O
1.º domingo do Advento, no Ano A (ano cuja proclamação evangélica é mateana),
marca o início de novo Ano Litúrgico, cuja primeira etapa é a época natalícia,
antecedida de um tempo preparatório a que chamamos Advento, durante a qual
proclamamos e meditamos textos bíblicos que abordam o caminho de espera pelo
Messias ou Cristo, fazemos o exercício de reconhecimento e de acolhimento de
Jesus que vem, agora, ao coração das pessoas que Nele creem e ao seio dos povos
que o veem e sentem como Salvador e cultivamos a jubilosa esperança da sua
última vinda.
Ao
longo dos próximos dias, preparamos o caminho do Senhor para que Ele venha ao
nosso encontro e nós O possamos reconhecer e acolher, quando Ele chegar.
A
Palavra de Deus que escutaremos, nestes dias, ajudar-nos-á a balizar esse
caminho. E a liturgia deste domingo apela à vigilância e à atenção, contra a
modorra e contra o adormecimento. Seria dramático se, por comodismo, por
desleixo, por indiferença, por distração, perdêssemos o ensejo de acolher
Aquele que vem libertar o mundo e imprimir um dinamismo novo à História.
Na primeira
leitura (Is 2,1-5), Isaías partilha connosco o sonho da paz universal e
da comunhão fraterna de todos os povos e nações. Trata-se de promessa de Deus e
as promessas de Deus não caem no chão. Aquele cujo nascimento celebraremos no
final do advento, foi enviado por Deus ao nosso encontro, para concretizar essa
promessa.
Na
visão do profeta, o monte do Senhor (sobre o qual está construído o Templo de
Jerusalém, onde Deus reside no meio do Seu povo) eleva-se e transforma-se no
centro do Mundo, sobressaindo entre todos os montes, não por ser o mais alto,
mas por ser a morada de Javé. De toda a parte, chegam caravanas de povos e de
nações que confluem para a cidade santa e sobem a montanha, ao encontro do
Senhor.
Quem
convocou todas essas pessoas e que força as atrai são questões com resposta no
cântico que acompanha a sua caminhada: “Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao
templo do Deus de Jacob. Ele ensinar-nos-á os seus caminhos e nós andaremos
pelas suas veredas. De Sião há de vir a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor.”
Todos vêm atraídos por Javé e pela força da sua Palavra; querem conhecer o
ensinamento – a Torah (Lei de Deus) – e ser instruídos nos caminhos de Deus. A
Palavra salvadora e libertadora atrai e agarra todos os povos, lança-os num
movimento único e universal, reúne-os à volta de Deus, o soberano universal.
À
medida que todos se juntam à volta de Deus, escutam a Palavra e aprendem o
caminho, vão-se desvanecendo as divisões, as hostilidades, os conflitos que
dividem os povos. Efetivamente, todos aceitam a arbitragem justa e pacífica de
Deus; compreendem que não são necessárias armas; as máquinas de guerra
transformam-se em instrumentos de trabalho e servem para o cultivar da terra.
Do encontro com Deus resulta a harmonia, o progresso, o entendimento entre os
povos, a vida em abundância, a paz universal. É o reverso do quadro de Babel.
Na História da torre de Babel (cf Gn 11,1-9), os homens escolheram o
confronto com Deus, o orgulho e a autossuficiência, o que os levou à divisão,
ao conflito, à confusão, à falta de entendimento, à dispersão. Agora, os homens
escutam Deus e seguem os caminhos indicados por Ele. E, em resultado, celebra-se
a reunião de todos os povos, o entendimento, a harmonia, o progresso, a paz
universal.
A
utopia sonhada por Isaías começa a realizar-se em Jesus. Ele é a Palavra viva
de Deus, que Se fez carne e veio habitar no meio de nós, a fim de trazer a “paz
aos homens” amados por Deus. Da escuta da Palavra, nasce a comunidade universal
da salvação, animada pelo Espírito e aberta a todos os povos da Terra. Se esta
“História de Salvação” tem a marca da iniciativa divina, o homem tem de
responder, positivamente, à ação de Deus. O profeta alude a gentes de toda a
parte, as quais, respondendo ao apelo de Deus, se põem a caminho em direção ao
“monte do Senhor”.
