segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A origem do Halloween é europeia

 

Embora haja várias teorias sobre a sua origem, a mais consensual faz remontar o Halloween ao festival Samhain, a festa celta – celebrada nos territórios pagãos da Irlanda, da Escócia e da Ilha de Man (entre os anos 600 a.C. e 800 d.C.) – que marcava o fim do verão, as colheitas e o início do novo ano, crendo-se que as barreiras entre o reino dos vivos e o dos mortos se enfraqueciam, de modo que os espíritos transitassem livremente. 
Assim, o Samhain tinha como objetivo prestar culto aos mortos e à deusa YuuByeol (símbolo da perfeição celta). A invasão das Ilhas Britânicas pelos Romanos (46 a.C.) uniu a cultura latina com a celta, sendo que esta última foi decrescendo com o tempo.
Pela cristianização, a Igreja Católica estabeleceu o Dia de Todos os Santos, a 1 de novembro, e a noite anterior (31 de outubro) tornou-se a “All Hallows’ Eve” (Véspera de Todos os Santos). 
A celebração foi levada para os Estados Unidos da América (EUA) por imigrantes irlandeses, no século XIX, onde se misturou com outras tradições e evoluiu para o Halloween moderno. Assim, o Halloween foi popularizado com influências cristãs e norte-americanas. 
O primeiro registo do termo “Halloween” é de cerca de 1745. É contração do termo inglês “All Hallows’ Eve”, que significa Véspera de Todos os Santos (véspera de 1 de novembro, data comemorativa religiosa cristã), o início da Estação de Todos os Santos.  A expressão “All Hallows’ Eve” é tradução da expressão latina “Vigilia Omnium Sanctorum”, assumida nas Ilhas Britânicas no tempo do papa Gregório III, após o declínio dos Romanos nessas Ilhas.
A designação “Dia das Bruxas” não tem relação direta com o termo inglês “Halloween”, quando se comparam os seus significados, embora “Dia das Bruxas” seja a denominação portuguesa popular do “Halloween”.
O Halloween foi conhecido, na década de 1920, na imprensa norte-americana, como “witches’ night” (designação não oficial que já caiu em desuso), mas, aparentemente, foi esta expressão que, na década de 1920, foi traduzida para o Português como “noite das bruxas” e, depois, adaptada para Dia das Bruxas. Aliás, até 1936, “Noite das Bruxas” era mais frequente do que “Dia das Bruxas” e, muito mais frequente ainda, era a “Festa das Bruxas”. Depois de 1936, desaparecem das páginas dos jornais as referências à festa, à noite ou ao “Dia das Bruxas”, para só reaparecerem em meados dos anos 1950.
O antigo Halloween tem marcas diferentes das atuais abóboras ou da famosa expressão “doçura ou travessura” exportada pelos EUA, que a herdaram da comemoração, a partir dos colonizadores britânicos e que, posteriormente, a popularizaram. Originariamente, o Halloween não tinha conexão com bruxas. Era o festival do calendário celta, o Samhain (“fim de verão”, de “samh”: verão + fuin”: fim), celebrado entre 30 de outubro e 2 de novembro, a marcar o fim do verão e o dia da colheita, antes que os espíritos malignos “Pooka” destruíssem as plantações. Assim, para apaziguarem os Pooka, as pessoas ofereciam-lhes comida (“trick ou treat”: “doçuras ou travessuras”) e vestiam roupas e máscaras assustadoras, para não serem reconhecidas.
A origem no uso da abóbora provém de um mito irlandês sobre Stingy Jack, que enganou o Diabo para o seu próprio benefício monetário. Quando Jack morreu, Deus não lhe permitiu entrar no Céu e o Diabo não o deixou entrar no Inferno. Então, Jack foi sentenciado a vagar pela Terra, por toda a eternidade. Na Irlanda, as pessoas começaram a esculpir rostos demoníacos em nabos, para assustar a alma errante de Jack. Quando os imigrantes irlandeses se mudaram para os EUA, começaram a esculpir o Jack-o’-lantern em abóboras, pois eram nativas da região.
No século IV d.C., a Igreja de Antioquia começou a celebrar a festa dos mártires, no domingo subsequente ao Pentecostes. Em 741 (século VIII), o papa Gregório III, transformou um templo romano (panteão: dedicado a todos os deuses) numa capela, que dedicou a Todos os Santos e mudou a data da celebração (era feita a 13 de maio) para 1 de novembro, que era o dia da dedicação da capela de Todos os Santos, na Basílica de São Pedro, em Roma. E, em 840 (século IX), o papa Gregório IV fixou, definitivamente, em 1 de novembro, a data da celebração, em toda a Igreja, de todos os santos, conhecidos (canonizados e beatos) ou desconhecidos, sobretudo, os que não têm dia hagiológico próprio. Isso significava que a Véspera de Todos os Santos (ou Halloween) calhava em 31 de outubro. E mantiveram-se as tradições de Samhain, como o uso de disfarces para se esconder das almas que vagavam pela casa. E o folclore sobre Stingy Jack foi incorporado no Halloween, e têm sido, desde então, esculpidos nabos ou abóboras.

