sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Sondagens sobre eleições presidenciais podem baralhar o eleitorado

 

Foi publicada, a 27 de novembro, uma nova sondagem, a qual o almirante Gouveia e Melo lidera, quase empatado com André Ventura, não passando João Cotrim de Figueiredo dos 3% votos – dados bem distintos de outras publicadas em outubro e em novembro.
A sondagem foi realizada antes do início dos debates televisivos, que se iniciaram a 17 de novembro. E está ser fortemente contestada pelos outros candidatos, sobretudo, por Cotrim de Figueiredo, como se tratasse de brincadeira ou do intuito de baralhar os eleitores.
Ora, as sondagens refletem o estado aproximado da população num determinado momento, servindo de indicador para a opinião pública, neste caso, o eleitorado, e para os protagonistas do objeto da sondagem, no caso, os candidatos à Presidência da República, cujo ato eleitoral está agendado para 18 de janeiro de 2026.
É certo que, além do indicador referido e ao invés desse objetivo, as sondagens podem ter o efeito perverso de condicionar o voto dos eleitores ou até a sua comparência às urnas, porque já não vale a pena ou porque a eleição está ganha.  Não obstante, o importante não é a sondagem, mas o que os eleitores e/ou os candidatos façam com ela, como sucede com os debates, cujo mérito não está no ganho, mas na gestão que se faça da boa prestação ou na correção da prestação medíocre.
Do meu ponto de vista, a esta sondagem só lhe é apontável o ter vindo a destempo, ou seja, quando a pré-campanha eleitoral já está na rua e nos debates. Já no apeto técnico atinente ao estudos de opinião, não parece que se lhe possa apontar alguma falha, pelo que vale tanto como as demais.
Este relatório baseia-se numa sondagem coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) e do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris, entre os dias 7 e 17 de novembro de 2025. O seu universo é constituído pelos indivíduos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e com capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental.
Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis sexo, idade (quatro grupos), instrução (três grupos), região (sete regiões NUTS II – Nomenclatura de Unidades Territoriais Estatísticas de nível II) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (cinco grupos). A partir de uma matriz inicial de região e de habitat, foram selecionados, aleatoriamente, 99 pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas.
A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal, na residência dos inquiridos, em sistema CAPI – Computer-Assisted Personal Interviewing), uma técnica de entrevista presencial que usa computador ou dispositivo móvel (como um tablet) para conduzir a pesquisa e registar as respostas em tempo real –, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida através de simulação de voto em urna. Foram contactados 2980 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 807 entrevistas válidas (com taxa de resposta de 27%, e com taxa de cooperação de 41%). O trabalho de campo foi realizado por 36 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo.
Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação, de acordo com a frequência de prática religiosa e com a pertença a sindicatos ou a associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 11). E a margem de erro máxima associada à amostra aleatória simples de 807 inquiridos é de +/- 3,5%, com nível de confiança de 95%.

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Desta vez, a sondagem feita para o Expresso e para a SIC coloca o almirante Henrique Gouveia e Melo e André Ventura, presidente do Chega, com 18% de intenções de voto, cada, um pouco à frente dos 16% de Luís Marques Mendes, antigo presidente do PSD.
Depois, feita a distribuição dos indecisos e a exclusão dos abstencionistas, o almirante fica com 26% das intenções de voto, contra 25% do presidente do Chega. Marques Mendes, apoiado pelo Partido Social Democrata (PSD), continua a seguir, com 23%. António José Seguro, apoiado pelo Partido Socialista (PS) e seu antigo secretário-geral, aparece um pouco mais longe dos três primeiros: 10% (com 14% após distribuição de indecisos). João Cotrim de Figueiredo, ex-presidente da Iniciativa Liberal (IL), não passa dos 3% (e 5%, após a distribuição dos indecisos e a exclusão dos abstencionistas). António Filipe, do Partido Comunista Português (PCP) e antigo vice-presidente do Parlamento, fica-se pelos 2%; Catarina Martins, do Bloco de Esquerda (BE), fica em 1%. E Jorge Pinto, do Livre (L), e Joana Amaral Dias, da Alternativa Democrática Nacional (ADN), nem chegam a 1%, pelo que não aparecem neste estudo.
Quem “ganha” são os indecisos, que são 22% dos inquiridos. E este será um fator essencial para explicar os resultados distintos uns dos outros, comparando as quatro sondagens publicadas nos últimos dias.
Há uma semana, quem surgia à frente, na sondagem da Intercampus era Marques Mendes, e Gouveia e Melo estava em terceiro – e com percentagens bem diferentes. Nenhum passava dos 16%). Além disso, Cotrim aparecia à frente de António Seguro, com mais de 11%. Poucos dias antes, nas contas da Pitagórica, havia empate técnico a envolver o almirante, mas com Marques Mendes, e não com André Ventura – de quem estava próximo Cotrim de Figueiredo.
O candidato apoiado pela IL, que se quer colocar ao nível dos mais bem posicionados, não acredita nos seus 3% e já se queixou desta sondagem. “Que acham disto? Absolutamente inacreditável. Não será isto manipular a opinião dos portugueses? Ou enganaram-se sem querer, ou enganaram-se de propósito. Se se enganaram sem querer, é grave, porque é incompetência. Não seria impossível, porque esta empresa de sondagens sempre subestimou os meus resultados. A três semanas do ato eleitoral das europeias, deram-me menos de metade do resultado que, efetivamente, tive. Se é por erro de propósito, pior ainda. É para quê? É para gerar, aqui, um clima de favorecimento de voto útil do lado de uma candidatura?”, questiona, num vídeo publicado nas redes sociais.