Deus
chama, mas quem escuta o seu chamamento tem de abandonar a vida cómoda em que se
instalou e partir ao seu encontro, disposto a acolher a Palavra de Deus e a
deixar-se transformar por ela. O caminho que temos pela frente, leva-nos ao
encontro de Jesus. E importa que estejamos dispostos a deixar certezas,
seguranças, espaços de conforto, velhos hábitos e preconceitos, para irmos ao
encontro de Jesus. Temos de estar dispostos a acolher Jesus na vida, a escutar
a sua Palavra, a aderir à proposta que Jesus nos faz, a dar espaço para Jesus, no
coração e na vida.
Porém,
mais de dois mil anos depois de Jesus, a utopia sonhada por Isaías, parece muito
distante. A História continua manchada pela violência, pelo ódio e pelo sangue
derramado; a Humanidade continua a recorrer à guerra e ao conflito para
resolver os diferendos; a ambição dos grandes do Mundo continua a lançar as
nações umas contra as outras; o diálogo entre as nações e os acordos de paz
parecem contaminados por cinismo atroz; a injustiça e a exploração fazem
crescer, a cada momento, o número de homens e mulheres condenados a uma vida
sem sentido e sem esperança; milhões de homens e mulheres continuam a ser,
diariamente, atirados para fora da História e abandonados nas bermas das
estradas da Humanidade.
Como
Jesus não falha, a culpa da situação trágica que assola a Terra é de quem se
recusa a acolher as indicações que Ele nos dá. Impedimos e/ou atrapalhamos a
chegada do Mundo de justiça, de fraternidade e de paz que Isaías anunciou.
***
O Evangelho (Mt
24,37-44) traz-nos parte do discurso de Jesus diante dos discípulos, no Monte
das Oliveiras, poucos dias antes da sua paixão e morte. A indicação é clara: vigiarem,
estarem sempre preparados, não se distraírem com futilidades, viverem atentos
aos desafios de Deus, não esquecerem a Boa nova, olharem, com amor e com misericórdia,
os irmãos que caminham ao lado, empenharem-se, a cada instante, na construção
de um Mundo mais justo, mais humano e mais feliz. Para os discípulos, desleixo,
preguiça, indiferença, conformismo, não são opção. E há uma verdade que deve
estar sempre no horizonte do discípulo: a segunda vinda do Senhor é certa, mas é
incerto o dia e a hora. Tal convicção deve condicionar o estilo de vida dos
discípulos.
Jesus
recusa prever o dia e a hora em que tudo acontecerá (“quanto àquele dia e
àquela hora, ninguém o sabe: nem os anjos do céu, nem o filho; só o Pai”). Aliás,
mais importante do que saber o dia certo e a hora exata é estar preparado para
o encontro com o Senhor que vem. Nesse sentido, Jesus recomenda a vigilância e a
vivência com sentido de responsabilidade. E, para os discípulos terem plena
consciência do que está em causa, Jesus recorre a três exemplos.
O
primeiro é o quadro da Humanidade na época de Noé. Os homens viviam em alegre
inconsciência, preocupados em aproveitar o momento e em gozar a vida o melhor
possível (“nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam-se
em casamento”). Quando o dilúvio chegou, apanhou-os de surpresa. Só Noé e a
família estavam preparados: entraram na arca que Noé construíra, salvaram as
suas vidas e tornaram-se o germe de nova Humanidade. Se gozar a vida ao máximo é
para o homem a prioridade fundamental, ele arrisca-se a passar ao lado do que é
importante e a não desempenhar o seu papel. Não estará preparado para quando o
Senhor vier ao seu encontro.
