terça-feira, 25 de novembro de 2025

A cada 10 minutos, é assassinada uma mulher, no Mundo

 

A violência contra mulheres e meninas é, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a violação de direitos humanos mais disseminada. Em 2024, foram mortas 50 mil mulheres e meninas por parceiros íntimos ou por familiares, em todo o Mundo, o equivalente a 137 mulheres e meninas, por dia, ou uma a cada dez minutos, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e pela ONU Mulheres.
E há mais dados: 38% das mulheres sofreram violência online e 85% presenciaram violência digital contra outras pessoas; a desinformação e a difamação são as formas mais comuns de violência online contra as mulheres, tendo 67% das mulheres e meninas que sofreram violência digital relatado ter sido vítimas dessa tática; entre 90% e 95% dos deepfakes (sínteses de imagens ou sons humanos) online são imagens pornográficas não consentidas, retratando mulheres cerca de 90% delas; 73% das jornalistas relataram terem sofrido violência online; e menos de 40% dos países possuem leis que protegem as mulheres contra o assédio ou contra a perseguição cibernética, o que deixa  44% das mulheres e meninas do Mundo (1,8 biliões) sem acesso à proteção legal.
Não é, pois, sem razão que se assinala, a 25 de novembro, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Na sua mensagem, o secretário-geral da ONU, António Guterres, sustenta que “a violência contra mulheres e meninas é uma praga global” e que, “na nossa era digital, está sendo amplificada pelo alcance e rapidez da tecnologia”. E, assinalando o 30.º aniversário da Declaração de Pequim (documento de 1995, que estabeleceu o plano de ação para promover a igualdade de género e o empoderamento de mulheres e raparigas), apela ao Mundo para se unir e para acabar com a violência contra as mulheres, em toda a parte. 
Por isso, a proteção online é o foco deste ano deste ano.
Com efeito, O assédio online, as deepfakes e o discurso de ódio proliferam; o conteúdo misógino desloca-se da marginalidade para o centro do discurso; e a violência que começa no mundo digital pode transbordar para o mundo físico, sob a forma de perseguição, de abuso e até de feminicídio (assassinato de mulheres e meninas).
Acabar com esta crise exige ação de todas as partes: os governos devem criminalizar a violência digital e reforçar o apoio às vítimas e sobreviventes; as empresas de tecnologia devem garantir que as suas plataformas são seguras e responsáveis; as comunidades devem unir-se na política de tolerância zero, com relação ao ódio online; enfim, não se podem permitir que os espaços digitais se tornem um local onde mulheres e meninas não estão em segurança.
A violência contra mulheres e meninas continua a ser uma das violações de direitos humanos mais prevalentes e generalizadas. Quase uma em cada três mulheres já foi vítima de violência física e/ou sexual, por parte de parceiro íntimo, de violência sexual, por parte de alguém que não seja parceiro, ou ambas, pelo menos, uma vez na vida. É flagelo que se intensificou em diferentes contextos, mas sobressai no mundo digital, sendo ameaça grave e crescente que procura silenciar as vozes de muitas mulheres, especialmente, daquelas com forte presença pública e digital em áreas, como a política, o ativismo ou o jornalismo. É forma de violência em ascensão, devido à fraca regulamentação tecnológica, à falta de reconhecimento legal desse tipo de agressão, em alguns países, à impunidade das plataformas digitais, às novas e rápidas formas de abuso que utilizam inteligência artificial (IA), aos movimentos que se opõem à igualdade de género, ao anonimato dos agressores e ao limitado apoio às vítimas digitais.
Neste ano, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres marca o lançamento da campanha UNiTE 2025 (25 de novembro a 10 de dezembro), ou seja, 16 dias de ativismo a culminar no dia que comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de dezembro), procurando mobilizar todos os membros da sociedade: governos, para acabarem com a impunidade, com leis que a penalizem; as empresas de tecnologia, para garantirem a segurança das plataformas e remover conteúdo prejudicial; os doadores, para financiarem organizações feministas que trabalhem para erradicar essa violência; e as pessoas, em geral, para levantarem as suas vozes para ajudarem as sobreviventes.
As ferramentas digitais são cada vez mais utilizadas para perseguir, assediar e abusar de mulheres e de meninas. Isso inclui: abuso baseado em imagens-compartilhamento não consensual de imagens íntimas – ou seja, de pornografia de vingança ou vazamento de nus; cyberbullying, trolling (provocar pessoas online) e ameaças online; assédio online e assédio sexual; deepfakes gerados por IA, como imagens sexualmente explícitas, pornografia deepfake e imagens, vídeos ou áudios manipulados digitalmente; discurso de ódio e desinformação nas plataformas de redes sociais; doxxing (publicar informações privadas); perseguição online ou vigilância-rastreamento para monitorar as atividades de alguém; aliciamento online e exploração sexual; catfishing (falso perfil) e falsificação de identidade; e redes misóginas, como manosfera (comunidade online de subculturas masculinistas) e fóruns de incels (celibatários involuntários).
Estes atos levam, frequentemente, à violência offline, na vida real, como coerção, abuso físico e até feminicídio. Os danos podem ser duradouros e afetar as sobreviventes, por um longo período.
A violência digital atinge as mulheres mais do que os homens, em todas as esferas da vida, mas especialmente, as que têm visibilidade pública ou online. O impacto é ainda pior para mulheres que enfrentam formas interseccionais de discriminação, incluindo raça, deficiência, identidade de género ou orientação sexual.

