Quando o país
se inclina mais para o litoral, no verão, será oportuno questionarmo-nos porque
é que a praia vem encolhendo, sob pressão de taxas médias anuais de recuo da costa
na ordem dos 10 metros em algumas zonas do litoral.
É o problema
da erosão, um problema global, sendo, em Portugal, a costa a norte do Tejo, uma
das zonas mais afetadas. E, a este respeito, o hidrobiólogo Bordalo e Sá,
investigador do ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, assegura
que 60% da linha de costa do Norte do país
pode estar em risco, por
falta de areia, e que “algumas praias podem mesmo desaparecer”.
Segundo o especialista, muitas das razões assentam em “causas naturais
amplificadas pela ação do homem”. À partida, sobressai a subida do nível médio
da água do mar, devido ao derretimento das calotas polares, às alterações
climáticas e às suas implicações na alteração dos padrões dos ventos que
influenciam, em grande medida, as correntes e ondulações, da “ocupação
irracional crescente das zonas costeiras”.
Logo “na
frente marítima do Porto”, há praias de bandeira azul em que, na maré alta, o mar
cobre o areal, pelo que “já nem podem ser consideradas praias”.
E, falando do rio Douro, “a grande fonte de areia das praias no Norte”,
Bordalo e Sá
revela um dado que deixa entrever a dimensão do problema: “Há 50 anos, o caudal do Douro transportava um valor médio anual de dois
milhões de toneladas de areias que alimentavam a costa. Hoje, depois de todas
as barragens, não vai além das 250 mil toneladas.” “E a tendência é de agravamento do quadro atual, com
a construção de novas barragens nos afluentes do rio”, sublinha.
Na zona de
Aveiro, em risco de submersão, como garante Cristina Bernardes, do
departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, “a falta de areia na praia
também é explicada pelas barragens no Douro”. Na verdade, como adverte o Climate Central – cujo mapa tem a
vermelho a zona da Ria, pelo risco de submersão – “um
nível de água de um metro acima da linha da maré alta pode ser alcançado por
meio de combinações de aumento do nível do mar, [de] marés e [de] tempestades”.
“As correntes promoviam o transporte, ao longo da costa, dos sedimentos
libertados pelo rio junto à foz, no Porto”, diz a geóloga costeira, para
explicar o impacto do travão imposto pelas barragens no transporte deste caudal
sólido até 50 quilómetros da foz do Douro.
A especialista, em 25 anos de trabalho, ficou com a ideia de quanto pode
uma praia encolher, mesmo que alimentada artificialmente, por exemplo, com
areia retirada do canal de navegação do porto, como sucede em Aveiro: os grandes areais de mais
de 100 metros de largura que encontrou quando começou a monitorizar a costa
“estão reduzidos a faixas de 50 a 20 metros e são até quase inexistentes em
algumas zonas”.
Como estes
especialistas deixam entrever, as causas naturais são um fator relevante de
erosão, nomeadamente no que toca à falta de areia, e a ação e a negligência humanas
constituem uma agravante. Contudo, a ação demolidora por parte do ser humano,
que dispõe de poderosos instrumentos de intervenção na Natureza, é cada vez mais
evidente na depauperação dos recursos.
Aponta-se,
com razão, o excessivo consumo e enorme desperdício de água. Porém, pouca gente
se apercebe de que, logo a seguir ao consumo de água, surge a areia como o recurso natural mais
explorado no planeta. Essencial nas indústrias da construção,
do sabão, das tintas, do vidro, da eletrónica, do asfalto, nas infraestruturas públicas
e em muitas outras atividades, a areia parece estar a ser engolida pelo mundo
desenvolvido; e a areia do deserto é, praticamente, inútil, pela dificuldade do
seu manejo in loco, bem como pela
impossibilidade do seu transporte.
Segundo do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP), “todos os anos, são
extraídas pelo homem 50 mil milhões de
toneladas no Mundo”.
Na verdade, citando um relatório do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA) apresentado a 26 de abril de 2022, o UNEP, considera que 50
biliões de toneladas (50 mil milhões, em contas europeias), o suficiente para
construir um muro de 27 metros de largura e 27 metros de altura ao redor do
planeta Terra, é o volume de areia e de cascalho usado a cada ano,
tornando-se o segundo recurso mais usado no Mundo, depois da água. E, pela
nossa dependência dela, a areia deve ser reconhecida como um recurso
estratégico e a sua extração e uso têm de ser repensados, pois, como
refere a imprensa internacional, se
nada se fizer em contrário, a procura aumentará 45%, em quatro décadas, segundo um estudo, de 2022,
da Universidade de Leiden, na Holanda, motivo para a revista The Week – recuperando
um trabalho publicado pela BBC Future,
em 2019, a denunciar mortes ditadas pelos negócios de areia comum – perguntar,
em alerta: “Porque é que o mundo está a ficar sem areia?”
O relatório do PNUMA – que fornece a orientação de especialistas mundiais necessária para mudar
para práticas aprimoradas de extração e para a gestão de recursos – segue
as resoluções “Governança de recursos ambientais” e “Infraestrutura sustentável”, adotadas
na quarta Assembleia Ambiental das Nações Unidas (UNEA), a 15 de março de 2019,
que pedem ações para o manejo sustentável da areia, mandato confirmado na
UNEA-5, a 2 de março de 2022, na resolução “Aspetos ambientais de gestão
de minerais e de metais”, adotada por todos os Estados-membros. E
segue a moção “Pela gestão global urgente dos recursos arenosos marinhos e costeiros”,
aprovada pelo Congresso Mundial de Conservação da IUCN (União Internacional
para Conservação da Natureza), a 1 de
setembro de 2020.
