O termo
“farmácia”, proveniente do termo grego “phármakon”, que significa medicamento,
é associado à deusa grega Pharmakis, titular do conhecimento terapêutico,
sobretudo, das plantas.
Desde os
primórdios, as doenças e os acidentes, pela debilitância que originam,
concitaram a atenção individual e coletiva, para minorar ou anular os seus
perniciosos efeitos. Assim, a busca de substâncias e de processos para a cura é
constante e levou o homem ao encontro do fármaco.
No
Paleolítico, iniciou-se, para fins curativos, a utilização de plantas, de
derivados de animais e de minerais. E as terapêuticas assentavam em crenças e
em mitos, segundo os quais demónios causadores de doença e deuses proporcionavam
a cura aos que a merecessem.
Na antiga Mesopotâmia, os Sumérios dirigiam
preces aos deuses Ea, Anu, Inanna-Istar, Chamach e Marduk, divindades
relacionadas com o quotidiano das pessoas: dor de cabeça, pesadelos e outros
achaques. Outros povos da Mesopotâmia prestavam culto a outras divindades
conexas com a Medicina, nomeadamente, Ninazu deus-médico e o seu filho
Ningishrida, representado por dupla cabeça de serpente, e Gula, deusa da arte
de curar.
Nas
civilizações mesopotâmicas, era comum a crença de que os deuses decidiam da
incidência da doença, uma consequência de comportamentos que desagradavam às
divindades. E os deuses podiam curar o doente em recompensa por uma ação
benéfica ou pelo arrependimento.
Os
médicos eram os sacerdotes-médicos-farmacêuticos. Os sacerdotes separaram-se do
médico-farmacêutico na Antiguidade, ao passo que o médico se separou do
farmacêutico na Idade Média.
Médicos
e farmacêuticos, apesar de estes poderem ser barbeiros ou sacerdotes, gozavam
de prestígio social, devido à profissão, mas tinham responsabilidades e riscos
associados, pois cortavam-lhes a mão ou escravizavam-nos, se um homem livre
morresse numa operação.
Apesar
de o tratamento da Mesopotâmia ter origem religiosa, encontrou-se uma série de
tabuinhas com informação acerca das doenças, das terapêuticas e dos
medicamentos (de origem animal, mineral e vegetal). Referia-se a via de
administração de preparações medicamentosas e de veículos empregues, sendo os
mais utilizados o vinho, a cerveja e diversos óleos. E Ficou a referência ao
cultivo e à comercialização de plantas medicinais, assim como ao fabrico de
diversos produtos como corantes, sabões e cosméticos. Sobressai a tábua de
Nippur, que tem o título de documento medicinal mais antigo, remonta ao século III
a. C. e contém cerca de 15 receitas.
A
prática farmacêutica – bem evidenciada: até havia uma rua na Babilónia
destinada ao comércio farmacêutico – englobava operações como secagem,
pulverização, extração de sucos, filtração, decantação, maceração, digestão e
ebulição.
Os Egípcios foram tidos como povo
cuidadoso, quanto ao seu físico. Está ligada à beleza e ao cuidado com a pele
grande parte dos seus objetos, nomeadamente produtos de maquilhagem e perfumes.
Eram crentes na relação entre a doença e o castigo divino. Assim, havia a
associação de divindades à prática médica, com destaque para: Toth, deus da
ciência e da medicina e patrono dos médicos, e Imhotep, médico divinizado a
quem os gregos chamaram Asclépio. E estudos efetuados em múmias revelam que esta
civilização padecia de diversas patologias, nomeadamente oculares, de bexiga,
dos intestinos, tuberculose, doenças parasitárias, doenças da pele, obesidade,
hipertrofia genital, entre outros problemas. A função renal era desconhecida. E
os tratamentos eram acompanhados por palavras mágicas.
Os
doentes podiam ser tratados por médicos e por mágicos: os médicos recorriam à
magia para a preparação de medicamentos e os mágicos recorriam a medicamentos.
Os médicos-farmacêuticos do Egito são reconhecidos pela curiosidade e pelo
sentido crítico. São abundantes as anotações deixadas sobre os tratamentos
efetuados. Quando a Medicina e a Farmácia se separam da religião, começaram a
surgir funções e tarefas farmacêuticas: a recolha e armazenamento dos compostos
terapêuticos, a preparação dos medicamentos e a sua conservação.
