Carlos Blanco
de Morais, professor catedrático de Direito Constitucional da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) defende a necessidade de introduzir
alterações à Constituição, mas critica a revisão constitucional “alargada” que,
atualmente, está em curso.
Em
declarações ao Diário de Notícias (DN), o constitucionalista disse que as
constituições não são “figurinos de moda que possam ser alterados, são normas estáveis”.
“São consensos de Estado e de regime que, de alguma forma, devem primar pela
estabilidade. Portanto, não podem estar sujeitas a modificações permanentes”,
explanou.
Estas
asserções foram produzidas no contexto do XI Fórum Jurídico de Lisboa, que
decorreu na FDUL, de 26 a 28 de junho, em torno do tema principal “Governança
digital” – iniciativa conjunta do
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do Instituto
de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa (ICJP/FDUL) – ou Lisbon Public Law (o único centro de investigação na
área do Direito classificado como excelente pela FCT – Fundação para a Ciência e
a Tecnologia) – e do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário
da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV).
FGV
é a sigla da Fundação Getúlio Vargas,
instituição de referência em ensino e em pesquisa no Brasil e no Mundo, para
estimular o desenvolvimento socioeconómico.
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Académicos, juristas, autoridades e
representantes da sociedade civil organizada, do Brasil e da Europa, reuniram-se
para dialogar sobre desafios, visões e diferentes aplicações de tecnologias
como fator estratégico de governança para gerar conhecimento e inovação, com
vista a melhorias na qualidade de vida da sociedade. Com efeito, o Fórum vem ocorrendo,
anualmente, como uma grande oportunidade de discussão, com o intuito de debater
grandes questões do Direito no Estado contemporâneo. E, nesta edição, foi
abordado um panorama de temas sobre a relação entre os principais aspetos
associados à gestão pública e à democracia, bem como aos princípios, às plataformas,
às metodologias, aos processos e às tecnologias digitais. Com temáticas transversais,
busca-se maior compreensão do debate sobre a avaliação dos impactos socioeconómicos
gerados pelo avanço tecnológico, conjuntamente com as mudanças sociais.
A importante colaboração entre os
três organizadores visa o desenvolvimento de atividades nas respetivas áreas de
domínio, votadas ao aperfeiçoamento de instituições públicas e privadas no Brasil,
em Portugal e noutros países.
Nesse sentido, a cooperação e o
diálogo buscam: a promoção conjunta de atividades voltadas para o aprimoramento
de modelos organizacionais e de gestão, principalmente no tocante à governança
de instituições públicas e privadas, visando a simplificação administrativa e
logística; o incentivo ao intercâmbio de conhecimento, à busca por inovação e à
produção de novas metodologias para projetos e políticas públicas; a
organização e a implementação de programas de difusão, bem como a discussão
sobre temas de interesse em comum, metodologias e conceitos desenvolvidos nas
três instituições; e a atuação conjunta em atividades académico-científicas e
de pesquisa, além de diagnosticar ou amenizar os impactos da globalização e das
mudanças sociopolíticas nos campos da gestão de crises, da governabilidade, da
tributação, da saúde, entre outros.
Além disso, a 11.ª edição do Fórum
Jurídico de Lisboa, em parceria com a Future Carbon Group, realizará ação
inédita, ao neutralizar as suas emissões de carbono e ao tornar-se um evento
carbono neutro. Do seu lado, a Future Carbon calculará a pegada de carbono do
evento, produzindo um inventário de emissões e doando a quantidade equivalente
em créditos de carbono provenientes de projetos de conservação florestal da
Amazónia. São projetos desenvolvidos, do início ao fim, pela Future Carbon, em
áreas privadas de conservação florestal na Amazónia, aprovados pelas
certificadoras internacionais Verified Carbon
Standard (VERRA), anteriormente Voluntary
Carbon Standard (VCS), e Padrões de
Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB).