Efetivamente, a extração
de areia dos sítios onde ela desempenha um papel ativo, como os rios e os ecossistemas
costeiros ou marinhos, pode levar à erosão, à salinização de aquíferos, à perda
de proteção contra tempestades e contra impactos na biodiversidade, que representam uma ameaça aos
meios de subsistência, entre outros, o abastecimento de água, a produção de
alimentos, a pesca ou a indústria do turismo.
Segundo o
relatório, a areia deve ser reconhecida como um recurso estratégico, não só
como material de construção, mas também pelas suas múltiplas funções no meio
ambiente. Por consequência, os governos, as indústrias e os consumidores
devem precificar a areia de forma que se reconheça o seu verdadeiro valor
social e ambiental. Por exemplo, manter a areia nas costas pode ser a
estratégia mais económica para adaptação às mudanças climáticas, protegendo
contra as tempestades e contra os impactos do aumento do nível do mar. E esta
finalidade deve ser levada em consideração, para determinar o seu preço e
restringir a sua venda.
Também deve
ser desenvolvido um padrão internacional sobre como extrair a areia do ambiente
marinho. Isso pode trazer melhorias significativas contra o facto de as
dragagens marítimas ser feita por meio de licitações públicas abertas a
empresas internacionais. E o relatório recomenda a proibição da extração
de areia das praias, devido à sua importância para a resiliência costeira, para
o ambiente e para a economia. “Para
alcançar o desenvolvimento sustentável, precisamos de mudar, drasticamente, a
forma como produzimos, construímos e consumimos produtos, infraestruturas e
serviços. Os nossos recursos de areia não são infinitos e precisamos de os
usar com sabedoria. Se conseguirmos entender como gerir o material sólido
mais extraído do Mundo, podemos evitar uma crise e avançar em direção a uma
economia circular”, disse Pascal Peduzzi, diretor do GRID-Genebra no PNUMA e
coordenador geral do programa para o relatório.
É verdade que
a areia é fundamental para o desenvolvimento económico, necessária para
produzir o betão e para construir infraestruturas vitais, desde casas e
estradas até hospitais. Todavia, ao fornecer habitats e criadouros para
diversas flora e fauna, desempenha uma função vital no apoio à biodiversidade,
incluindo plantas marinhas que atuam como sumidouros de carbono ou filtram a
água. A gestão deste recurso é crucial para atingir os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) e para enfrentar a tríplice crise planetária
de mudança climática, de poluição e de perda de biodiversidade. No
entanto, a areia está a ser utilizada mais rapidamente do que a capacidade da
sua reposição natural, pelo que é crucial a sua gestão responsável e equilibrada,
de que é inimiga a sede desenfreada de lucro e de comodidade.
Os
investigadores observam que há soluções para avançar em direção a uma economia
circular para a areia, incluindo, entre as diversas medidas políticas, a
proibição do depósito de resíduos minerais em aterros e o incentivo à
reutilização da areia em contratos públicos. Rocha britada ou material
reciclado de construção e de demolição, bem como “areia de minério” de materiais
rejeitados de minas estão entre as alternativas viáveis à areia que devem ser
incentivadas.
São, pois, necessárias
novas estruturas legais e institucionais para que a areia seja governada de
forma mais eficaz e para que sejam compartilhadas e implementadas as melhores
práticas. Além disso, os recursos de areia devem ser mapeados, monitorados
e relatados. Enquanto isso, todas as partes interessadas devem estar
envolvidas nas decisões conexas com a gestão da areia, para permitir abordagens
baseadas no local e para evitar soluções de figurino único.
***
O Congresso Mundial de Conservação da IUCN recomenda aos Estados e a outras autoridades
relevantes: o apoio à implementação de planos estratégicos de gestão das areias
terrestres e marinhas ao nível regional, insular, ou de unidades
geomorfológicas, com base no estudo dos fluxos sedimentares de montante para
jusante, e tendo em conta os efeitos das alterações climáticas (subida do nível
do mar, intensificação de ciclones, etc.), de forma a garantir o uso
sustentável da areia; e a garantia de que a gestão e a regulamentação das
atividades de extração de areia sejam feitas de forma sustentável, fazendo uso,
por exemplo, do quadro das Convenções Regionais dos Mares e dos seus
protocolos.
Ao mesmo
tempo exorta o setor privado e outras partes interessadas a começar
voluntariamente a usar soluções alternativas para areia sempre que possível; convida
a pesquisa pública a contribuir para a identificação de alternativas de areia,
para facilitar a sua ampla aceitação; e apela às comunidades, às organizações
da sociedade civil e às agências governamentais a que relatem e tomem medidas
drásticas para interromper todas as atividades ilegais de mineração de areia, a
que tomem medidas apropriadas para a reposição ou a restauração deste recurso e
a que solicitem, sistematicamente, avaliações de impacto (para projetos legais
de mineração de areia) que abordam os impactos da biodiversidade e os impactos
da erosão.
***
Quanto a
Portugal, cujo Interior está em vias de desertificação, mas levará muito tempo
a acumular-se aí a areia, que evitará a produção de fauna e de flora
tradicionais. Entretanto, a areia falta no mar, na costa, nos rios e onde é ecologicamente
necessária. E nós que éramos um país, de sal, de sol e de areia, passaremos a
ter um sol cada vez mais escaldante, sem água, sem areia sem sal. Enfim,
crestados e insossos, mas sem areia para exposição a banhos de água e de sol.
2023.07.10 – Louro de Carvalho
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