição, mantendo uma agenda até mais institucional, em ano de eleições, mas
dirá ao país, quando divergir da maioria (como fez no caso da supressão do
exame nacional de Matemática); e não prescindirá de se afirmar como fator de
equilíbrio e de moderação.
Esta análise no Conselho de Estado é extemporânea. O relatório da CPI teve,
como é usual, a aprovação maioritária, mas as oposições consignaram em anexo as
posições em contrário. Por isso, o Ministério Público tem sempre a oportunidade
de verificar se há matéria que configure ilícito criminal em algum dos
depoentes. Não cabe ao PR tomar decisões. E o Conselho de Estado é órgão de
consulta do PR, supostamente para tomar decisões graves. O resto é
interferência nos outros órgãos de soberania, estatuto que o Conselho de Estado
não tem. Não é um senado nem um fórum de discussão.
2023.07.21 –
Louro de Carvalho
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