quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Eleição de Paul Coakley para presidir à USCCB não é sinal de ousadia

 

Os bispos católicos dos Estados Unidos da América (EUA) elegeram, a 11 de novembro, em Baltimore, o arcebispo de Oklahoma City, Paul Coakley, como presidente Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos da América (USCCB), no âmbito da assembleia plenária (em curso entre os dias 10 e 13), tendo, assim, um defensor da cultura conservadora a liderá-los durante o segundo mandato do presidente Donald Trump.
A votação serve como um barómetro das prioridades dos bispos. Ao escolherem Paul Coakley, estão a reforçar a tendência conservadora, mesmo quando pressionam por políticas de imigração mais humanas, por parte da administração norte-americana. O arcebispo de Oklahoma City era visto como forte candidato para o posto principal, tendo já sido eleito, em 2022 para servir como secretário, o terceiro elemento mais importante da presidência da USCCB. E, em três rondas de votação, superou o candidato centrista, o bispo Daniel Flores de Brownsville, Texas, que foi, posteriormente, eleito vice-presidente.
Paul Coakley é conselheiro do Napa Institute, associação de influentes católicos conservadores. Em 2018, apoiou, publicamente, um crítico fervoroso do Papa Francisco, o arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, que foi, mais tarde, excomungado por posições consideradas como promotoras de divisões.
A Conferência dos Bispos Católicos dos EUA tem, frequentemente, discordado do Vaticano e da abordagem inclusiva e modernizadora do falecido Papa Francisco. O seu sucessor, nascido nos EUA, o Papa Leão XIV, continua a realçar, de forma pastoral, as pessoas marginalizadas, a pobreza e o ambiente. Por conseguinte, a escolha de Paul Coakley pode alimentar tensões com o Papa, de acordo com Steven Millies, professor de teologia pública na Catholic Theological Union, em Chicago, que afirmou: “No longo conflito entre muitos bispos dos EUA e Francisco, que Leão XIV herda, este não é um passo de desescalada.”
Metade dos 10 candidatos na votação vem da ala conservadora da conferência. A diferença é mais de estilo do que de substância. A maioria dos bispos católicos dos EUA é, consistentemente, conservadora em questões sociais, mas alguns, como o arcebispo de Oklahoma, dão mais ênfase à oposição ao aborto e aos direitos LGBTQ+.
Os candidatos foram apresentados pelos seus colegas bispos, e Paul Coakley sucede, para um mandato de três anos, ao líder cessante, o Arcebispo dos Serviços Militares, Timothy Broglio. O atual vice-presidente, o Arcebispo William Lori, de Baltimore, estava demasiado próximo da idade de reforma obrigatória de 75 anos, para assumir o cargo principal. EPaul Coakley superou o conservador bem conhecido, Robert Barron, da diocese de Winona-Rochester, no Minnesota, cujo popular ministério Word on Fire o tornou uma estrela mediática católica.