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A 31 de outubro, a Euronews publicou um artigo de Jesús Maturana, sob o título “Afinal, o Halloween não tem origem nos EUA. É europeu”, a vincar que a noite de 31 de outubro se tornou numa das “celebrações mais populares do Mundo” e que o Halloween, embora associado, atualmente, aos EUA, tem as suas raízes nas antigas tradições celtas europeias, chegando, depois, ao continente norte-americano com os imigrantes irlandeses do século XIX.
Sustenta que o termo “Halloween” tem raízes cristãs, com origem na expressão escocesa “All Hallows’ Eve” (véspera de Todos os Santos), significando “even”, em escocês, “noite”. A expressão foi encurtada com o tempo até ficar Halloween. A festividade está ligada às celebrações cristãs do Dia de Todos os Santos e de Finados, conhecidas conjuntamente como “Allhallowtide”, que se sobrepuseram à antiga celebração celta de Samhain.
Jesús Maturana lembra que os Celtas das Ilhas Britânicas celebravam este ritual a marcar a transição entre a época das colheitas e o inverno sombrio. Acreditavam que, naquela noite mágica, se tornava mais fino o véu entre o mundo dos vivos o do mortos, permitindo que os espíritos cruzassem os dois mundos. Para se protegerem, acendiam grandes fogueiras comunitárias, que afugentavam as entidades maléficas.
Entretanto, com a progressiva cristianização da data, chegou-se ao ponto de, por volta do ano 800, as igrejas da Irlanda e da Nortúmbria já celebrarem a festa de Todos os Santos. “Em 835, tornou-se uma data oficial no Império Franco”, diz o articulista, mencionando que “alguns historiadores sugerem que esta data foi escolhida, devido à influência celta ou germânica, uma vez que ambas as culturas comemoravam os mortos, no início do inverno, uma época de ‘morte’ na Natureza”.
De acordo com Jesús Maturana, a tradição do Halloween atravessou o Atlântico, entre 1845 e 1849, durante a devastadora Grande Fome na Irlanda. Milhares de irlandeses emigraram para os EUA, levando consigo os seus costumes ancestrais. O que começou por ser uma tradição regional europeia tornou-se, ao fim de quase dois séculos, a festividade não religiosa mais popular dos EUA, de onde se espalhou por todo o Mundo, com “todo um imaginário cultural repleto de símbolos e de rituais que se adaptaram ao novo continente, fundindo-se com outras influências e evoluindo até ao Halloween moderno que conhecemos hoje”.
Entre as tradições e os seus significados, sobressaem as abóboras iluminadas (dantes, eram os nabos). A abóbora esculpida tem origem na lenda irlandesa de Jack-o Lantern, agricultor bêbado que enganou o diabo duas vezes. Quando Jack morreu, não pôde entrar nem no Céu, pelos seus pecados, nem no Inferno, por causa do seu pacto diabólico. Condenado a vaguear eternamente, o diabo deu-lhe um carvão em brasa que Jack pôs dentro de um nabo oco, para se iluminar. Nos EUA, os nabos foram substituídos por abóboras, mais abundantes e mais fáceis de esculpir.
Adverte o articulista que o uso de disfarces não é invenção moderna, pois os Celtas vestiam peles de animais e punham máscaras assustadoras, para confundirem os espíritos malignos que, segundo criam, andavam entre eles, durante o Samhain. Com efeito, “se os mortos não conseguissem distinguir os vivos, não poderiam fazer-lhes mal”.
Recorda Jesús Maturana que a tradição doçura ou travessura tem as raízes no costume cristão do “souling”, que remonta ao século XV e se espalhou pela Inglaterra, pelo País de Gales, pela Flandres, pela Baviera e pela Áustria. Durante o “Allhallowtide”, grupos de pessoas mais carenciadas, muitas vezes, crianças, recolhiam, de porta em porta, “biscoitos da alma”, em troca de orações pelos defuntos, especialmente, pelas almas dos amigos e familiares dos que faziam a oferta. Em Portugal, as crianças pediam o pão por Deus. E ainda me lembro de que, na minha aldeia, havia pessoas que invocavam Deus, Nossa Senhora ou algum santo da sua especial devoção, chamando nove crianças e pondo-as a rezar, a nove voltas à igreja ou a uma capela (era “uma novena”) e, depois, davam a cada uma a oferta em dinheiro ou em géneros.
Os mencionados biscoitos ostentavam, geralmente, uma cruz, a indicar que eram cozinhados para esmola. William Shakespeare menciona tal costume na comédia “Os Dois Cavalheiros de Verona” (1593). Na Itália do século XIX, os párocos iam de casa em casa a pedir pequenas ofertas de alimentos para partilharem entre si, durante essa noite.
A prática moderna da “doçura ou travessura” tornou-se popular nos EUA, na década de 1950, quando uma família da Pensilvânia a utilizou para uma campanha solidária do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), recolhendo doces e alimentos para crianças carenciadas.
Na Irlanda, na Flandres, na Baviera e no Tirol do século XIX, no Dia de Todos os Santos, acendiam-se velas nas casas, as “luzes da alma”, que guiavam as almas de volta às suas casas terrenas, e acendiam-se, como hoje, em muitos países, velas nas campas. E, na zona rural católica de Lancashire, nos séculos XVIII e XIX, as famílias reuniam-se nas colinas, na véspera do Dia de Todos os Santos, segurando feixes de palha em chamas, enquanto os restantes rezavam pelas almas dos familiares e amigos. Este costume era conhecido como “teen’lay”.