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Também em Portugal, a situação é premente. Em 2025, até 30 de setembro, foram 19 as vítimas de homicídio, em contexto de violência doméstica, das quais 16 mulheres. Entre julho e setembro foram acolhidas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica 1486 pessoas, sendo 794 mulheres, 670 crianças e 22 homens. Assim, a contribuir para o reforço da mobilização coletiva em prol da prevenção e de combate à violência doméstica e a outras formas de violência, a Comissão para a igualdade de Género (CIG) dá um novo impulso ao Pacto contra a Violência, uma iniciativa que reforça o compromisso coletivo na prevenção e no combate à violência contra as mulheres, à violência doméstica e ao tráfico de seres humanos. A adesão a este pacto é um compromisso estratégico que valoriza a dignidade humana, promove a igualdade e contribui para uma sociedade mais justa e segura, onde todas as pessoas possam viver sem medo e com respeito pelos seus direitos fundamentais.
A CIG organizou mais um evento para assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, com o propósito de alertar para a violência física, psicológica, sexual e social que atinge as mulheres, e que continua a ser uma das violações dos direitos humanos mais frequentes e generalizadas no Mundo. O evento realizou-se, a 25 de novembro, às 14h30, no MAAT Central, antigo Museu da Eletricidade.

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Entretanto, o Relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da associação União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), publicado a 24 de novembro, revela que, pelo menos, 24 mulheres foram assassinadas, em Portugal, neste ano, das quais 21 em resultado de violência de género.
O número não tem baixado e a tendência não é para abrandar. “Os dados de 2025 denotam que os feminicídios e as tentativas de feminicídio continuam sem abrandar, em Portugal”, lamentou Cátia Pontedeira, criminóloga e coordenadora do OMA, na apresentação do relatório, sustentando: “O número de mortes e o número de denúncias de violência de género e doméstica mostram a gravidade da realidade portuguesa. E a prevenção das mortes “não pode depender da coragem da vítima ou do acaso”.
Segundo os dados apresentados, atinentes apenas a casos divulgados pela comunicação social, das 24 mulheres assassinadas, de 2 de janeiro a 15 de novembro, 21 foram consideradas vítimas de feminicídio, ou seja, “todas as mortes intencionais de mulheres relacionadas com questões de género”. Os outros três casos foram classificados como assassinatos.
Dos 21 feminicídios, 16 ocorreram em relações de intimidade (namoro ou casamento) e cinco em contexto familiar; em particular, neste ano, registaram-se casos de filhos que atacaram as mães. Em todos os casos, os agressores foram homens; nos 74 casos analisados, 50 são tentativas de assassinato e 24 mortes efetivas; e, em todas, o ofensor é um homem e a vítima uma mulher; logo, isto é, marcadamente, violência de género”,
O grupo de trabalho procurou perceber o contexto dos atentados pela descrição dos crimes e, na maioria dos assassinatos ou de tentativas, a relação de “posse e controlo do outro” foi o motivo predominante. E verificou-se que, em mais de metade dos casos (57%), existia violência doméstica e que, em grande parte das situações, havia conhecimento prévio, por parte de terceiros, como vizinhos, familiares ou conhecidos. “Temos de quebrar o mito de ‘entre marido e mulher não se mete a colher’ e perceber que é um problema sistémico”, insiste a criminóloga.
Na maioria dos casos, os crimes ocorreram na residência conjunta e, em 57% (cerca de 12), a vítima foi morta, com recurso a arma branca, e com arma de fogo, em 19%. Também a asfixia, o estrangulamento, o espancamento e o overkill (excesso de força) – mais do que uma forma de matar alguém – foram causas identificadas de morte. Em metade dos casos identificados, a vítima e o agressor tinham filhos em comum, sendo menores, em quatro desses casos. Em cinco dos casos noticiados, “os perpetradores tentaram ocultar o crime, escondendo o corpo das vítimas ou mentindo sobre as circunstâncias do crime”, lê-se no relatório.
Em 33% dos casos em que existia violência doméstica, já havia denúncia às autoridades. “As vítimas terem sido sinalizadas e, mesmo assim, serem mortas é uma falha de todos”, afirma Cátia Pontedeira, vincando: “Nas situações de denúncia, falhamos na avaliação de risco; tem de haver formação sobre a complexidade destas situações; não podemos achar que um estrangulamento no meio de uma discussão é normal; não o é. É um caso grave de violência doméstica.”