O
segundo exemplo confronta-nos com situações da vida quotidiana, como o trabalho
nos campos e a moagem do trigo para fazer o pão. Ambas pertencem ao quadro da
vida de todos os dias. Embalados pelo ritmo trivial dos afazeres e dos compromissos
diários, corremos o risco de estreitar os horizontes e de perder de vista o que
dá sentido à nossa vida. Apesar da monotonia, da fadiga, da acomodação, temos
de manter-nos vigilantes e atentos, para reconhecermos o Senhor que, de
repente, Se nos apresenta. Por isso, é pertinente que nos interroguemos se será
na faina habitual de todos os dias que Jesus nos encontrará, quando vier ao
nosso encontro, e se estaremos preparados para Ele e para os desafios que nos
traz
O
terceiro exemplo refere o caso de um homem que, em vez de permanecer vigilante,
adormece e deixa a sua casa desprotegida. Se um ladrão aparecer, a meio da
noite, o dono da casa não o impedirá de se apossar dos bens ali guardados.
“Adormecer”, descuidar a vigilância, pode levar a perder coisas importantes e, mesmo,
falhar a vida.
A
quem caminha na História e se defronta, diariamente, com vicissitudes, com
contrariedades, com alegrias e com tristezas da vida, Jesus exorta a que viva
atento, vigilante, preparados. Jesus não entra em pormenores e não explica em
que consiste tal vigilância e tal preparação; mas os discípulos que O escutam
sabem do que Ele fala: têm de viver cumprindo, a cada instante, com empenho e
responsabilidade, a missão que Deus lhes confiou; têm de olhar permanentemente
à volta para detetar, escutar e abraçar os desafios sempre novos que Deus lhes coloca
no caminho.
***
Na segunda
leitura (Rm 13,11-14), Paulo avisa os cristãos de Roma – e os de todas
as épocas e lugares – que o tempo passa e que se aproxima o dia da libertação
definitiva. Portanto, é altura de abandonarmos as “obras das trevas” e de nos
revestirmos das “armas da luz”. O Senhor Jesus vai chegar; temos de estar
preparados para o encontro com Ele.
Roma,
a capital do império, era, então, uma cidade com cerca de um milhão de
habitantes, incluindo cerca de 50 mil judeus. Não se sabe, com pormenor, a
origem da comunidade cristã de Roma. Provavelmente, o cristianismo chegou a
Roma levado por judeus da Palestina convertidos a Cristo. Uma antiga tradição
diz que foi Pedro quem anunciou o Evangelho em Roma, por volta do ano 42, e que,
da sua pregação resultou florescente comunidade cristã. Contudo, Paulo, na
carta que escreve aos cristãos de Roma, não faz qualquer referência a essa
tradição. O que importa saber é que o apóstolo das gentes decide escrever aos
cristãos de Roma, quando está prestes a terminar a terceira viagem missionária.
Prepara-se para retornar à Palestina, onde entregará os donativos recolhidos em
igrejas do Oriente, destinados a ajudar cristãos de Jerusalém.
Porém,
sente que terminou a sua missão no Mediterrâneo oriental, pois as igrejas que
fundou e acompanhou estão organizadas e podem caminhar sozinhas. Tem planos
para se dirigir para Ocidente, inclusive, pensando em ir até à Espanha para aí
anunciar o Evangelho.
Dirigindo-se
aos cristãos de Roma, aproveita para estabelecer laços com eles e para lhes
apresentar os principais problemas que o preocupam, entre os quais sobressai a
questão da unidade (problema que a comunidade cristã de Roma, afetada por
dificuldades de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos, conhecia
bem). Sereno e lúcido, evitando polémicas, expõe-lhes as linhas mestras do
Evangelho. Assim, a Carta aos Romanos é uma espécie de resumo da teologia
paulina, no ano 57 ou 58.
Na
primeira parte da Carta (cf Rm 1,18-11,36), Paulo adverte os cristãos
divididos de que o Evangelho é a força que congrega e salva todo o crente, sem
distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja realidade universal,
que afeta todos os homens, a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção;
e é em Cristo que essa vida se comunica e transforma o homem. Batizado em
Cristo, o cristão morre para o pecado e nasce para a vida nova. É guiado pelo
Espírito e torna-se filho de Deus; libertado do pecado e da morte, produz
frutos de santificação e caminha para a Vida eterna.
Na
segunda parte da carta, Paulo exorta, de forma prática, os cristãos a viverem
de acordo com o Evangelho de Jesus. O trecho em apreço pertence a essa segunda
parte.
Depois
de exortar os cristãos que pertencem à comunidade de Roma ao amor mútuo, Paulo
deixa-lhes uma recomendação sobre a forma de esperar o Senhor que vem.
Quando
Jesus deixou o Mundo e reentrou na glória do Pai, começou a última fase da História
da Salvação. É o tempo da Igreja, aquele em que os discípulos de Jesus,
conduzidos pelo Espírito, caminham na História e testemunham a salvação de
Deus. Esta fase chegará ao seu termo quando Cristo vier, de novo, no final dos
tempos. E os discípulos de Jesus têm de saber como devem viver até lá e que
atitude devem assumir, enquanto esperam a vinda do Senhor.
Assim,
o apóstolo lembra que o tempo está a passar e que, em cada dia, os cristãos estão
a aproximar-se do encontro definitivo com Deus (“a noite vai adiantada e o dia
está próximo”). Paulo de Tarso pensava na vinda mais ou menos iminente de Jesus
Cristo, a fim de concluir a História da Salvação, Porém, a ausência de
especulações apocalípticas mostra que o interesse de Paulo não é o quando e o como,
mas o significado e as consequências dessa vinda.
Na
ótica paulina, o fundamental é que os discípulos não se deixem adormecer.
“Adormecer”, no entendimento de Paulo, é instalar-se numa vida que esteja em
contradição com os valores do Evangelho; é acomodar-se à mediocridade, radicar
a existência em valores que não dão sentido pleno à vida. O apóstolo fala,
concretamente, em “comezainas e excessos de bebida”, “devassidões,
libertinagens, discórdias e ciúmes”. Isso é, segundo Paulo, “viver nas trevas”.
Ora,
o cristão, ao fazer a opção por Jesus, abandonou as obras das trevas. O seu
horizonte passou a ser outro, o de uma vida nova, liberta do egoísmo e do
pecado. Revestiu-se de Cristo e, iluminado por Cristo, vive na fé, no amor, no
serviço, no perdão, testemunhando a vida de Deus no meio dos irmãos. Identificado
com Cristo, é um homem novo. Vive na luz. Mantém-se acordado, atento,
vigilante, para não mergulhar, outra vez, nas trevas. Caminha ao encontro de
Cristo, de olhos postos na vida que há de vir. Sabe para onde vai e não se
deixa tentar por caminhos que não leva a lado nenhum. É assim que os crentes
esperam o Senhor que vem.
***
Por
isso, é gratificante ouvir a comunidade dos crentes cantar com o salmista:
“Vamos
com alegria para a casa do Senhor.”
“Alegrei-me
quando me disseram: / ‘Vamos para a casa do Senhor’. / Detiveram-se os nossos
passos / às tuas portas, Jerusalém.
“Para
lá sobem as tribos, as tribos do Senhor, / segundo costume de Israel, para
celebrar o nome do Senhor; ali estão os tribunais da justiça, / os tribunais da
casa de David.
“Pedi
a paz para Jerusalém: / ‘Vivam seguros quantos te amam. / Haja paz dentro dos
teus muros, / tranquilidade em teus palácios’.
“Por
amor de meus irmãos e amigos, / pedirei a paz para ti. / Por amor da casa do
Senhor, / pedirei para ti todos os bens.”
***
“Aleluia.
Aleluia. Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia e dai-nos a vossa salvação.”
2025.11.30
– Louro de Carvalho
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