Durante a reunião anual de outono, os bispos elaboraram uma declaração sobre imigração. Em muitas questões, parecem muito divididos e polarizados, quanto ao seu país, mas, em relação à imigração, mesmo os líderes católicos mais conservadores estão ao lado dos migrantes. A questão, porém, é com que força o corpo episcopal inteiro planeia falar sobre as duras estratégias de imigração da administração de Donald Trump. O receio da aplicação das leis de imigração tem feito diminuir a frequência das pessoas, na Missa, em algumas paróquias.
Os clérigos locais estão a lutar para administrar sacramentos a imigrantes detidos. Os bispos encerraram o seu antigo programa de reassentamento de refugiados após a administração Trump ter interrompido o financiamento federal para a ajuda ao reassentamento. “No plano político [...], durante décadas os bispos dos EUA têm defendido uma reforma abrangente da imigração”, disse o bispo Kevin Rhoades, da diocese de Fort Wayne-South Bend, no Indiana.
Kevin Rhoades, que faz parte da Comissão de Liberdade Religiosa de Trump e lidera o comité dos bispos sobre liberdade religiosa, disse que os bispos estão muito preocupados com o facto de os migrantes detidos receberem cuidados pastorais e os sacramentos. “Isso é uma questão do direito de adoração”, vincou.
Os bispos enviaram uma carta ao Papa Leão a partir da sua reunião, afirmando que “continuarão a apoiar os migrantes e a defender o direito de todos a adorar [Deus] livres de intimidação”. E dizem: “Apoiamos fronteiras seguras e ordenadas e ações das autoridades, em resposta a atividades criminosas perigosas, mas não podemos permanecer em silêncio, nesta hora difícil, enquanto o direito de adoração e o direito a um devido processo estão a ser minados.”
Recentemente, o Papa pediu uma “reflexão profunda”, nos EUA, sobre o tratamento dos migrantes detidos, que “nunca causaram problemas e têm sido profundamente afetados pelo que está a acontecer neste momento”. Com efeito, a 4 de novembro, ao sair da sua residência de verão, em Castel Gandolfo, foi questionado, por repórteres, sobre Chicago, a sua cidade natal, onde as autoridades proibiram os padres católicos de darem a comunhão aos migrantes detidos.
“Muitas pessoas que viveram, durante anos e anos, sem nunca causarem problemas foram profundamente afetadas pelo que está a acontecer neste momento”, lamentou Leão XIV, convidando a respeitar as “necessidades espirituais” das pessoas detidas.
Agora, a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA apresenta-se ao Papa em “comunhão” com estas preocupações, assinalando que a “caridade, verdadeiro amor a Deus e ao próximo” é uma dimensão obrigatório da fé cristã. E a sua carta denuncia uma “cultura de medo” que atinge os “irmãos e irmãs migrantes”, levando muitos a hesitar em “sair de casa e até ir à igreja, com receio de serem aleatoriamente assediados ou detidos”. Entre os desafios apontados, os bispos dos EUA referem “o estreitamento e egoísmo do individualismo”, “a polarização, animosidade e violência política”, bem como “as constantes ameaças à vida e dignidade de cada pessoa humana, especialmente dos pobres, idosos e nascituros”.