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O Halloween está repleto de símbolos com significados profundos. As corujas, aves noturnas associadas à sabedoria, eram utilizadas como amuletos de boa sorte. Já os gatos pretos representavam um mau presságio e, na Idade Média, eram queimados, porque se cria que eram bruxas reencarnadas. Os supersticiosos recomendam dar sete passos para trás, se se encontrar um gato preto.
A cada elemento do Halloween está inerente uma narrativa de ligação do presente a um passado europeu cheio de magia, a medos antigos e ao eterno fascínio pelo desconhecido.
Os principais símbolos do Halloween (Dia das Bruxas) incluem a abóbora iluminada (Jack-o’-lantern), bruxas, fantasmas, morcegos, gatos pretos e caveiras. Cada um possui origens e significados ligados a antigas tradições e a crenças celtas sobre o mundo espiritual. 
Eis os símbolos mais comuns e o seu significado:
* Abóbora Iluminada (Jack-o'-lantern) é o símbolo mais icónico. Originariamente, eram esculpidos nabos ou beterrabas com rostos assustadores, na Irlanda, para afastar os maus espíritos. Nos EUA, tornou-se popular a abóbora, porque era mais abundante e mais fácil de esculpir. As abóboras simbolizam fertilidade e a sabedoria, ao passo que as velas, dentro delas, simbolizam a iluminação do caminho para os espíritos ou a lanterna de “Stingy Jack”, alma penada que não podia entrar, nem no Céu nem no Inferno.
Conta a lenda que a prática de cortar a abóbora e de colocar a vela acesa dentro surgiu da narrativa de que Jack, homem que gostava muito de beber e que se encontrou com o diabo no dia em que bebeu em demasia. Esperto, aprisionou o diabo em vários locais, até ao dia em que, de tanto beber, morreu. Foi-lhe negada a entrada no Céu e também no Inferno, já que humilhava o diabo em vida. A partir daí, a alma de Jack passou a perambular pelo Mundo. As abóboras iluminadas então passaram a ser utilizadas por Jack para fugir da escuridão e para iluminar o caminho.
* As bruxas são figuras centrais na simbologia do Halloween. Cria-se que realizavam festas e rituais no dia 31 de outubro, depois de terem participado nas festas realizadas pelo diabo, entre 30 de abril e a data em referência. Tal crença chegou aos EUA através dos seus colonizadores e, a partir daí, espalhou-se por todo o Mundo, tomando várias formas diferentes. Associa-se às bruxas a vassoura e o caldeirão, a representar, poder feminino e transformação, respetivamente.
* Os fantasmas e os esqueletos (nomeadamente, caveiras) representam os espíritos dos mortos que, segundo a crença celta do festival de Samhain, retornavam à Terra nesta noite. As fantasias e decorações de esqueletos e de fantasmas servem para lembrar a finitude da vida (“memento mori” – lembra-te de que hás de morrer). E disfarçar os vivos evita serem reconhecidos pelos espíritos errantes.
* Os morcegos eram atraídos pelas grandes fogueiras acesas durante o festival de Samhain. Simbolizam a capacidade de ver além das aparências (visão que ultrapassa o óbvio) e estão ligados à noite e ao ocultismo.
* O gato preto é um símbolo associado às bruxas (pois elas conseguem transformar-se em gatos) e à má sorte – crença que remonta a superstições antigas. Outras superstições sustentam que os gatos são fontes de azar e são espíritos de pessoas mortas.
* Os doces (gostosuras) ou travessuras (Tricks or Treats) são brincadeira moderna com raízes no século IX, como a de crianças pobres que pediam comida, em troca de orações pelas almas do purgatório, ou nos rituais celtas que pediam oferendas para aplacar deuses do terror. Para o efeito, as pessoas até faziam os “bolos das almas” com massa simples e cobertura de groselha, para as crianças que, devidamente fantasiadas, batiam de porta em porta a pedir os bolos. Em troca de cada pedaço de bolo, a criança prometia rezar pela alma de parente de quem lho deu.
* As cores laranja e preto contrastam, pois o laranja representa a vitalidade, a energia e a colheita outonal, enquanto o preto simboliza a escuridão, a morte e o oculto. 