No Mundo Clássico, ou seja, nas
civilizações grega e romana, também há relatos da existência de deuses conexos
com a Medicina e com a Farmácia (Pharmakis, já referida; Apolo, deus fundador
da Medicina; Artemisa, irmã de Apolo com poderes curativos para as mulheres;
Asclépio, Símbolo da Medicina; e Higia, filha de Asclépio, deusa da Saúde e da
Higiene), o que mostra a relação entre a doença e as causas divinas. Porém,
foram os Gregos quem iniciou a explicação da doença como evento natural.
Por
volta do ano 500 a.C., os filósofos questionaram a origem da doença e iniciaram
a procura da compreensão da Natureza. Surge, então, a teoria dos quatro
elementos – água, ar, fogo e terra – matérias a partir das quais tudo é
constituído. Hipócrates (460-355 a.C.), médico grego e tido como o “Pai da
Medicina”, desenvolveu a teoria dos humores (sangue, fleuma, bílis amarela e
bílis negra) para explicar a causa das doenças, baseado na teoria dos quatro
elementos. Os desequilíbrios entre os quatro humores estariam na base do
aparecimento da doença. O trabalho dos médicos era determinar, conforme o
estado do doente, que humor estaria em falta ou em excesso e estabelecer a
medicação adequada.
Iniciou-se,
então, a “farmacologia ocidental”. Vários documentos mostram como estava
avançada a prática farmacêutica, referindo o uso de cataplasmas, de gargarejos,
de pílulas, de unguentos, de óleos, de colírios, de ceratos, de inalações,
entre outros. E surgiram novas profissões, no âmbito farmacêutico, como
vendedores de medicamentos e preparadores de remédios.
É
difícil distinguir entre a medicina grega e a romana, pois a medicina romana
foi fortemente influenciada pela grega, daí a adoção do termo medicina
greco-romana.
Aquando
da formação do Império Romano, os
médicos gregos tiveram papel fundamental na implementação de uma prática médica
mais direcionada para o medicamento. Entre os médicos responsáveis pela
medicina greco-romana, destacam-se Pedanius Discórides (século I d. C.), médico
e naturalista grego de elevada importância para a evolução da Medicina. Foi o
autor do maior guia farmacêutico da antiguidade, De Materia Medica, com referências a mais de 600 substâncias ativas
derivadas de plantas, 35 produtos de origem animal e 90 minerais. É uma obra
extraordinariamente completa (na génese das disciplinas de Farmacologia e de
Farmacognosia), na qual Discórides descrevia todo o tipo de informação para
cada planta, desde o seu habitat à posologia e ao modo de administração. Outra
personalidade muito importante, contemporânea a Discórides foi Celso, que,
apesar das dúvidas quanto à sua profissão, médico ou enciclopedista, dispôs os
medicamentos em simples ou compostos. Os simples eram os diuréticos, os
purgantes, os narcóticos, os sudoríferos; e os compostos eram divididos em
pílulas, gargarejos, emplastros, unguentos, colírios e antídotos. E Galeno,
médico grego nascido no século II d. C., na obra De methodo Medendi (A Arte de Curar), desenvolve temas, como as
propriedades e a composição dos medicamentos simples e compostos, com base na
doutrina hipocrática.
A
terapêutica de Galeno (“Pai da Farmácia”) provocava o efeito contrário ao
sintoma do doente, por exemplo, se este sentisse frio, seria tratado com
medicamento quente. E Galeno descreveu a importância de aspetos como a correta
prescrição, o modo de administração, a quantidade necessária de princípio ativo
para exercer efeito terapêutico e a duração do tratamento.
A Medicina árabe do século VII teve como
objetivo a descoberta e a obtenção de substâncias dotadas de capacidades
terapêuticas. O contacto com a alquimia permitiu considerável avanço na
Medicina e na Farmácia. Foi quando surgiram os formulários farmacêuticos com
fórmulas e receitas médicas e com o modo de preparação. Alguns consideram que
foram os Árabes os responsáveis pela separação da Farmácia da Medicina, assim
como do desenvolvimento de novas formas farmacêuticas como xaropes, conservas,
confeções e elixires.