Após a Sessão de Abertura, Dieter
Grimm, um dos maiores catedráticos de Direito Público e Constitucional
alemão e juiz do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, Gilmar Ferreira
Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil e professor do Instituto
Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, e Miguel Nogueira de Brito,
advogado e professor auxiliar da UL, abordaram o tema nevrálgico “Como
salvar a Democracia Constitucional”.
Em cada um dos três dias, foi tratado
um eixo temático, com temas desenvolvidos em painéis e em mesas-redondas.
Assim o
eixo temático 1: “Estado democrático de direito e defesa das instituições”
desdobrou-se nos painéis temáticos: “Riscos
para o Estado de Direito e defesa da democracia”; “O papel das forças armadas no Estado Democrático
de Direito”; e “Novas formas de
populismo e relações de tensão com o Estado democrático”. E as mesas-redondas
abordaram os temas: “Mecanismos de aprimoramento das investigações criminais:
reflexões sobre o poder de investigar”; “Segurança pública, força policial e liberdade de reunião: desafios
democráticos”; “Desafios do
ensino superior após a pandemia: inovação e qualidade”; “Mudanças climáticas e
desastres naturais”; “Saúde,
governança, sustentabilidade e inclusão social; “Responsabilidade social: uma emergência”; e “Interpretação dos contratos na era digital”.
O eixo
temático 2: “Estado Democrático de Direito e
defesa das instituições” desdobrou-se nos painéis temáticos: “Inteligência artificial e governança
algorítmica: desafios regulatórios”; “Efeito Bruxelas: as novas regulações europeias para economia digital (DMA: Direct Memory Access; e DSA: Desenvolvimento
de Sistemas de Automação) e suas influências no Brasil e em Portugal”; “Políticas públicas de inclusão digital e digitalização das relações entre
a administração e os cidadãos”; “Responsabilidade
das plataformas por conteúdos ilícitos e riscos sistémicos”; e “Plataformização do trabalho e gig-workers”. E
as mesas-redondas abordaram os temas: “Inteligência artificial e (in)justiça: como lidar com o potencial
discriminatório de decisões automatizadas”; “Impacto do mundo digital no
direito penal”; “Reforma tributária no
mundo digital: o governo, o judiciário e o contribuinte”; “Governança digital e as inovações
legislativas tokenização: o
impacto digital na atividade cartorária”; e “Meios
alternativos de resolução de conflitos”.
E o eixo
temático 3: “Políticas públicas,
desenvolvimento, responsabilidade fiscal e socioambiental” desdobrou-se nos
painéis temáticos: “Desenvolvimento e
responsabilidade socioambiental na economia globalizada”; “Contas públicas e equilíbrio fiscal”; “Integridade, diversidade e governança esg [sustentabilidade
e ambiente]: setor privado como instrumento de políticas públicas”; e “Defesa da democracia e liberdades
fundamentais”. E as mesas-redondas abordaram os temas: “Turismo, infraestrutura, governança e
perspetivas”; “Políticas de
infraestrutura e crescimento económico: entre desestatização e re-estatização;
“Sustentabilidade e o marco legal do
saneamento básico no Brasil”; Recuperação
de empresas – a eficácia do modelo brasileiro”; “Compromisso público e privado na descarbonização; “As recentes alterações no sistema de
precatórios”; e “A nova regulamentação de
fundos de investimento no Brasil – perspetivas.
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No final do XI Fórum Jurídico de
Lisboa, Carlos Blanco de Morais, em conversa com o DN, mostrou-se crítico do processo de revisão constitucional em
curso e fez um balanço do encontro que decorreu na FDUL, onde é professor de
Direito Constitucional.
Considerando as constituições como “consensos
de Estado e de regime, que, de alguma forma, devem primar pela estabilidade”,
sustenta que “não podem estar sujeitas a modificações permanentes. Não
obstante, aponta duas áreas cuja revisão lhe parece importante: os metadados e
a criação de um “instituto [legal]” que permita, em caso de necessidade,
introduzir restrições por motivos sanitários, como pandemias.
