quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Depressão Cláudia expõe mau planeamento urbano

 

A depressão Cláudia, em mais de quatro mil ocorrências, deixou rasto de incómodo, de ferimento, de desalojamento e de morte (três vítimas mortais), no continente português.   
Com efeito, a passagem da depressão provocou três mortos e 4017 ocorrências, de 12 de a 16 novembro, mais de metade delas inundações, atingindo, sobretudo, as regiões de Setúbal, do Porto e do Algarve, de acordo com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). As sub-regiões mais afetadas foram a Península de Setúbal, com 647 ocorrências, a Área Metropolitana do Porto (AMP), com 423 incidentes, e o Algarve, com 586 situações. Das 4017 ocorrências, 2148 referiram-se a inundações, 731 a queda de árvores, 497 a limpeza de vias, 335 a queda de estruturas, 281 a movimentos de massa. E foram realizados 11 salvamentos aquáticos e 14 salvamentos terrestres.
Na madrugada do último dia, a ANEPC registou cerca de 30 ocorrências e mantinham-se sob aviso amarelo sete distritos – Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro, Viseu, Coimbra e Leiria –, onde a maioria das ocorrências foram pequenas inundações e quedas de árvores ou de outras estruturas, que obrigaram à limpeza das estradas.
No centro histórico de Santa Maria da Feira, em Aveiro, a chuva inundou casas e lojas. Parte da bancada do estádio do União de Lamas desabou. No Porto, formou-se uma autêntica cascata na Avenida Gustavo Eiffell, na zona ribeirinha do Porto. Em Vila do Conde, contentores e mobília na rua mostram a dimensão dos estragos, 12 casas ficaram inundadas na freguesia de Modivas e, num stand de automóveis, 15 veículos ficaram totalmente submersos.
Houve duas vítimas mortais em Fernão Ferro, no concelho do Seixal), um casal com mais de 80 anos cuja casa ficou inundada, e 32 pessoas foram deslocadas nos concelhos de Abrantes, Salvaterra de Magos, Seixal e Pombal. Uma cidadã britânica, com 85 anos, morreu e duas pessoas ficaram feridas no Camping de Albufeira, no Algarve, concelho onde a queda do teto do restaurante Edan Resort provocou 20 feridos. Estavam hospedados naquela unidade hoteleira 150 hóspedes, a maioria foi realojada e os restantes encurtaram a estadia. E, passadas 24 horas, depois de um fenómeno extremo de vento varrer um hotel e um parque de campismo, em Albufeira, começaram os trabalhos de reconstrução.
Na resposta a estas ocorrências estiveram empenhados 12382 operacionais, apoiados por 4795 veículos, informou a ANEPC.
A depressão também se sentiu na Espanha, na Irlanda, na Inglaterra e no País de Gales, tendo-se registadas cheias em diferentes localidades.