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Se as eleições presidenciais fossem nestes dias, não haveria vencedor à primeira volta e seriam os candidatos André Ventura e Gouveia e Melo a passar à segunda volta. Isto, a menos de dois meses para as eleições presidenciais de 18 de janeiro. Na verdade, André Ventura e Henrique Gouveia e Melo surgem empatados, na sondagem do ICS-UL e do ISCTE-IUL, para a SIC e para o Expresso, ambos com 18% das intenções de voto. E são, apesar de tudo, seguidos de perto e dentro da margem de erro, por Luís Marques Mendes. Há, portanto, empate técnico, a três.
Em quarto lugar, mas a larga distância, está António José Seguro, com 10%. João Cotrim Figueiredo não vai além dos 3%, António Filipe obtém 2% e Catarina Martins só obtém 1%. E Jorge Pinto, candidato apoiado pelo Livre, e Joana Amaral Dias, não chegam a 1%, razão por que não aparecem discriminados. Dos outros candidatos nem se fala.
Neste estudo de opinião, 8% assumem a abstenção e 22% confessam-se indecisos. Sendo assim, como foi referido, distribuídos os indecisos e excluídos os abstencionistas, a vitória (resvés) é de Gouveia e Melo, com 26%. Porém, André Ventura está a seguir, com 25%, e Marques Mendes logo abaixo, com 23%. António José Seguro alcança os 14%, mais 9% do que Cotrim Figueiredo, com 5%. António Filipe e Catarina Martins ficam pelos 2%. Mais longe estão o ex-presidente da IL (5%), o antigo vice-presidente do Parlamento do PCP António Filipe (2%) e a bloquista Catarina Martins (2%).
O trabalho de campo da sondagem terminou, como dissemos, antes ainda de começarem os debates entre os candidatos, pelo que não reflete o impacto que estes possam ter na opinião dos inquiridos. Além disso, os resultados deste estudo de opinião esbarram com os dados de outras sondagens publicadas até agora. Por exemplo, a sondagem da Intercampus para o Correio da Manhã, publicada a 30 de outubro, deixava Henrique Gouveia e Melo fora da segunda volta das eleições presidenciais. Era a primeira vez que isso acontecia ao almirante, que ficou famoso pela sua liderança da task-force da vacinação contra a covid-19 e por algumas declarações e atitudes enquanto chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
A sondagem da Intercampus colocava Luís Marques Mendes como vencedor e André Ventura no segundo lugar, passando ambos à segunda volta e deixando pelo caminho o antigo coordenador do programa de vacinação, até àquela data favorito das sondagens. O candidato apoiado pelo PSD teria 16,8%, seguido pelo líder do Chega com 15,8%. O almirante na reserva ficaria logo atrás de André Ventura, com 15,4%.
Na segunda volta, Marques Mendes derrotaria qualquer candidato, segundo aquela sondagem. Já Gouveia e Melo perderia contra Luís Marques Mendes, mas derrotaria André Ventura. O candidato apoiado pelo PS, António José Seguro, surgia em quarto lugar, com 12,3%, à frente do candidato da IL, João Cotrim de Figueiredo, com 8,4%. Catarina Martins (BE) teria 7,1% e António Filipe (PCP) 4,6%. Eram números que poderiam mudar, devido ao grande número de indecisos, já que mais de 19% dos inquiridos se inseria na categoria “não sabe/não responde”. Tudo isto apontava, previsivelmente, para as primeiras presidenciais, desde há 40 anos, a precisarem de segunda volta, para que haja uma decisão final. E essa previsão mantém-se, face aos resultados que os dados permitem concluir e face ao aumento de indecisos: de mais de 19% para 22%.  