***

Refere o jornal digital “7margens” que, depois de, em dois escrutínios, nenhum dos 10 pré-selecionados ter obtido maioria, a votação foi entre os dois mais votados: o arcebispo Paul Coakley, de 70 anos, e o bispo de Brownsville, no Texas, Daniel Flores, nascido em 1961. O resultado decidiu-se por escassa margem (128 e 109 votos, respetivamente), dando a vitória ao prelado de Oklahoma.
O novo líder da USCCB foi o que se costuma designar por “vocação tardia” – enveredou pelos estudos teológicos depois de um curso universitário em antiguidade clássica, tendo feito, a seguir, carreira eclesiástica vulgar, com um tempo de formação em Roma, trabalho pastoral, em várias dioceses, e nomeação episcopal pelo Papa São João Paulo II.
O seu nome saltou para a ribalta, quando veio a público apoiar o arcebispo Carlo Maria Viganò, quando este ex-núncio apostólico nos EUA exigiu, em 2018, a renúncia do Papa Francisco, acusando-o (falsamente, como se veio a provar) de ter encoberto os abusos do cardeal Theodore McCarrick. Na verdade, o Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) veio a declarar Viganò cismático e excomungado, em 5 de julho de 2024, na sequência de um processo em que o próprio visado recusou comparecer, por não aceitar ser julgado pelos mesmos a quem acusava de heresia. Porém, Paul Coakley nunca se demarcou, nem retirou a nota pública que emitiu, nem mesmo depois do encerramento do processo a Viganò.
De facto, este eclesiástico é conhecido pela bonomia e empatia, por um lado, e pela faceta de “guerreiro cultural”, por outro, sobretudo em torno da denúncia pública dos políticos (democratas) que defendem o direito ao aborto. É também assistente de uma organização – o NAPA Institute, fundado e financiado por um conhecido admirador de Trump – que pretende “re-evangelizar a América”, “empoderando lideranças para que apoiem causas católicas”.
Perfil diferente tem o bispo Flores, eleito vice-presidente, com probabilidade de vir a ser o futuro presidente. É mais académico e é benquisto, quer de conservadores, quer de progressistas. Estando numa diocese fronteiriça, conhece o problema da imigração e, ainda no primeiro mandato do atual presidente, alertava a USCCB para a necessidade de refletir – e de agir –, face aos tratamentos desumanos a que os trabalhadores migrantes estavam sujeitos. Foi, entretanto, em torno do Sínodo e da sinodalidade que o seu nome se destacou, por ter sido escolhido para coordenar os trabalhos, no país, e para integrar a delegação dos EUA às duas assembleias sinodais.
Vários dos aspetos associados ao perfil dos bispos eleitos têm estado presentes na assembleia plenária dos bispos, enquanto pontos da agenda para debate e decisão, alguns dos quais abordados em público, através da transmissão através da Internet, e outros debatidos à porta fechada. No primeiro caso, têm estado matérias como a situação que afeta migrantes e refugiados, a discussão e a votação das diretrizes éticas e religiosas para os serviços de saúde católicos ou a marcação de um congresso eucarístico nacional para 2029. Outras matérias, como “a implementação do sínodo em curso” e “as melhores práticas para aplicar a instrução ‘Laudato Sí’ e o apostolado dos leigos” são objeto de reflexão, mas longe dos olhares dos media, das comunidades católicas e dos jornalistas que localmente cobrem a assembleia.
Comentando esta opção, o jornalista e padre jesuíta Thomas Reese, favorável a assembleias com tempos reservados aos bispos e aos seus convidados, escreve na sua coluna, no “Religion News Service”, que ter metade do tempo dos trabalhos à porta fechada constitui “um escândalo”, já que isso representa a “admissão de que não conseguem ‘discutir livre e francamente’ em público temas centrais do papado de Francisco, como a sinodalidade, o apostolado dos leigos e a ‘Laudato Si’”. Para o colunista, seria uma boa oportunidade os bispos praticarem a sinodalidade e serem um exemplo para os seus padres.
As precauções dos bispos não serão alheias às divisões e polarizações a propósito de uma série de assuntos. O próprio Thomas Reese refere esse fosso entre os padres, especialmente, os mais novos, que rejeitam o legado de Francisco, e outros que defendem esse legado e querem ir mais além – enquanto os jovens que acreditam, mas não têm religião, ultrapassaram o número de católicos. Também Donald Trump é fator de divisão na sociedade. Para uns, é o “salvador” e, ao para outros, é uma “ameaça”. Muitos recusam-se a falar com quem deles discorda e “cada vez mais pessoas veem a violência como uma forma de resolver disputas políticas”.
Neste quadro, um tema que divide os bispos – e que tratarão em público – é o modo como Trump persegue e deporta os imigrantes e refugiados. Uns por convicção, outros pressionados por Francisco e por Leão XIV, desencadearam iniciativas de acolhimento e de apoio em muitas dioceses. Porém, divergem no modo de proceder. Uns queriam ser mais contundentes e frontais na denúncia, enquanto outros temem que uma posição dura interrompa o diálogo com o governo – que cortou os apoios que dava à Igreja para acolher os migrantes e suas famílias.
É difícil prever se os bispos condenarão as táticas duras do Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA contra os migrantes e o uso dos militares e da Guarda Nacional. Neste quadro, a escolha de Paul Coakley para presidente da USCCB parece aponta para a continuidade, que se preocupa com os imigrantes, mas sem pôr em causa a política da administração Trump, mas terão, em Roma, um Papa atento à Igreja de que é originário.