Nesta
altura, o conceito de farmácia é alterado e são exigidos conhecimentos técnicos
e científicos para exercer a profissão. O farmacêutico é o responsável pelo
conhecimento, pela procura e pela manipulação das substâncias terapêuticas, de
modo a obter medicamentos de fácil administração aos doentes. O medicamento
deve ser o mais semelhante possível ao alimento e só pode utilizar-se quando a
alimentação não consegue restabelecer o equilíbrio do organismo. Era grande a
importância do consumo e da qualidade de água. E, para diabéticos, recorria-se
à preparação de fórmulas à base de leite de vaca, que seria capaz de engrossar
o sangue.
Na Europa, os avanços significativos na
área da saúde iniciaram-se no século XII, com o aparecimento de três profissionais
de saúde: médico, cirurgião e boticário (de “apotheca”, armazém, no Latim). Em
1240, o rei Frederico II da Sicília, publicou a Magna Carta da Farmácia, pela
qual a profissão farmacêutica foi reconhecida como independente da médica.
A
farmácia europeia da época medieval, tendo por base a influência árabe, é
caraterizada por um espaço pequeno, tipo armazém aberto para o mercado. Atrás
do balcão, havia prateleiras com os medicamentos simples e compostos.
Procurava-se a utilização de substâncias exóticas, como o corno de unicórnio,
animal mítico que só podia se captado por uma jovem virgem. Beber um líquido a
partir do corno era uma forma de proteção contra a morte. Os farmacêuticos da
altura contornavam a incapacidade de captura deste animal com a utilização de
cornos de rinoceronte, de veado ou de antílope. O corno era o símbolo da
farmácia da Europa Ocidental.
A Idade
Média ficou também marcada pelo início da produção de perfumes, com álcool na
sua constituição, uma vez que foi em 1320 que os químicos italianos
desenvolveram o instrumento para a produção de álcool, denominado de serpentina
de refrigeração.
O Renascimento questionava tudo o que fora
desenvolvido até aí. E a saúde não foi exceção. Filipe Aurélio Teofrasto
Bombastus von Hohenheim, médico suíço que veio a adotar o nome de Paracelso
(pela vontade de demonstrar superioridade em relação ao enciclopedista romano
Celso), contestou tudo o que até aí fora escrito sobre Medicina e sobre
Farmácia, desde a teoria dos elementos até à teoria dos humores. E formulou a
nova teoria que defendia que a doença resulta, não de desequilíbrio entre os
quatro humores vitais, mas de anomalia do organismo, sendo que a saúde depende
do equilíbrio de três elementos: enxofre, mercúrio e sal. A anomalia, que é do
foro químico, tem de ser tratada pela utilização de químicos. A terapia de
Paracelso incluía, na sua maioria, tinturas, extratos e essências – em oposição
aos xaropes e extratos até aí utilizados – considerados como químicos, já que
eram obtidos a partir de processos de separação. Também agora, por oposição ao
conceito galénico, surge nova teoria quanto à utilização dos compostos. Os seguidores
de Paracelso sustentavam que o idêntico cura o idêntico, isto é, o medicamento
utilizado deve ser específico para cada patologia.
A época
paracelsiana destacou-se pelos avanços a nível químico e metalúrgico, na medida
em que foram desenvolvidos os processos de obtenção de compostos metálicos,
visando a utilização terapêutica de diversos metais como ferro, cobre, chumbo,
entre outros. E foi então que o farmacêutico deixou de ser apenas botânico e
passou a ser químico e botânico e os processos químicos como a destilação, por
exemplo, passaram a ser praticados nas farmácias.
Hoje, distingue-se entre laboratório
– para investigação e produção do medicamento –, farmácia hospitalar (armazém
do medicamento para ser aplicado no hospital) e unidade comercial farmacêutica
(farmácia comunitária), para distribuição onerosa do medicamento, habitualmente
sob prescrição médica, bem como o aconselhamento e o apoio o doente.
Enfim, é
longa, espinhosa e controversa a diacronia da ciência e da sua aplicação.
2023.07.09 –
Louro de Carvalho
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