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Em suma, o Dia das Bruxas tem origem religiosa pagã, remontando ao Samhain celta. Porém, com a evangelização dos territórios celtas, em fins do século II d.C., a religião celta, chamada druidismo, desapareceu da maioria das comunidades. Pouco sabemos dessa religião, pois não se escreveu nada sobre ela: tudo era transmitido, oralmente, de geração para geração. Sabe-se que as festividades do Samhain eram celebradas a meio termo entre o equinócio de outono e o solstício de inverno, no hemisfério norte. Eram precedidas por uma série de festejos que duravam uma semana, e inauguravam o Ano Novo celta. A “festa dos mortos” era uma das datas mais importantes, por celebrar o que, para os cristãos, são “o Céu e a Terra” (conceitos que chegaram com o cristianismo). Para os celtas, o lugar dos mortos era de felicidade perfeita, onde não haveria fome, nem dor. As festas eram presididas pelos sacerdotes druidas, que atuavam como “médiuns” entre as pessoas e os antepassados. Dizia-se que os espíritos dos mortos voltavam, nessa data, para visitar os antigos lares e guiar os familiares rumo ao outro Mundo.
Paralela aos rituais cristãos ou conectada com eles, hoje, já nem é um ritual celta, nem cristão. Não passa de diversão que galvaniza muitas crianças e é simpática para muitos adultos, também graças ao poder do Marketing.

2025.11.03 – Louro de Carvalho

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