A criminóloga refere que o sistema falha na avaliação dos casos de violência doméstica e que, tanto na atuação policial como na judicial, há tendência para “suavizar”. Por isso, reforça que é preciso “aplicar, mais vezes, a prisão preventiva e perceber que, na violência doméstica, há muita reincidência e que não só as mulheres, mas também familiares e pessoas à volta estão em risco”.
A coordenadora do OMA refere que há inúmeros casos de mulheres agredidas com tesouras, com pedras ou com martelos que não são “considerados de grande gravidade”. “Se uma mulher agredida com um destes objetos, ou com óleo a ferver, e deixada à beira da estrada não são razões para colocar uma pessoa em prisão preventiva, então quais são?”, questiona.
O relatório mostra que, além das mortes concretizadas, houve 50 tentativas, das quais 40 foram consideradas feminicídios. Mais uma vez, a maioria (38 casos) ocorreu em contexto de relações de intimidade: 30 em relações atuais, seis em relações passadas e um decorrente de uma relação de intimidade pretendida, em que o ofensor não aceitou a rejeição por parte da vítima.
“Destas 40 tentativas, apenas 24 resultaram em prisão preventiva. E os outros? Alguém que tenta matar e que, por sorte ou acaso, não consegue, ainda assim permanece em liberdade. […] Ficam com uma medida de coação de afastamento da vítima, mas não ficam imediatamente em prisão; isto diz muito sobre como estamos a encarar esta situação”, critica a criminóloga.
Cátia Pontedeira aponta falhas no entendimento da gravidade destas situações e adverte: “Não podemos continuar a assistir a casos em que agressões graves e tentativas de homicídio resultam em medidas de coação insuficientes e penas suspensas.”
Na conclusão do relatório, o conceito-chave é a “prevenção”, que, para a coordenadora do OMA, deve começar nas escolas e na educação. “Só trabalhando com as pessoas o que são relações saudáveis e abusivas, só treinando isto na sociedade, é que vamos conseguir terminar este flagelo social”, considerou, lembrando que a violência doméstica é transversal a todas as idades e estatutos socioeconómicos e que é necessário “romper esta lógica de poder e [de] controlo numa das partes da relação”.
Já em fevereiro de 2025, a UMAR apresentou um Estudo Nacional de Violência no Namoro que revela o aumento da legitimação de comportamentos violentos entre os jovens. “Mais de 70% dos jovens de 15 anos não identificaram certas circunstâncias no namoro como abusivas, como o controlo – com quem se sai, querer ver as redes sociais, por exemplo – e isto ajuda-nos a perceber que estes jovens vão iniciar relações sem noção destas questões e, portanto, vão normalizar situações que não devem ser normalizadas”, observou Cátia Pontedeira.
Há clara manifestação de diferentes formas de violência de geração para geração, sempre com a profunda marcação da desigualdade de género. A sociedade patriarcal, do controlo do homem, continua a reproduzir-se de geração em geração, favorecida por algum discurso político e pela prática política e empresarial. Poucos têm dúvida de que a violência física é abusiva, mas praticam-na e adotam outras manifestações que são normalizadas, como certos comportamentos de controlo, de ciúme, de humilhação e de violência psicológica. Em contraponto, há muito pouca vontade de investir na prevenção destas situações, porque os resultados não são imediatos, mas, a longo prazo, fariam toda a diferença.
O relatório apela a respostas articuladas entre as várias autoridades e à especialização de profissionais, como polícias, magistrados, equipas médicas, sociais e educativas, para que tenham capacidade de compreender sinais de risco e padrões de violência, a fim de salvar vidas. Com efeito, há muito caminho a percorrer na luta pela eliminação da violência contra as mulheres.
Por isso, como já referimos, a CIG organizou, em Lisboa, pelas 14h30, um evento, no MAAT Central, a alertar para a violência física, psicológica, sexual e social que atinge as mulheres. A UMAR promoveu, em cidades, como Lisboa, Porto, Leiria, Funchal, Seixal ou Figueira da Foz, marchas e debates sobre o tema, sendo de salientar que, no Porto, a UMAR, organizou a sua 14.ª Marcha contra a Violência Doméstica e de Género, pelas 19h00, que teve o ponto de encontro na Praça da Batalha e foi até ao Mercado do Bolhão. E é de destacar a “Marcha pelo Fim da Violência Contra as Mulheres”, organizada por 18 associações feministas.
Por seu turno, o Presidente da República associou-se ao apelo da ONU, no combate ao “flagelo da violência contra as mulheres e as raparigas”, neste ano, orientado para o combate à violência digital. E a Presidência da República assinalou este “Orange Day” da ONU, iluminando o Palácio de Belém de cor de laranja, “para dar visibilidade à causa”.

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A violência feminina e a doméstica atentam contra a pessoa e contra a família.  

2025.11.25 – Louro de Carvalho

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