O estudo
COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative) da Organização Mundial da
Saúde (OMS)/Europa, ou sistema de vigilância nutricional infantil integrado,
coordenado pelo Instituto Ricardo Jorge (INSA) e apresentado a 27 de junho, revela
que, ao fim de quase 15 anos, Portugal logrou atingir a média europeia, em
relação à nutrição das crianças até aos 6 e 8 anos.
Segundo os
dados recolhidos e tratados pelo INSA, 31,9% das crianças portuguesas
registavam, em 2022, excesso de peso e 13,5% tinham obesidade. Não obstante,
estes números revelam uma inversão na tendência que se registava desde 2008,
ano em que se realizou o primeiro estudo sobre esta matéria. Assim, em 2022, Portugal já estava a par da média europeia.
O 5.º
relatório, entre 2008 e 2019, revelava que Portugal apresentava, consistentemente,
uma tendência invertida da prevalência de excesso de peso e de obesidade
infantil. Em 2022, (6.º relatório), a tendência não se confirma, registando-se um aumento de 1,6%, ou seja de
11,9% para 13,5%, na prevalência de obesidade infantil, e de 2,2%, ou seja de
29,7% para 31,9%, na prevalência de excesso de peso infantil. De acordo com
estes resultados, Portugal situa-se a par da média europeia (29%), com um terço
das crianças a apresentar excesso de peso.
Há
diferenças regionais na matéria. A região dos Açores foi a que apresentou maior
prevalência de excesso de peso – 35,9%, em 2019, e 43,0%, em 2022 – e o Algarve
foi a região com menor prevalência de excesso de peso: 21,8%, em 2019, e 27,7%,
em 2022.
Nos termos do mesmo estudo, as avaliações anteriores e a realizada em
2021/2022 permitem concluir que a prevalência de excesso de peso, incluindo a obesidade,
aumenta com a idade. Ou seja, 35,3% das crianças de 8 anos apresentam excesso
de peso, comparativamente com 29,8% das crianças de 6 anos.
Além destes
dados, o estudo COSI tem vindo a analisar fatores relacionados com o primeiro
ano de vida, que se relacionam com o aumento de peso na infância, tal como o
estado nutricional da mãe, o peso à nascença e o aleitamento materno.
Em relação à
taxa de aleitamento materno, o estudo revela que 90,1% das mães amamenta os filhos.
Em 2019 a taxa foi semelhante: 90,3% e superior, comparativamente a 2008
(84,9%). Mais uma vez a região dos Açores se destaca pela negativa, por ter
apresentado menor taxa de aleitamento materno (73,8%), e o Algarve, pela
positiva, reportando maior taxa (92,7%).
No atinente a hábitos alimentares das crianças, entre 2019 e 2022,
verifica-se que o consumo diário de fruta aumentou de 63,1% para 71,2% e o
consumo de até três vezes por semana de refrigerantes açucarados diminuiu de
71,3% para 69,1%. Na mesma frequência, o consumo de cereais de
pequeno-almoço aumentou de 41,5% para 45,8%, tendo igualmente aumentado o
consumo diário destes cereais, de 19,3%, em 2019, para 23,7%, em 2022.
Sobre a atividade física e comportamentos sedentários, de 2019 para 2022,
todos os parâmetros estudados relativamente às atividades sedentárias
aumentaram de 2,2% a 9,3%, com o maior aumento verificado no uso de
computadores para jogos eletrónicos (dias da semana), pelo menos duas horas por
dia, de 18,1% para 27,4%, entre os dois anos de referência.
Na avaliação
de 2021/2022, os pais/encarregados de educação reportaram que a maioria das
crianças (69,2%) ia de automóvel para a escola e 20,3% se deslocava a pé. Analisado
o ambiente escolar, em comparação com a avaliação de 2019, verificou-se a diminuição de disponibilidade
de alimentos como snacks doces e
salgados (de 11,1% para 5,7%), refrigerantes açucarados, sumos de fruta e bebidas
com gás açucaradas no recinto escolar (de 4% para 1%).
Ao invés,
verificou-se um aumento da disponibilidade de legumes (de 32,4% para 43,9%) e de
fruta fresca (de 62,2% para 72,2%). Para lá da monitorização da prevalência de
excesso de peso e de obesidade infantil, esta última avaliação do estudo COSI
incluiu, excecionalmente, um estudo (COSI/covid-19) de avaliação do impacto da
pandemia por SARS-CoV2 no estado nutricional e nos comportamentos associados ao
estilo de vida de crianças em idade escolar.
