Enquanto as famílias e as empesas deitam as
mãos à cabeça por causa da subida dos juros, a banca ufana-se dos lucros, não
admitindo que sejam excessivos ou escandalosos. Para lá das taxas para tudo e
para todos (Será?), a demora em subir o juro do depósito, em contraste com a
pressa em subir o do crédito, deu aos bancos ganhos maiores em pelo menos 20
anos; e o diferencial
entre o juro médio cobrado no crédito e o juro pago no depósito está no valor
mais alto desde 2003.
Há pelo menos 20 anos – desde que há dados comparáveis – que a banca não
fazia tanto dinheiro com a diferença entre o que cobra pelo crédito e o que
paga pelo depósito.
Não é surpreendente que o negócio bancário tenha vindo a beneficiar com
essa diferença, mas o enquadramento na história recente foi feito agora pelo
Banco de Portugal (BdP). “O aumento da margem financeira ocorreu num contexto
em que as taxas de juro dos empréstimos tiveram uma resposta mais rápida à
subida dos juros nos mercados interbancários do que as taxas de juro dos
depósitos. No final de 2022, esse diferencial era de 3,3 pontos percentuais
[pp], o valor mais elevado desde 2003, ano inicial das séries de taxas de juro
hoje divulgadas”, indica o destaque sobre as séries longas do setor bancário,
divulgado pelo BdP, a 26 de julho.
Esse diferencial encontrava-se, no fim de 2021, ligeiramente abaixo dos 2
pontos. E foi em torno dessa faixa que se situou desde 2015. Só em 2007, antes
de se sentirem os efeitos da crise financeira global, é que a taxa estava acima
de 3 pontos, mas abaixo dos 3,3 pp de diferença entre juro pago no crédito e
juro pago no depósito.
Os créditos são atualizados automaticamente, por estarem indexados às taxas
Euribor, que têm disparado em antecipação e em reação à subida da taxa de juro
diretora do Banco Central Europeu (BCE). A cada três, seis ou 12 meses, os
prazos mais contratualizados em Portugal, há atualização da prestação. Já os
depósitos continuam com juros baixos; os juros nos novos depósitos estavam
próximos de zero, em 2022, e ainda estão pouco acima de 1%. É um diferencial
recorde, sobretudo do lado dos depósitos. A taxa média da carteira de
empréstimos até subiu dos 2% para mais de 3,3%, mas continua abaixo dos mais de
5%, de 2008. Porém, não houve mexidas relevantes nos juros dos depósitos e,
como permaneceram perto de zero, no fim de 2022, chegou-se ao diferencial de
3,3 pontos, revelado pelo BdP.
Estes dados são do fim de 2022, mas a banca têm, desde aí, reduzido
incentivos para subir, de forma significativa, a remuneração dos depósitos
(incentiva o investimento em fundos, que comportam riscos), quando as
prestações dos créditos são revistas em alta, à medida que os indexantes
contratados chegam à maturidade. E o Governo anunciou novas medidas para ajudar
famílias com crédito à habitação para conter o impacto.
Outros dados do supervisor bancário mostram que só em junho foi estancada a
fuga de depósitos que se vinha a sentir desde dezembro, tendo em conta a reduzida
remuneração paga. Foi esta margem com juros que ajudou as contas dos bancos, em
2022: “O aumento dos resultados líquidos de 1151 milhões de euros está,
sobretudo, relacionado com o incremento de 1381 milhões de euros da margem
financeira e com a diminuição de cerca de 600 milhões de euros dos custos com a
constituição de imparidades e de provisões”, diz o BdP.
Entre 2011 e 2017, a rendibilidade do setor tinha sido negativa, com
exceção de 2015, ano em que foi virtualmente nula. Os resultados de 2022, que
corresponderam a 0,7% do ativo, foram os mais elevados desde 2007, ano anterior
ao início da crise financeira internacional. Não só 2022 foi um ano com lucros
expressivos, como a primeira metade deste ano foi rica em resultados positivos,
acima de anos anteriores, para o setor bancário. Têm sido tão significativos os
lucros que a banca até antecipa a desaceleração desse crescimento no segundo
semestre do ano.
Os banqueiros frisam a importância destes resultados – não excessivos ou
“escandalosos” – e defendem que só com rentabilidade conseguem fazer
investimentos e atrair capital de qualidade, para pagarem os dividendos aos
seus acionistas. E, nos custos, os bancos continuam o ajustamento, encerram
agências e dispensam trabalhadores. E, segundo o BdP, a tendência verifica-se
na atividade doméstica e na internacional, embora com maior força na primeira.