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Na última vez que o estudo foi feito, a um ano das eleições, o cenário era diferente, com Gouveia e Melo a liderar destacado as intenções brutas de voto (25%). A queda é significativa, mas não indiferente ao facto de, então, haver muita incerteza sobre quem avançava. E o que mudou mais foi a caraterização do eleitorado do almirante: se, em janeiro, a fatia maior dos seus eleitores vinha do centro ou da direita, agora é à esquerda que ele obtém mais votos: 24% dos eleitores que se dizem de esquerda estão com o almirante na reserva (28% com António José Seguro), enquanto apenas 16% dos que se consideram de direita admitem apoiar essa candidatura. Porém, 20% dos eleitores de centro continuam fiéis ao ex-CEMA.
A análise do perfil dos inquiridos permite apurar outra perceção, que deve preocupar os partidos tradicionais: entre as camadas mais jovens (incluindo os jovens e os adultos até aos 44 anos), André Ventura é o escolhido pela grande maioria dos inquiridos: 34% dos mais jovens escolhe-o, enquanto 8% escolhe o almirante e 6% Marques Mendes ou António José Seguro, que não entram nesta faixa etária. Entre os adultos até aos 44 anos, André Ventura tem 25% dos votos, o almirante 15% e Marques Mendes 12%. Também aqui, sobressai o líder do Chega.
Com André Ventura na disputa, com altos níveis de lealdade partidária (87% dos simpatizantes do Chega votam nele, e apenas 2% votam no almirante), a candidatura independente e apartidária de Gouveia e Melo é alimentada, sobretudo, por eleitores do PSD e do PS. Marques Mendes continua a ter metade (50%) dos eleitores do PSD, com Gouveia e Melo a ficar com 24% desses; ao passo que António José Seguro tem dificuldades maiores, atraindo apenas 42% dos simpatizantes do PS, com Gouveia e Melo a conseguir 29% desse universo.
No resto, o perfil do eleitor de Marques Mendes assemelha-se mais ao perfil do eleitor de Gouveia e Melo: maior preponderância de mulheres, de pessoas mais velhas e que consideram ter vida confortável, em termos de rendimento; a diferença maior entre os dois é que Marques Mendes tem mais vantagem entre os que têm mais estudos, enquanto o almirante tem maior peso nos menos instruídos. Mais: Marques Mendes, António José Seguro e o almirante têm dificuldades em entrar nas camadas mais jovens do eleitorado, onde Ventura comanda.
Os eleitores de André Ventura são mais homens do que mulheres, com idades mais jovens, com nível de escolaridade intermédio e com baixo rendimento. Marques Mendes consegue atrair os que não têm simpatia partidária (13% dos inquiridos sem simpatias partidárias admitem votar nele, enquanto 18% admitem ir para o almirante e 11% para Ventura). Ao invés, António José Seguro tem apenas 4% dos inquiridos sem simpatia partidária.
Mais importante do que as sondagens e do que os debates é o que se diz sobre isso. Ou seja, o que mais importa é a perceção criada a partir da prestação de cada candidato. Porém, só a perceção que adira à realidade é que marca. E, sendo as eleições presidenciais bastante pessoalizadas, o período de debates ganha particular relevância, ao permitir aos candidatos darem-se a conhecer como pessoas, mostrarem como reagem em contexto de confronto, revelarem que ideia e valores têm e exprimirem que ideias e valores pretendem transmitir ao eleitorado.
Segundo a Universal McCann (UM), agência de meios do grupo IPG Mediabrands, o primeiro debate entre André Ventura e António José Seguro foi o mais visto da primeira semana de debates, com audiência de um milhão e 520 mil telespectadores, ao passo que o debate entre Gouveia e Melo e Cotrim de Figueiredo foi o menos visto da semana, com a audiência de 1,1 milhões de telespetadores. No meio, está o debate entre Gouveia e Melo e Catarina Martins, com a audiência de 1,3 milhões de telespetadores, e o debate entre Luís Marques Mendes e António Filipe, também com a audiência de 1,3 milhões.
Estas audiências massificadas fazem dos debates televisivos um momento-chave, apesar de a comunicação e a forma de fazer política tenham sofrido profundas alterações, com um consumo cada vez maior de informação pelas redes sociais, muito embora estas fragmentem audiências e acelerem ritmos. Por outro lado, os debates alimentam as redes sociais e são importantes para os eleitores pouco atentos ou indecisos, já que os outros têm preferências relativamente estáveis. Contudo, os debates funcionam como pontos de cristalização da intenção de voto.
No entanto, perversamente, a maior parte dos comentadores dos debates não deixa que o eleitor faça o seu juízo sobre o debate. Antecipando opinião sobre o debate e sobre o mérito-demérito dos intervenientes, chegando a produzir uma avaliação pontuada, condicionam o eleitor e tentam manipulá-lo, ao serviço da posição política do comentador.
Além disso, a folclórica floresta de candidatos (alguns nem têm oportunidade de fazer passar qualquer mensagem) dispersa votos e dá um cunho de menor seriedade ao escrutínio.   
Seja como for, além dos debates, que podem ser decisivos na estabilização do sentido de voto, também as primeiras semanas de janeiro – estrito período da campanha oficial –, farão a diferença, em especial, se houver dramatização na mobilização final, no caso de as sondagens continuarem a não ser conclusivas. Também aqui se confirma o acenso da direita radical.
Enfim, como diz a sabedoria popular, até ao lavar dos cestos, é a vindima.

2025.11.28 – Louro de Carvalho

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