segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Cristãos com os pés na Terra, mas de cabeça levantada e de olhos no Céu

 

No 33.º domingo do Tempo Comum, no Ano C, na reta final do ano litúrgico, a Palavra de Deus convida-nos a olhar sobre a História dos homens e sobre o que nos espera, quando terminar a nossa peregrinação na Terra. Garante-nos que vamos para Deus, para a vida verdadeira, pois a História dos homens não é de perdição, mas de salvação. É com os olhos esse horizonte que enfrentamos a vida e derrotamos as dificuldades que o caminho nos oferece.

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Na primeira leitura (Ml 3,19-20a), um enviado de Deus anuncia à comunidade desanimada que, ao invés do que dizem alguns céticos, Javé não abandonou o Povo, nem deixou o mal assumir as rédeas da História. A seu tempo, Deus atuará, limpará o Mundo, derrotará as forças da opressão e da morte que privam os homens de vida. Das cinzas do Mundo velho nascerá um mundo novo, iluminado pela luz da salvação.
“Malaquias” não é nome próprio. O vocábulo significa “o meu enviado” e é o título tomado por um profeta anónimo, de quem pouco sabemos, que se apresenta como “enviado” de Javé e que profetizou em Jerusalém, no período pós-exílico. O Templo já havia sido reconstruído e o culto funcionava, embora mal. O entusiasmo pela reconstrução estava apagado. Desanimado, ao ver que as promessas de Deus não se tinham cumprido, o Povo tinha caído na apatia religiosa e na falta de confiança em Deus. Então, o “mensageiro de Javé” reage, vigorosamente, contra a situação em que o Povo de Judá está a cair. Defende, intransigentemente, os valores judaicos e a fé dos antepassados; aponta o dedo aos sacerdotes, aos levitas e a outros responsáveis pelo culto, denunciando o seu desleixo e venalidade.
Vai chegar o “Dia do Senhor”, o dia da intervenção de Deus no Mundo. O “Dia do Senhor” é conceito recorrente na literatura profética para designar a intervenção de Deus na História, o momento em que Javé oferece ao Povo a salvação definitiva. Será o dia do triunfo da justiça, o dia em que Deus reporá a sua ordem no Mundo.
Nesse dia, Deus acenderá uma grande fogueira (o fogo é um símbolo associado à purificação e à renovação). Então o fogo de Deus queimará “todos os soberbos e todos os malfeitores”, “como a palha” que não serve para nada. “Não lhes deixará raiz nem ramos”: o mal, a injustiça, a opressão, a violência, a mentira, o pecado, serão destruídos e banidos, em definitivo, da vida dos homens.
Das cinzas emergirá um Mundo novo, purificado e renovado, iluminado pelo “sol da justiça”. Dos raios desse sol brotará “a salvação”. Os justos, libertos do que os oprimia e escravizava, sairão, livres e felizes, e abraçarão uma vida completamente nova.
O discurso profético sobre o “Dia do Senhor” é uma linguagem – muito ao gosto dos autores “apocalípticos” da época – para descrever o desígnio de salvação de Deus para os homens e para o Mundo. Diz-nos, com fortes e impressivas imagens, que Deus ama muito os seus filhos e que tudo fará para os salvar. Por isso, libertá-los-á de tudo o que lhes faz mal e que os impede de terem vida em abundância. Aliás, Deus tem estado a concretizar esse desígnio de salvação no caminho histórico que a Humanidade está a percorrer; mas chegará o dia em que será inteiramente derrotado o mal e nascerá novo Céu e nova Terra da justiça e da paz infindas.

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No Evangelho (Lc 21,5-19), Jesus dialoga com os discípulos sobre o sentido da História humana. Garante-lhes que a História dos homens não terminará em fracasso: no final, estará Deus para oferecer aos seus filhos a salvação, a vida definitiva. Tal certeza deve proporcionar-nos a força de que precisamos para encarar as crises, os abalos, as convulsões, até mesmo as condenações e perseguições que se apresentarão em cada curva do caminho.
Em resposta aos comentários dos judeus sobre a grandiosidade e a beleza do templo, Jesus avisa que, um dia, toda essa construção desaparecerá. Muito impressionados, os interlocutores de Jesus pedem-lhe explicações sobre quando será isso. E Jesus responde com uma longa instrução que é conhecida como o “discurso escatológico”.
Na versão lucana, o “discurso escatológico” refere três momentos da História futura: a destruição de Jerusalém (concretizada no ano 70, quando as tropas romanas, sob o comando de Tito, tomaram Jerusalém e destruíram o templo), as vicissitudes que os discípulos enfrentarão e a vinda definitiva do Filho do Homem. Segundo Lucas, Jesus recorre a imagens estereotipadas de que os pregadores escatológicos da época se serviam, quando discorriam sobre o fim dos tempos. O escopo do evangelista é, antes de mais, transmitir aos crentes – aos da década de 80 do século I e aos de todas as épocas – a força para viverem o compromisso com Jesus no meio das dificuldades, das incompreensões e das perseguições que a História os obrigará a enfrentar.
A resposta de Jesus não é de historiador, de analista político ou de guia turístico, mas de profeta. No século VIII a.C., o profeta Miqueias, impressionado pelas injustiças cometidas pela classe dirigente, tinha vaticinado a destruição de Jerusalém e do templo; e, no século VII a.C., o profeta Jeremias, depois de denunciar a conversão do templo num covil de ladrões, avisou que esse lugar sagrado por excelência seria destruído. Jesus, dias antes da cena que o trecho em apreço nos descreve, tinha expulsado do templo os vendedores que lá operavam e que tinham feito da “casa de oração” um “covil de ladrões”; e, no decurso dessa semana, passada em Jerusalém, todos os dias se encontrava no templo com dirigentes judaicos que recusavam a salvação que lhes era oferecida. Em consonância com o discurso profético, Jesus anuncia a destruição do templo, porque Israel não aceitou o enviado de Deus, nem a sua salvação. Aquela casa não será mais o lugar onde Deus reside no meio do Povo, o lugar onde Israel se encontra com Deus. A fase de Israel, a fase do templo, terminou. E, como já não faz sentido, esse lugar será destruído.
Os interlocutores de Jesus não medem o alcance das palavras proféticas. O que lhes interessa é saber quando Jerusalém e o templo serão destruídos. Porém, a Jesus não interessa comprometer-se com datas ou com momentos históricos, mas preparar para o tempo que há de vir todos os que estiverem disponíveis para acolher a salvação que Ele traz. De facto, começará um tempo novo, uma nova fase da História da Salvação. Será o tempo da Igreja, o tempo em que a comunidade discipular, caminhando na História, testemunhará a salvação diante de todos os povos da Terra. Esse novo tempo culminará com a segunda vinda de Jesus, com o fim dos tempos. E Jesus aponta-lhe três dimensões fundamentais.
Primeiro, será um tempo inquietante e desafiante. Ao longo do caminho aparecerão falsos messias e vendedores de ilusões interessados em lançar a confusão nas comunidades cristãs e em assustá-las com discursos ameaçadores. Jesus adverte: “Não os sigais”; “não vos deixeis enganar”. Surgirão “guerras e revoltas” – como sempre acontece na História – e alguns usarão isso para assustar e para confundir os crentes. Jesus avisa: “Não vos alarmeis; é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim.” Os discípulos não devem deixar-se contaminar pela “febre escatológica” que paralisa, rouba o discernimento, causa alarme e inquietação; mas devem caminhar serenamente, avançando de olhos em Deus, preocupando-se em viver uma vida cristã comprometida, empenhando-se na transformação do mundo onde peregrinam.
Segundo, será um tempo de esperança, em que será possível vislumbrar os sinais do Mundo novo que Deus oferece aos seus filhos. Para “dizer” essa realidade, Jesus lança mão de certas imagens apocalípticas (“há de erguer-se povo contra povo e reino contra reino”; “haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fome e epidemias; haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu”), usadas pelos pregadores da época para falar do final de um tempo (o Mundo velho do pecado, do egoísmo, da mentira, da injustiça, da maldade) e da chegada do Mundo novo (da verdade, da justiça e da paz). Os discípulos não devem esperar esse Mundo novo de braços cruzados, mas empenhar-se na sua construção. Contudo, a libertação da Humanidade não se concretizará no tempo da História; só se concretizará plenamente com a segunda vinda de Jesus.
Terceiro e último, será o Mundo onde os crentes experimentarão, em cada passo do caminho, as perseguições, as condenações, o martírio. O Mundo odiá-los-á e opor-se-lhes-á; mas Deus acompanhá-los-á, a cada instante, e cuidará deles com amor de pai. Com a força de Deus, enfrentarão os adversários e resistirão à tortura, à prisão e à morte; com a ajuda de Deus, poderão, até, resistir à dor de ser atraiçoados pelos próprios familiares e amigos. No final de todo esse caminho, espera-os a salvação de Deus, pois estão destinados à vida eterna.
O discurso escatológico não é informação detalhada dos cataclismos e desgraças que esperam a Humanidade e que porão fim à História; é, antes, uma leitura profética sobre o sentido da História, sobre o caminho que os homens são convidados a percorrer na Terra, entre os desafios do Mundo e a consolação de Deus. A realidade decisiva da “História da Salvação” é que Deus permanece sempre ao leme do barco da Humanidade, conduzindo os seus filhos em direção a um porto seguro onde os espera a vida definitiva.