***

Entretanto, a USCCB aprovou a consagração do país ao Sagrado Coração de Jesus, em 2026, por ocasião da passagem do 250.º aniversário dos EUA.
A assembleia plenária de outono da USCCB, em Baltimore, no Estado de Maryland, nos EUA, votou por “confiar a nossa nação ao amor e cuidado do Sagrado Coração de Jesus”. Consagrar o país é oportunidade “para lembrar a todos da nossa tarefa de servir à nossa nação, aperfeiçoando a ordem temporal com o espírito do Evangelho, conforme ensinado pelo Concílio Vaticano II”, disse o bispo de Fort Wayne-South Bend, na Indiana, Kevin Rhoades.
“Há cem anos, em 1925, na sua encíclica [Quas primas] que instituiu a festa de Cristo Rei, o Papa Pio XI, baseando-se no magistério do Papa Leão XIII, referiu-se ao costume de se consagrar a si mesmo, as famílias e até as nações ao Sagrado Coração de Jesus, como um modo de reconhecer a afinidade com Cristo”, declarou Kevin Rhoades, considerando que, para ajudar os fiéis a prepararem-se para a consagração, a USCCB vai desenvolver materiais de oração, entre eles uma novena e que a conferência episcopal está a reunir recursos para uso das dioceses, de paróquias e de outros grupos, com o objetivo de envolver fiéis.
“Na sua quarta e última encíclica ‘Dilexit nos’, Francisco trouxe a devoção ao Sagrado Coração para o centro da vida católica, como o símbolo máximo do amor humano e divino, chamando-o de fonte de paz e unidade”, explicitou Kevin Rhoades, que foi presidente do comité de liberdade religiosa da USCCB, frisando que Francisco “escreveu sobre como o Sagrado Coração nos ensina a construir, neste Mundo, o reino de Deus, de amor e justiça”.
“Depois, em sua primeira exortação apostólica “Dilexi te’, Leão XIV, seguindo o magistério do papa Francisco, convida-nos a contemplar o amor de Cristo, o amor que nos move à missão em nosso mundo sofredor de hoje”, acrescentou o bispo de Fort Wayne-South Bend.
Antes da votação da USCCB para consagrar os EUA ao Sagrado Coração de Jesus, o arcebispo de Seattle, Paul Etienne, perguntou se a conferência episcopal incluiria materiais catequéticos para orientar os fiéis, já que a devoção “convida, em última análise, as pessoas a um relacionamento mais profundo com a própria pessoa de Jesus”, pois, segundo este prelado, “a devoção ao Sagrado Coração é uma devoção muito rica e quase complexa”. Kevin Rhoades respondeu que pretendem ter materiais catequéticos, porque “há uma abundância de belas doutrinas”; e, a pedido do bispo de San Antonio, Texas, Arturo Cepeda, referiu que a USCCB fornecerá os materiais em vários idiomas, “para envolver o maior número possível de pessoas”, e que os recursos permitirão que indivíduos e famílias façam a sua própria consagração, já que a consagração acontece, simultaneamente, em todo o país.
O arcebispo de Miami, Thomas Wenski, propôs uma celebração no encontro de primavera das USCCB, em Orlando, na Flórida, em junho do ano que vem, na solenidade do Sagrado Coração de Jesus, e sugeriu convidar Donald Trump, o vice-presidente dos EUA, James David Vance, e outras autoridades para comparecerem ao evento.
A História da devoção ao Sagrado Coração remonta a 1673. Num mosteiro da ordem da Visitação de Santa Maria, no Leste da França, Santa Margarida Maria Alacoque começou a ter visões do Sagrado Coração de Jesus que continuaram por 18 meses. Nas suas visões, a irmã Margarida Maria aprendeu maneiras de venerar o Sagrado Coração de Jesus. Entre essas devoções, estavam a Hora Santa, às quintas-feiras, a festa do Sagrado Coração, na sexta-feira após a oitava de Corpus Christi, e a receção da Eucaristia na primeira sexta-feira de cada mês. Em 16 de junho de 1675, Jesus ordenou a Margarida Maria a promoção da festa em honra do Sagrado Coração e fez-lhe doze promessas atinentes aos que venerassem e promovessem esta devoção.
Inicialmente, a Santa Sé hesitou em declarar a festa do Sagrado Coração de Jesus. Porém, à medida que a devoção se espalhava pela França, a Santa Sé concedeu à França a festa do Sagrado Coração de Jesus, em 1765. E, em 1856, o Papa beato papa Pio IX designou a sexta-feira seguinte à oitava de Corpus Christi como a festa do Sagrado Coração para a Igreja universal.

2025.11.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário