Carlos
Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, apresentou, a 19 de julho, na
reunião de câmara do executivo, o “Documento Estratégico de Gestão de Resíduos
de Lisboa 2030”, para ser votado e para, sendo aprovado, ser submetido à
participação pública.
O documento
estabelece medidas com vista à aposta em ecopontos inteligentes e na reciclagem
de têxteis ou na criação de centros de receção e de reutilização de resíduos,
bem como no alargamento das redes de recolha seletiva porta-a-porta e de
recolha de resíduos alimentares, para reduzir a produção de lixo e para aumentar
a recolha seletiva na cidade.
“A
implementação de um sistema PAYT [Pay As You Throw] e a recolha de biorresíduos
são duas das principais estratégias”, lê-se no texto, que enuncia outro
objetivo estratégico: a melhoria da limpeza urbana e o combate ao littering,
onde a articulação entre o município e as juntas de freguesia e a melhoria dos
equipamentos usados para a limpeza urbana serão pontos essenciais.
O PAYT
consiste em o munícipe pagar um valor que varia conforme o número de
vezes que é recolhido o seu contentor
de resíduos indiferenciados. Por sua vez, littering é a designação inglesa para “lixo”, aqui entendido como a deposição de resíduos em locais desadequados.
De acordo
com a Câmara de Lisboa, em 2022, foram recolhidos 579 quilos de resíduos por
habitante, na capital, 70% dos quais indiferenciados e 30% de recolha seletiva.
Um valor acima dos 529,3 quilos que tinham sido estabelecidos como objetivo
para 2020. Os números da recolha seletiva eram mais positivos: 97,4 quilos
recolhidos por habitante, em 2019, acima dos 66 quilos que estavam
estabelecidos como meta para 2020.
Para atingir
o objetivo de prevenir e de reduzir a produção de resíduos nos próximos sete
anos, o município pretende, entre outras medidas, criar centros de receção e de
reutilização de resíduos, construir o espaço de partilha no HUB do Beato (CoREPAIR), continuar o
projeto RIPAS, dedicado à reutilização de madeiras e móveis usados, e aumentar
a recolha seletiva de têxteis e o seu encaminhamento para reutilização ou
reciclagem, através da promoção da compra, da venda, em segunda mão, e de aluguer
de vestuário, dar apoio a lojas sociais de venda de produtos usados, e apostar
na realização de mais REPAIR Cafés e na criação de feiras temáticas para a
troca e para a partilha de produtos.
No atinente
a aumento da recolha seletiva de vários tipos de resíduos, está nos planos da
autarquia implementar a recolha seletiva porta-a-porta, em novos fogos,
alargando a rede existente, “investir em viaturas de recolha e em tecnologia,
como sensores de enchimento dos contentores, o que permitirá otimizar as rotas
de recolha” seletiva de vidro, que atingirá os 70%, em 2030, alargar ao setor
residencial a rede de recolha seletiva de resíduos alimentares e alargar o
sistema de recolha óleos alimentares, usados nos bairros históricos, com a
instalação de mais oleões e a extensão da rede de recolha de pilhas e a
implementação de mais pilhões.
É intenção
da autarquia estabelecer parceria com a futura entidade gestora dos Sistemas de
Depósito e Reembolso, para garantir, em Lisboa, a recolha de embalagens de
bebidas de uso único e para apostar na compra e na distribuição de compostores
para compostagem doméstica e comunitárias, a par de ações de formação. E,
porque as pontas de cigarros são resíduos tóxicos, é pertinente fazer a sua
gestão e evitar o descarte no ambiente. Assim, é preciso analisar alternativas
de equipamento, a localizar em espaço público que permita o acondicionamento
das pontas de cigarros, através de parcerias com projetos-piloto/associações,
fiscalizar estabelecimentos comerciais, para verificar se têm cinzeiros, e
promover a recolha seletiva junto dos estabelecimentos comerciais e das
paragens de transportes públicos, da responsabilidade do município, para
assegurar a entrega deste resíduo para valorização.
Melhorar a
limpeza urbana e combater o littering e a deposição ilegal de
lixo estão também entre as prioridades do município, que pretende, numa fase
piloto, alugar papeleiras inteligentes (para posterior aquisição, mediante os
resultados), comprar ecopontos inteligentes e investir em equipamentos de
lavagem, em viaturas de recolha e em serviços de lavagem e desinfeção de
equipamentos, nomeadamente contentores de superfície, subterrâneos e de
controlo de pragas.
O documento
surge na sequência da aprovação, em março, pelo governo, do “Plano Estratégico
dos Resíduos Urbanos 2030”, que serve de referência ao que deve ser feito nos
próximos sete anos pelos municípios e de apoio à elaboração, ainda este ano, ao
plano municipal de ação em Lisboa, para o cumprimento da estratégia definida
pelo executivo de António Costa – o anterior “Plano Municipal de Gestão de
Resíduos de Lisboa”, com vigência para entre 2015 e 2020.
***
Não é o
município de Lisboa o primeiro a instalar ecopontos inteligentes. Já em 3 de
fevereiro de 2016, a Câmara Municipal de Vila do Conde instalou o primeiro
ecoponto inteligente do país, destinado a grandes produtores de resíduos, na convicção
de que os grandes desafios, ao nível da gestão de resíduos, exigem, da parte
das entidades gestoras, a implementação de soluções inovadoras e eficientes.
Dizia então
a Câmara Municipal que o equipamento, localizado no Mercado de Vila do Conde,
na rua 5 de Outubro, para servir os feirantes, os comerciantes e alguns
moradores da zona envolvente, consiste num sistema dotado das mais modernas
tecnologias de informação e de comunicação, no qual cada produtor de resíduos
passa a ter acesso, através de um portal de utilizador, à informação sobre as
deposições de resíduos – indiferenciados e recicláveis – por si efetuadas. Os
equipamentos apenas podem ser utilizados com um cartão de acesso, sendo pessoal
e intransmissível o código de registo.