“Em 2022, o número de agências bancárias reduziu-se de 4820 para 4626. O
número de balcões relacionados com a atividade doméstica tem vindo a diminuir,
de forma ininterrupta, desde 2010, totalizando menos 3090 balcões (48%). Já o
decréscimo nas agências relacionadas com a atividade internacional foi de 450
balcões (26%), em relação ao valor máximo observado em 2012”, indica a
autoridade bancária. E, a nível de trabalhadores, “havia mais 119 trabalhadores
no setor bancário” no fim de 2022, totalizando 58.978. E houve um caso especial
de subida, contrária à tendência de redução de trabalhadores, observada nos
últimos anos, que é explicada pelo aumento de trabalhadores de um banco que,
embora localizado em Portugal, tem a atividade orientada para a prestação de
serviços à escala global. É o BNP Paribas, que tem vários serviços de apoio (backoffice) concentrados no país.
***
Em suma, o resultado líquido dos cinco maiores
bancos a operar no país ascendeu a quase dois mil milhões de euros, até junho.
Os juros altos renderam 4,2 mil milhões na margem financeira, que catapultou mais
de 70% em termos homólogos. O banco do Estado, a caixa Geral de Depósitos (CGD)
voltou a encabeçar os ganhos, depois de registar mais de metade dos lucros
obtidos em 2022, mas foi o BCP o que mais cresceu, multiplicando o resultado
por sete.
Prosseguindo a trajetória ascendente iniciada em
2022, os ditos cinco maiores bancos obtiveram um resultado líquido consolidado
de 1,9 mil milhões de euros nos primeiros seis meses de 2023, tendo lucrado
cerca de 11 milhões por dia até junho, o que, comparando com o igual período de
2022, reflete melhoria de quase 60%.
Mais uma vez, a CGD, o banco do Estado, voltou a ser
a protagonista na tabela dos ganhos, ao somar 607,8 milhões de euros, um valor
que não só reflete uma subida de 25% face aos 485,6 milhões registados no
semestre homólogo, como também representa mais de metade dos lucros obtidos em
todo o exercício anterior (843 milhões) – com a margem
financeira a triplicar.
Contudo, o maior crescimento deu-se no BCP, cujo resultado líquido foi
multiplicado por sete, passando de 62,2 milhões de euros, em junho de 2022,
para 423 milhões, nesse mesmo mês, em 2023. A evolução foi de 580% – ou 361
milhões de euros, em termos absolutos –, apesar dos encargos de 399 milhões
gerados pelo polaco Bank Millennium, detido em 50% pelo grupo.
O Novo Banco (NB), que viu dar por concluído, em
fevereiro, o processo de reestruturação, conquistou o terceiro, alcançando
lucros consolidados de 373,2 milhões de euros, resultantes da subida de
praticamente 40% em relação ao final do sexto mês de 2022.
No Santander, o crescimento do resultado
líquido fixou-se nos 38%, o que permitiu encaixar mais 96,4 milhões de euros em
relação ao período homólogo – no total, o banco lucrou 333,7 milhões. Já o BPI
foi o que, ao nível absoluto, menos cresceu, somando, mesmo assim, 53 milhões
de euros, que perfizeram 256,2 milhões de euros, mais 26% face a junho de 2022.
Estes bancos viram o produto bancário crescer nos
primeiros seis meses do ano. E aponta-se o dedo a Christine Lagarde ou ao conselho
de governadores do BCE, firme na estratégia de arrefecer a economia e conter a
inflação, pelas subidas consecutivas na taxa de juro.
Esta escalada, que vem agravando as prestações pagas
aos bancos, sobretudo no crédito à habitação, conjugada com o facto de os
depósitos a prazo, em Portugal, remunerarem abaixo do expectável – em maio, a
taxa de juro média dos novos depósitos até um ano fixou-se nos 1,18% –, fez com
que a margem financeira conjunta das cinco instituições catapultasse.
Assim, a diferença entre juros cobrados em
empréstimos e juros pagos em depósitos rendeu à banca mais de 4,2 mil milhões
de euros até junho, disparando quase 74% face ao semestre homólogo, quando
foram embolsados 2,4 mil milhões de euros provindos desta rubrica.