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Na segunda leitura (2Ts 3,7-12), o apóstolo pede aos cristãos de Tessalónica – e aos de todas as épocas e lugares – que não se instalem na mediocridade, na apatia, na ociosidade, mas que sejam protagonistas da História, comprometidos com a construção do Reino de Deus, de olhos postos em Deus, mas sem se colocarem à margem da construção do Mundo.
Tessalónica (atual Salónica) era, em meados do século I, a cidade mais importante da Macedónia. Tendo obtido do imperador Augusto o privilégio de cidade livre, era administrada por um conselho eleito pela assembleia do povo e presidida por magistrados denominados “politarcas”. Importante porto marítimo e cidade de intenso comércio, Tessalónica era uma encruzilhada religiosa, em que os cultos locais e as religiões vindas do estrangeiro coexistiam.
A cidade foi evangelizada por Paulo na segunda viagem missionária, provavelmente, no inverno do ano 49 ou do ano 50. Paulo chegou a Tessalónica acompanhado por Silvano e por Timóteo, após ter sido forçado a deixar a cidade de Filipos. Essa primeira estadia em Tessalónica foi curta, mas do labor apostólico de Paulo nasceu numerosa e entusiasta comunidade cristã, constituída, maioritariamente, por pagãos convertidos. Porém, a obra missionária do apóstolo teve oposição de membros da comunidade judaica. Na sequência, alguns cristãos da cidade foram acusados de agirem contra os decretos do imperador e levados às autoridades da cidade. Paulo foi obrigado a deixar a cidade à pressa, de noite. Dirigiu-se para a Bereia e, a seguir, para Atenas.
No entanto, preocupado com a situação da comunidade que tinha deixado em Tessalónica, enviou Timóteo a Tessalónica, para saber informações e para encorajar os Tessalonicenses na fé. Timóteo, cumprida a missão que lhe fora confiada, reencontrou Paulo em Corinto. As notícias trazidas por Timóteo eram boas: os cristãos de Tessalónica enfrentavam as adversidades e mantinham-se fiéis à fé. Confortado por tais informações, Paulo decidiu escrever-lhes a felicitá-los pela fidelidade ao Evangelho, a esclarecer-lhes algumas dúvidas doutrinais que os inquietavam – nomeadamente, quanto à segunda vinda do Senhor – e a corrigir alguns aspetos menos exemplares da vida da comunidade. 
A 1.ª Carta aos Tessalonicenses é, com toda a probabilidade, o primeiro escrito do Novo Testamento. Apareceu na primavera-verão do ano 50 ou do ano 51.Uns meses depois dessa carta à comunidade cristã de Tessalónica, Paulo escreveu outra, a corrigir algumas interpretações erradas que a primeira tinha suscitado.
O trecho em causa refere-se à forma como alguns cristãos de Tessalónica viviam, apenas ocupados em atividades inúteis. Não fica claro se se trata de simples parasitismo e de instalação numa vida fácil, ou de uma exaltação espiritualista resultante da convicção de que a segunda vinda de Jesus estava próxima e não valeria a pena preocupar-se com a luta diária pela existência. Mas Paulo, com dureza inesperada, chama à razão os cristãos de Tessalónica.
Paulo argumenta com o seu próprio exemplo: nunca viveu na ociosidade, nem comeu de graça o pão que não lhe pertencia; sempre trabalhou duramente, noite e dia, para não se tornar pesado aos irmãos; e, até mesmo, durante as suas viagens ao serviço do Evangelho, nunca viveu à custa das comunidades que servia. Poderia tê-lo feito, pois tinha esse direito, mas nunca aceitou qualquer pagamento, nem se aproveitou do seu múnus pastoral para conseguir qualquer benefício material. Repetidas vezes, nas cartas, Paulo sublinha a sua opção, em relação a esta questão: ninguém o poderá acusar de viver à custa dos irmãos ou de se servir do Evangelho para levar uma vida de ociosidade.
Apresentado o seu exemplo, o apóstolo retoma o tom exigente e autoritário. Repete o que disse aos Tessalonicenses quando esteve entre eles: se alguém não quer trabalhar, também não tem o direito de comer. Os membros da comunidade cristã de Tessalónica “que vivem na ociosidade, sem fazerem trabalho algum, mas ocupados em futilidades”, devem repensar a sua atitude. Trata-se de algo tão sério, que Paulo não hesita em fazer uso da autoridade apostólica que lhe foi confiada pelo Senhor Jesus: “A esses ordenamos e recomendamos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que trabalhem tranquilamente, para ganharem o pão que comem.”
Na verdade, quando alguém, numa comunidade, se instala na ociosidade e vive à custa dos outros, sem contribuir para o esforço comum, lesar gravemente a unidade e a harmonia comunitárias. A sua atitude será fonte de conflitos e de divisões, levará ao desgaste da solidariedade, destruirá a comunhão. Viver em comunidade exige a repartição equitativa dos recursos a que a comunidade tem acesso e a responsabilização de todos os membros, a fim de que todos ponham ao serviço dos irmãos os próprios dons e contribuam para a construção, para o equilíbrio e para a harmonia comunitárias.

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Por tudo, é justo cantar com o salmista:

“O Senhor virá governar com justiça.”

“Cantai ao Senhor ao som da cítara, / ao som da cítara e da lira; / ao som da tuba e da trombeta,
/ aclamai o Senhor, nosso Rei.
“Ressoe o mar e tudo o que ele encerra, / a terra inteira e tudo o que nela habita; / aplaudam os rios / e as montanhas exultem de alegria.
“Diante do Senhor que vem, / que vem para julgar a terra; / julgará o mundo com justiça / e os povos com equidade. 

E com o Evangelho:

“Aleluia. Aleluia. Erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima.”

2025.11.16 – Louro de Carvalho

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