O sistema
permite compreender os hábitos e comportamentos dos produtores e desenvolver
ações de sensibilização personalizadas e formatadas ao produtor.
Esta
iniciativa, que constituiu uma referência de inovação e sustentabilidade, ao
nível da gestão de resíduos, estava destinada a promover as boas práticas e o
envolvimento da comunidade na correta separação, na reciclagem e na valorização
dos mesmos.
***
Com inspiração
na encíclica Laudato si’ do Papa
Francisco (2015), que dirige críticas a quem acaba por sucumbir a um “consumismo
sem ética nem sentido social e ambiental”, o que faz com que a terra onde
vivemos se torne menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, o Comité
Organizador Local (COL) da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), as câmaras de
Lisboa e de Loures e diversas entidades subscreveram, a 22 de abril, Dia da Terra, uma carta de compromisso
no sentido fazerem da sustentabilidade um objetivo central da concretização da
JMJ, que, pela sua dimensão, terá impacto brutal a nível ambiental: milhares de
viagens de avião, sete mil autocarros a circular na capital e arredores,
automóveis, táxis e TVDE, fast food,
lenços de papel, muito lixo e milhares de garrafas de água para saciar a sede
de um verão que se espera quente.
A organização
promete uma série de ações para promover a sustentabilidade ambiental do
evento, desde a calculadora da pegada ecológica à promoção de ações de
compensação que contribuam para o cálculo final da pegada.
No “Manual da
Pegada de Carbono” do evento, lê-se que, por exemplo, “uma viagem de avião de
ida e volta entre Atenas e Lisboa gera 1746 kgCO2e”. Esta pegada de carbono
corresponde a: 55 anos de banhos diários; a meio ano de dieta omnívora; e a 20
iPhone 12 Pro Max.
Para anular a
pegada, na lógica de compensação e já depois do evento, a organização recomenda
aos peregrinos: realizar a viagem casa-trabalho de comboio, em vez de carro
pessoal e viajar assim, durante dois anos, para o percurso de 10 quilómetros; responder
ao desafio de ser vegetariano durante um ano; e apoiar programas de conservação
de árvores durante um ano, correspondente a 65 árvores por pessoa.
Durante o
evento, a organização disponibilizará ao peregrino, na aplicação “App JMJ
Lisboa 2023”, uma calculadora, para simular a sua pegada ecológica. Tal calculadora
carbónica tem por base a análise dos seguintes indicadores: viagem; estadia;
mobilidade interna e outros recursos. Os peregrinos inscritos (voluntários, ou
seja, peregrinos que estão no ativo), clero e media, terão acesso à aplicação
da JMJ onde está alojada a calculadora”.
Porém, um gadge eletrónico
faz o diagnóstico, não a cura. Por isso, findo o evento, a organização fará o
levantamento do impacto que a JMJ teve no ambiente e na cidade e explicará que
ações de prevenção se fizeram e que ações de compensação se promoveram, para
minimizar a gigantesca pegada carbónica. Com efeito, o Papa escreveu, na
referida encíclica, que “buscar apenas um remédio técnico para cada problema
ambiental que aparece é, na realidade, esconder os problemas verdadeiros e mais
profundos do sistema mundial”. E, logo no primeiro capítulo, apelou a que a
humanidade trave a degradação ambiental e as alterações climáticas e fez um
levantamento exaustivo do que está a acontecer à “nossa casa comum”. Falou da
poluição e das mudanças climáticas, da água, da perda da biodiversidade, da
fraqueza das reações e da deterioração da qualidade de vida humana.
Assim, as
entidades subscritoras da referida carta – câmaras de Lisboa e de Loures, Electrão, ERP, EPAL, Lipor, Novo Verde, Sociedade
Ponto Verde, SIMAR, Valorsul, Movimento Laudato Si’, Corpo Nacional de Escutas,
EFG, Associação de Limpeza Urbana, EGF – Environment Global Facilities e Grupo
de Projeto para a JMJ Lisboa 2023 (XXIII Governo) – comprometeram-se
a trabalhar com o COL no desenvolvimento da
estratégia para a sustentabilidade da JMJ.
Tal sustentabilidade desenvolve-se em três eixos principais: sustentabilidade económica,
sustentabilidade social e sustentabilidade ambiental.
A 8 de março de 2019, na “Conferência
internacional sobre as Religiões e os objetivos de desenvolvimento sustentável”,
o Papa sustentou que os “objetivos económicos e políticos devem ser
corroborados por objetivos éticos, que pressupõem uma mudança de atitude” (a
Bíblia diria “mudança de coração”). E considerou que “um debate frutuoso sobre
o desenvolvimento deveria oferecer modelos viáveis de integração social e de
conversão ecológica, porque não podemos desenvolver-nos como seres humanos,
fomentando desigualdades crescentes e a degradação do meio ambiente”.
Nesse sentido, a JMJ compromete-se na promoção e na atuação dos objetivos
de desenvolvimento sustentados pelos nossos “valores religiosos e éticos mais
profundos”.
***
É óbvio que um evento da envergadura da JMJ traz consigo, necessariamente,
dura e alastrante pegada carbónica. Por isso, cabe à organização prever medidas
de minimização dos inconvenientes; e a todas as pessoas e entidades que se
disponibilizarem a colaborar a tarefa de reparar, tão rapidamente como possível,
os danos não evitados e compensar deles o ambiente. A Terra e as pessoas o
merecem. À pegada carbónica deve suceder a pegada ecológica!
2023.07.19 – Louro
de Carvalho
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