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Em artigo de Ema Gil Pires e de Joana Mourão Carvalho, publicado pela Euronews, a 18 de novembro, sob o título “Depressão Cláudia expõe mau planeamento urbano. Especialistas alertam para fenómenos mais extremos”, é referido que os especialistas “concordam que os tornados são impossíveis de prever, mas alertam que eventos extremos serão mais frequentes e que cheias e inundações mostram riscos de um urbanismo mal planeado”.
O artigo dá a panorâmica do ocorrido em Portugal descrevendo-a como “destruição generalizada”. Isto ocorreu, depois de, nos últimos anos, terem sido, cada vez mais, noticiadas as consequências de fenómenos meteorológicos extremos, sendo de recordar a DANA (Depressão Isolada a Níveis Altos), que assolou a região espanhola de Valência, em outubro de 2024, com mais de 200 mortes, bem como as severas inundações da ilha espanhola de Ibiza e a tempestade Benjamin, na França, ambos os casos em outubro de 2025.
Isto leva a questionarmo-nos se tais fenómenos serão cada vez mais frequentes, se é previsível a ocorrência de tornados e se o país está preparado para lidar com situações similares.
Paulo Pinto, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), sustenta que, em Albufeira, ocorreu “um tornado originado a partir de uma supercélula”, ou seja, “de um mesociclone”. Considera que, na base do fenómeno, esteve uma “nuvem de trovoada que, devido a certas circunstâncias, adquiriu circulações organizadas [de ar] no seu interior”. Para que o mesmo se forme, detalhou o meteorologista, é necessário que o “vento horizontal” que se regista na “baixa atmosfera”, isto é, nos “primeiros dois ou três mil metros” de altitude, e o que se regista bem mais acima, ao nível dos “seis mil metros”, apresentem diferentes caraterísticas de direção e velocidade (wind shear). E defende que tais diferenças “originam a formação de um tornado, vulgarmente identificável como um “vórtice que exibe o ar a rodar, segundo um eixo, aproximadamente, vertical e a ascender do solo para a base da nuvem-mãe”.
Carlos da Câmara, climatologista do Instituto Dom Luiz (IDL), da Universidade de Lisboa diz que estes fenómenos climáticos extremos resultam de “depressão fria”, diferente das “depressões frontais” que se caraterizam pela interação contrastante “entre duas massas de ar, uma fria e seca, a outra quente e húmida”, fautoras de “instabilidades que levam à produção de chuva, vento, etc.” As depressões frontais destacam-se pela mobilidade, deslocando-se, normalmente, de Oeste para Este” e demorando algumas horas a sua passagem. Ao invés, nas depressões frias, “os ventos fazem quase um círculo a rodar no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio” e surge um núcleo de baixas pressões no centro, que “vão aumentando para a periferia”.
O climatologista refere que o fenómeno não é “inaudito”, no território. As depressões frias são frequentes “e, muitas vezes, são responsáveis por inundações, etc.” Aliás, “uma ‘prima’ dessas depressões, não exatamente igual, mas muito próxima, foi aquilo que aconteceu em Valência, no ano passado”, anota Carlos da Câmara, numa referência à DANA.
Em termos estatísticos, refere o climatologista e professor, sabendo que “as alterações climáticas têm que ver com a emissão de gases com efeito de estufa”, isso leva “a que na atmosfera se armazene mais energia”. Por isso, há “mais energia disponível para se converter em movimento” ou, seja, “para alimentar ventos fortes”, tornando-se mais prováveis tais ocorrências. Por outro lado, explica o docente, “as alterações climáticas estão a levar a que haja um contraste mais baixo entre o norte frio, o norte polar, e o sul equatorial quente”. Assim, com as regiões polares “a aquecer mais rapidamente do que as regiões equatoriais, a diferença entre o quente, a Sul, e o frio, a Norte, diminui”. Por conseguinte, reduzindo-se o contraste, há “maior possibilidade de haver ondulações, para o Norte e para o Sul, na atmosfera [...], que provoquem estas depressões frias”. Perante estes dados, conclui o professor, “é expectável” que este tipo de fenómenos comece a ser cada vez mais recorrente.
No caso dos tornados e sobre se se registam hoje mais do que há 40 anos, Carlos da Câmara considera “difícil” de responder, porque “um tornado é sempre registado por alguém com um telemóvel”, sendo difícil passar despercebido, ao invés do que acontecia dantes.
Segundo Paulo Pinto, apesar dos radares, da observação com satélite, das estações de superfície e dos modelos numéricos existentes, e “fruto das condições práticas e tecnológicas” de que dispõem os responsáveis pela previsão meteorológica, há ainda uma “observação insuficiente” ao nível de uma camada na baixa troposfera (de zero a um quilómetro). Por isso, apesar de ser possível indicar, “com vários dias de antecedência”, que “uma tempestade ou depressão” impactará o território nacional, o mesmo não se aplica à ocorrência de tornados.
Aliás, “com o radar meteorológico” os especialistas não conseguem “observar os tornados”. O que o radar meteorológico observa é a estrutura convectiva e o mesociclone, permitindo aos previsores avaliar se estes tem maior ou menor potencial para gerar um tornado. Contudo, segundo Paulo Pinto, “essa avaliação não é, normalmente, conclusiva, por não se conhecer, exatamente, toda a física inerente à geração do fenómeno”, não sendo, assim possível indicar, com precisão, o local e a hora em que um evento destes pode ocorrer.
Cabe às autoridades competentes atuar em conformidade com os avisos meteorológicos emitidos pelo IPMA, “como é prática corrente”, assegura o especialista do IPMA, ressalvando, que “não há avisos de tornado” e explicitando: “Em dias – e são bastantes, mais do que as pessoas pensam –, em que existe a probabilidade de ocorrência de fenómenos extremos [...], a nossa interação com a Proteção Civil é no sentido, sempre, de a informarmos o melhor possível.”
Porém, sobre o modo como a ANEPC comunica este tipo de questões, indica o meteorologista que não é fácil comunicar situações de risco associáveis a fenómenos de baixa probabilidade e que não são previsíveis, no sentido clássico do termo”.
Carlos da Câmara sustenta que “um tornado é impossível de prever”, sendo apenas possível dizer que, em certas ocasiões, pode haver “condições muito favoráveis à ocorrência de tornados”. Com efeito, quanto mais pequena é a escala do fenómeno, menor previsibilidade ele tem. Um tornado, é um fenómeno “extremamente local”, pelo que é muito mais difícil de antecipar. E, quanto à chegada da depressão Cláudia ao nosso território, o docente afirma que foram emitidos “todos os alertas convenientes”, com elevada precisão.
Adélia Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos e diretora do Departamento de Geografia e Turismo da Universidade de Coimbra, partilha da ideia de que os tornados “são fenómenos muito localizados e difíceis de supervisão”. Defende que tais eventos, que conjugam vários elementos meteorológicos, em simultâneo, como a precipitação muito intensa e os ventos muito fortes, têm de ser vistos a uma escala muito micro, “porque são raros e têm de ter condições locais específicas para se formarem”. E, admitindo que “pode haver avisos meteorológicos”, adverte que “são muito mais gerais do que à escala local” e que “isto não concerne a tornados, nem até mesmo rajadas de vento muito fortes”.
Carlos da Câmara afirma que nem tudo correu bem, sendo um dos principais problemas o “sentido cívico” dos cidadãos, pois, face aos “avisos de tempestade e de ondulação” extremas, várias pessoas desrespeitaram as recomendações das autoridades, indo para as falésias tirar fotografias, não percebendo o perigo em que estavam a incorrer.
Algo análogo acontece, nomeadamente, no verão. Os portugueses devem ter o cuidado de ver as cartas meteorológicas ou para os avisos, para saberem se é prudente ir acampar, mediante a existência, ou não, de risco de incêndio rural.
Carlos da Câmara aponta um grave problema de “falta de informação” e de “impreparação, ao nível da cidadania”, que deveria ser acautelado, desde tenra idade, especialmente, nas escolas e no setor educativo, bem como através de campanhas de sensibilização.
Adélia Nunes fala num problema de literacia climática e de “falta de cultura do risco”, pelo que “tem de haver, em termos políticos, a necessidade de apostar na prevenção do risco e isso passa muito pela literacia para o risco.
Carlos da Câmara alerta para “um outro aspeto” que não pode ser descurado, e onde “tem de haver muito mais progresso”, o atinente às infraestruturas e à prevenção. Mencionando os episódios de inundações, cada vez mais recorrentes em Portugal, anota que continuam a registar-se cheias, “por deficiências na limpeza” e pela inexistência de “melhores esgotos”, entre outras lacunas. Pelo que, na sua ótica, é necessária uma maior aposta na prevenção.
Portugal apresenta 63 áreas de risco potencialmente significativo de inundações, podendo afetar mais de 100 mil habitantes em território continental, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A maioria dos municípios em risco localiza-se nas regiões do Tejo e do Oeste, mas também em torno dos rios Vouga, Mondego e Lis.
Porém, Adélia Nunes considera que o potencial para aumentar o número de áreas em risco é grande, visto que os fenómenos extremos são cada vez mais recorrentes e mais irregulares, no tempo e no espaço. “Aliado a estes fenómenos mais recorrentes, temos também construções cada vez mais dispersas, em áreas de elevado risco de inundação. O crescimento urbano, com construção nos leitos de cheia e de inundação, cria estas situações e, possivelmente, o número de áreas que é suscetível a este tipo de risco de inundação tenderá a crescer no futuro, face a eventos meteorológicos cada vez mais extremos”, sinaliza a geógrafa, alertando para o facto de se construir, sem ter em atenção as cartas de risco.
Segundo a geógrafa, a cartografia de risco é fundamental para delimitar as áreas para onde as áreas urbanas devem crescer, mas as autarquias preocupam-se em aumentar a malha urbana, a área de habitação e outras infraestruturas, sem considerarem as áreas de risco. Ora, tem de ser o poder central a definir quais são as instituições que produzem essa cartografia e os instrumentos legais que permitem a operacionalização, em termos territoriais. “Temos de preparar o nosso território para estes eventos cada vez mais extremos. E isso só se consegue através de políticas efetivas, em termos de ordenamento e de gestão do território”, defende Adélia Nunes, frisando que todas as áreas urbanas que não tenham escoamento direto para uma linha de água correm o risco de serem inundadas, devido à impermeabilização do solo.
Isto acontece, porque “o sistema de drenagem interna das cidades está subdimensionado, ou seja, não é capaz de escoar toda a água que circula à superfície, porque o solo está impermeabilizado e, praticamente, toda a água da precipitação escorre à superfície”, explica a geógrafa.
Enfim, são avisos pertinentes sobre literacia climática e sobre planeamento urbano.

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Um tornado é uma coluna de ar em rotação violenta que se estende da base de uma nuvem de tempestade até ao solo, com ventos que atingem altas velocidades e causam destruição. Forma-se a partir de uma tempestade, em geral, uma supercélula (um tipo de nuvem cumulonimbus), quando há forte corrente ascendente de ar. É visível em funil, devido à condensação do vapor de água e à poeira e aos detritos que levanta do chão. E tal visibilidade ocorre quando a baixa pressão dentro dele faz com que o vapor de água se condense. Se não houver condensação, pode permanecer invisível, até tocar o solo e levantar poeira. 
O tornado corre, geralmente, onde há ar quente e húmido perto do solo e ar frio nas camadas superiores. A sua rotação começa, quando diferentes massas de ar circulam em direções opostas e se encontram, criando um vórtice ascendente. A velocidade dos ventos varia de cerca de 100 quilómetros por hora (Km/h) a mais de 500 Km/h. Porém, embora o seu poder destrutivo seja intenso, a área afetada por um tornado é relativamente pequena, muitas vezes com um diâmetro inferior a dois quilómetros.
A duração média de um tornado é de cerca de 15 minutos, mas alguns duram mais tempo. 
O tornado ocorre, principalmente, em terra firme. Os locais com maior incidência são o Centro-Oeste dos Estados Unidos da América (EUA), conhecido como “Tornado Alley”, o Centro-Sul da América do Sul e partes do Sudeste e do Leste asiáticos.

2025.11.18 – Louro de Carvalho

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