Quanto aos metadados, julga “fundamental
que exista a possibilidade – com a intervenção das autoridades
judiciárias – de, para efeitos de combate à
criminalidade e para defesa do Estado democrático e [para] segurança pública, se escrutinar,
não os conteúdos, mas o tráfego da comunicação de pessoas que estejam a ser investigadas”. Isto, como defende, é “fundamental”
como “elemento preventivo” e como elemento “probatório”, devendo ser “salvaguardados
os efeitos passados” e evitando mexer em processos judiciais já terminados. É,
por isso, crítico da decisão do Tribunal Constitucional (TC) em declarar
inconstitucional a norma que previa a conservação destes dados para efeitos de
eventual investigação criminal.
Sobre a hipótese da criação de eventual
figura de lei específica para motivos sanitários, vê espaço para mexidas no
artigo 27.º da Constituição (“Direito à liberdade e à segurança”), onde pode ser aberta “a
possibilidade de se restringir a liberdade de circulação e de se poder fixar
cidadãos em certas zonas do território, devido a cercas sanitárias”, o que não
está previsto.
E, além destas duas áreas – da agenda
da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e que parecem reunir consenso
entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD) –, aponta
outra onde podia haver alterações: a lei das entidades reguladoras. Para o
professor – que foi consultor de Assuntos Constitucionais da Casa Civil da
Presidência de Cavaco Silva –, as entidades reguladoras deviam ter os membros
dos órgãos executivos propostos pelo governo e designados pelo Presidente da
República.
Além disso, com a guerra na
Europa, Blanco de Morais vê espaço para mexer noutro aspeto: as Forças Armadas. “Devido
à lei Freitas do Amaral, de 1982, [Lei n.º 29/82, de 11 de dezembro, artigos
17.º e 18.º] as missões foram quase exclusivamente focadas na defesa
militar do Estado contra agressões externas”, diz, considerando que as Forças Armadas
precisam “de ter meios para poderem defender, com o uso da força, as
infraestruturas militares: quartéis, comboios militares, por exemplo”.
Face a “uma ameaça terrorista ou indeterminada sobre infraestruturas, como [as
de] abastecimento de eletricidade, de água, telecomunicações, as Forças Armadas
deviam poder assegurar, transitoriamente, a guarda dessas infraestruturas”. Por
isso, o artigo 275.º da Constituição devia ser clarificado. É, sobretudo nisto –
diz o constitucionalista – que “a Constituição está um pouco desatualizada,
face a estas novas ameaças do terrorismo e da criminalidade organizada”.
Sobre o encontro na FDUL, em que,
além do exposto, houve intervenções de figuras como Marcelo Rebelo de Sousa,
Presidente da República, Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da
República, Michel Temer, ex-presidente do Brasil, ou ainda Flávio Dino,
ministro da Justiça brasileiro, o balanço feito por Blanco de Morais é
positivo. “Deu-se um passo em frente na discussão científica das relações entre
novas tecnologias e Direitos Fundamentais”, considerou, anunciando que as
intervenções serão transformadas em artigos científicos, a publicar,
depois, em livro. “Foi talvez o melhor fórum destes 11 já realizados. […] De
facto, até pela quantidade de mesas e pela qualidade dos oradores, acho que este
fórum excedeu todas as expectativas”, afiançou.
E revelou que, para garantir a mais
alta qualidade e integridade dos créditos, as ações vão além da preservação da
floresta e da biodiversidade: parte da receita será aplicada em projetos de
impacto social, em particular, em iniciativas de concretização dos objetivos de
desenvolvimento sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que
mostram o compromisso e potencial do Brasil como protagonista na agenda de
descarbonização.
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Estes debates são relevantes. Já os
casinhos devem ser resolvidos administrativa ou judicialmente.
2023.07.07 – Louro
de Carvalho
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