O COSI abrangeu um universo de 43 mil famílias de 13 países da Europa,
sob a liderança científica do INSA, em colaboração com o Gabinete Europeu da
OMS para a Prevenção e Controlo de Doenças Crónicas Não-Transmissíveis, com o
objetivo de conhecer e de compreender o impacto da pandemia nas rotinas
diárias, no bem-estar, nos hábitos alimentares, na atividade física, nos
comportamentos sedentários, na saúde mental, no estatuto socioeconómico das
famílias e na perceção do estado nutricional das crianças.
No caso de
Portugal, participaram 226 escolas na avaliação de 2022 e foram avaliadas 6205
crianças – um estudo feito em articulação com as Administrações Regionais de
Saúde (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve) e com as Direções
Regionais de Saúde dos Açores e da Madeira, constituindo-se como rede
sistemática de recolha, de análise, de interpretação e de divulgação de
informação descritiva sobre o estado nutricional infantil de crianças
portuguesas em idade escolar do 1.º Ciclo do Ensino Básico, dos 6 aos 8 anos.
***
Em todo o
caso, a obesidade é um grave problema de saúde pública no Mundo, problema
intensificado pela guerra, pela fome, pela míngua local de recursos, pela deslocação
forçada. Em alguns países, o problema é o do excessivo sedentarismo e dos maus hábitos
alimentares.
Em Portugal,
a obesidade é cada vez mais precoce; e, aos dois ou três anos, a incidência de
excesso de peso é de 30%. Por isso, a pediatra Carla Rego sustenta que a
prevenção deve começar nos cuidados primários de saúde e até antes da gravidez:
“Ou se trabalha a pensar nos próximos dez anos ou não vamos conseguir cortar o
ciclo”, vincava a 16 de outubro de 2021, Dia Mundial da Alimentação.
Com efeito,
essa efeméride, instituída em 1981, assinala-se a 16 de outubro, data da
fundação da Food and Agriculture Organization (FAO), agência da
Organização das Nações Unidas (ONU), para alertar e consciencializar o mundo
para os problemas conexos com a alimentação, nomeadamente a erradicação da fome
e o combate ao desperdício alimentar, mas passa também pelas preocupações
crescentes com a sustentabilidade dos sistemas alimentares e com o aumento da
obesidade no mundo. Segundo dados da ONU, enquanto 820 milhões de pessoas não
têm acesso a alimentos suficientes, mais de dois mil milhões de seres humanos
têm problemas de excesso de peso e de obesidade.
A OMS refere que a obesidade mundial triplicou desde 1975 e, segundo
dados de 2016, cerca de 650 milhões de adultos eram obesos, ou seja, quase 13%
dos maiores de 18 anos, no Mundo. A maioria
da população mundial vive em países onde os problemas associados ao excesso de
peso matam mais do que a falta de alimentos. Porém, a obesidade infantil não é
menos preocupante: em 2020, cerca de 39 milhões de crianças com menos de 5 anos
estavam com excesso de peso e mais de 340 milhões entre os 5 e os 19 anos
tinham peso a mais e obesidade.
A obesidade
é, pois, um problema grave de saúde pública. Contudo, pode ser prevenida. Este
é o grande desafio do século XXI e deve ser considerado uma prioridade pelos
governos, que têm um papel importante na criação de um ambiente favorável à
adoção das melhores práticas.
Segundo
dados da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), Portugal apresentava,
em 2021, uma taxa de excesso de peso infantil de 29,6%, sendo que 12% destas
situações constituem já um quadro de obesidade. Por seu lado, a Associação
Portuguesa contra a Obesidade Infantil (APCOI) estimava ter havido um aumento
médio de peso de 10% em crianças, no confinamento. Os cálculos realizados
mostram que, se cada criança tiver ingerido por dia, em média, cerca de 200-300
calorias extra, sem ter aumentado, na mesma proporção, o seu gasto energético
pela atividade física, isso quer dizer que, nos últimos dois meses de
confinamento, terão sido acumuladas 12 mil a 18 mil quilocalorias a mais, o que
corresponde a um aumento de peso de, pelo menos, dois quilogramas.