O BCP foi, à semelhança do sucedido no primeiro
trimestre, o que mais beneficiou da subida das taxas de juro, ao encaixar 1,37
mil milhões de euros de margem financeira, desde o início do ano, numa subida
compreendida em 39,5%. Seguiu-se a CGD, com 1,31 mil milhões e o maior
crescimento dos cinco: 127,7%. O Santander, apesar de não atingir o terceiro
lugar dos maiores ganhos, tomou essa posição na tabela da margem financeira,
somando 586,5 milhões de euros – acréscimo de 58,4% em relação ao igual período
de 2022. Seguiu-se o NB, com um crescimento de 95,5%, para 524 milhões de euros,
e o BPI, com o aumento de 81%, para 438,6 milhões.
Amortizações antecipadas e menor procura de
financiamento, por parte das famílias e das empresas, foram as principais
explicações para que a carteira de crédito consolidada dos cinco bancos
sofresse um decréscimo de 0,7% no primeiro semestre de 2023.
O abrandamento, especialmente no mercado de crédito
hipotecário, já vinha a ser notado desde o início do ano, e levou a que, no
final de junho, o stock de empréstimos concedidos pelo BPI, pela CGD, pelo BCP,
pelo NB e pelo Santander totalizasse 208,06 mil milhões de euros, montante que
compara com os 209,5 mil milhões homólogos. Excetuando o NB e o BPI, que
apresentaram evoluções positivas de 1% e 3,8%, respetivamente, todas as outras
instituições sofreram perdas. O Santander assumiu a maior, de menos 3,8% para
41,9 mil milhões de euros, seguindo-se o BCP (-1,3%) e a CGD (-0,8%). E o decréscimo
da atividade creditícia impactou também as receitas obtidas por meio de
comissões cobradas aos clientes. Até junho, reduziram 1,7% para 1,19 mil
milhões de euros, enquanto no primeiro semestre de 2022 o valor obtido por esta
via foi de 1,22 mil milhões. O BCP foi o banco que mais ganhou ao nível do
comissionamento (387 milhões), sucedendo-se a Caixa Geral de Depósitos (289,1
milhões) e o Santander (231,2).
Desde que o ano arrancou, os cinco bancos viram sair
quase sete mil milhões de euros dos seus cofres, provenientes da atividade
doméstica e internacional. Os depósitos agregados do BPI, da CGD, do BCP, do NB
e do Santander, somavam, até junho, cerca de 247,9 mil milhões de euros, o que,
comparativamente com o igual período do ano passado, traduz uma queda superior
a 2,7%. A aposta nos Certificados de Aforro – que até junho, pela subscrição da
série E, remuneravam a um máximo de 3,5% (a série F, que lhe sucedeu, remunera
a 2,5%) – e os reembolsos antecipados da dívida da casa terão sido as principais
explicações. O Santander foi o mais penalizado, com as perdas a chegarem quase
aos 9%, e o BCP foi o único a acumular mais poupanças (+2,9%).
Aqueles não foram os únicos recursos a conhecer um
corte. Os cinco bancos fecharam os primeiros seis meses de 2023 com menos 439
trabalhadores e 75 balcões, em Portugal, comparativamente com igual período de
2022. A CGD liderou a saída de trabalhadores (-293) e o fecho de dependências (-24),
seguindo-se o BPI (-83/18), o NB (-35/-12) e o Santander (-30/-8 agências). O
BCP, embora tenha encerrado 12 sucursais no país, foi o único banco que não
registou perdas, somando até mais duas pessoas.
***
Apesar dos lucros registados, como se deixou entreler, há
perdas, sobretudo da diminuição dos depósitos a prazo e da supressão de muitos.
É o que dá a teimosia em não os remunerar decentemente e o incitamento a
investir em fundos e em obrigações. O volte-face
nos certificados de aforro não é significativo. É certo que, no final de junho
de 2023, o stock de depósitos de
particulares nos bancos residentes totalizava 174,9 mil milhões de euros, mais
1,2 mil milhões de euros do que em maio. Foi o primeiro aumento mensal em 2023,
mas representa um decréscimo de 3%, face a junho de 2022. Desde dezembro, em
que havia mais de 182 mil milhões de euros aplicados em depósitos, vinha a
registar-se uma quebra do montante depositado: as baixas taxas de juro pagas
pela banca, que demoraram a subir e a reagir à subida do juro diretor do BCE,
levaram à retirada dos depósitos, a invés do que sucede na Zona Euro.
Assim (nada agradável), os principais bancos perdem 7,4 mil
milhões de euros em poupanças. Veremos se invertem a tendência ou se oneram
ainda mais os serviços que prestam.
2023.07.30
– Louro de Carvalho
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