O relatório Health at a Glance, de 2019, realizado pela Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) coloca Portugal na nona
posição no ranking mundial de obesidade infantil, com a
prevalência de 37,1% nas crianças entre os 5 e os 9 anos. Este ranking é liderado pelos
Estados Unidos da América (EUA), com a incidência de 43% nesta faixa etária.
Também no respeitante aos adultos e aos adolescentes maiores de 15 anos,
Portugal fica mal posicionado: 67,6% da população portuguesa a partir desta idade
tem excesso de peso, o que indicia uma aproximação cada vez maior ao grau de
obesidade. Convém esclarecer, de uma forma simplista, que o peso a mais se
revela pelo cálculo da relação entre peso, altura e género, resultando daí o
índice de massa corporal (IMC), o qual, acima dos 25%, é excesso de peso, dos
30% aos 40%, é obesidade e, acima disso, é obesidade mórbida.
Carla Rego,
pediatra do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Porto, membro do
Conselho Científico da Plataforma contra a Obesidade da Direção-Geral da Saúde
e vice-presidente da SPEO, foi responsável pela criação e a implementação da
primeira consulta de obesidade pediátrica, em 1998, no Serviço de Pediatria do
Hospital de São João. “Verificámos, na altura, que a quantidade de crianças
obesas na consulta de pediatria era crescente. Estas crianças eram tratadas na
endocrinologia pediátrica, a meu ver, de forma errada, porque quase 98% da
obesidade é causada por fatores comportamentais. Por isso, a consulta de
obesidade infantil é multidisciplinar, envolvendo pediatra, nutricionista e
psicólogo.
O problema da obesidade é que esta é o reflexo dos comportamentos de há
10 ou 12 anos. E o primeiro fator identificado é a falta de responsabilidade da
parte dos decisores e dos educadores. Porém, em
situação de obesidade, a tendência é apontar o dedo à criança, que só é obesa
devido à sua trajetória pediátrica. Portanto, os decisores têm de perceber que
as mudanças têm de existir no ambiente global, seja escolar, seja familiar,
mas, sobretudo, a nível dos cuidados primários da saúde, para se intervir
precocemente no ciclo da vida. Para reverter o aumento da prevalência da
obesidade, o primeiro ponto onde atuar é o ambiente inicial, antes mesmo da
gravidez, porque é aí que se trava a progressão da obesidade no ciclo de vida.
Assim, os cuidados primários de saúde deviam ser apetrechados de
ferramentas e de equipas multidisciplinares, para sensibilizarem as futuras
mães na adoção de um estilo de vida saudável, a não aumentarem muito o peso e a
vigiarem o crescimento do lactante nos primeiros meses, sobretudo quando nasce
em famílias de maior suscetibilidade. Com
efeito, o primeiro ano de vida é a janela de oportunidades para moldar
comportamentos alimentares. Quando a criança aumenta progressivamente o IMC até
aos 5 ou 6 anos, acima do expectável, faz aumentar o número de células gordas,
número que nunca mais perderá, pois a célula gorda não morre.
Essa criança
só tem 50% de hipóteses de ser um adulto adequadamente nutrido. Se entrar nos
12 ou 13 anos e continuar com excesso de peso e obesidade, só terá 10% a 15% de
ser um adulto adequadamente nutrido. Se for mulher e se tornar gestante obesa,
transmitirá a suscetibilidade genética e, assim, perpetuará o ciclo da
obesidade.
Para Carla
Rego, uma campanha de dissuasão de aumento de peso, deve ser mais pedagógica do
que restritiva. “A pior coisa que nos podem fazer é colocar restrições à
frente. Por isso, tem de ser uma educação construtiva e baseada na
corresponsabilização de escolhas saudáveis.”
E penso que as
campanhas devem ser coerentes. Estabelecimentos escolares e de saúde não deviam
disponibilizar comidas plásticas e gulodices. O recurso ao telemóvel e ao tablet
deveria ser desincentivado no tempo livre e em família e procrastinado em
ambiente escolar, reservando-o para os momentos mais exigentes e necessários. E,
por exemplo, incentivar a frequência do ginásio e levar para lá, como para a
escola, os miúdos de carro por umas centenas de metros revela grande incoerência.
É preciso investir mais em atitudes do que em programas!
2023.07.17 – Louro de Carvalho
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