terça-feira, 11 de novembro de 2025

Regras mais rigorosas na utilização dos créditos de carbono globais

 

Os deputados da Comissão do Ambiente do Parlamento Europeu (PE) aprovaram, a 10 de novembro, a revisão da legislação climática da União Europeia (UE), que estabelece que a UE27 deve reduzir 90% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2040. Mantêm as flexibilidades solicitadas pelos governos dos estados-membros, mas exigem regras mais rigorosas para a utilização dos créditos de carbono (CC) globais.
A votação, com 55 votos a favor e 32 contra, abre a porta ao plenário para este adotar a revisão da controversa lei climática de 2040, após vários atrasos e lutas internas no hemiciclo.
A posição do PE é consonante com o texto acordado pelos estados-membros, a 5 de novembro, na sequência de conversações políticas que garantem flexibilidades políticas para ajudar os países da UE a atingir o objetivo, sem comprometer a competitividade das indústrias.
Mantêm-se pontos fundamentais, como a meta de redução de 90%, até 2040, comparativamente com os níveis de 1990, e a possibilidade de utilizar até 5% dos créditos CC para compensar setores com fraco desempenho. Outros 5% serão considerados ao abrigo de uma cláusula de revisão, se os países da UE precisarem de compensar a falta de removedores naturais de carbono, como a reflorestação fora do bloco.
O eurodeputado espanhol Javi Lopez, da Aliança Progressistas Socialistas e Democratas (S&D), que lidera o dossier no PE, saudou a votação como sinal claro do compromisso do bloco com a liderança climática. “Os S&D trabalharam incansavelmente para garantir que o objetivo de 2040 reflita ambição e justiça social. Queremos proteger o nosso planeta sem deixar ninguém para trás. Queremos proteger o nosso planeta e, ao mesmo tempo, garantir que ninguém fique para trás. A nossa atenção deve, agora, centrar-se na disponibilização dos instrumentos, do financiamento e da estratégia industrial necessários para que esta transição seja um êxito”, vincou Lopez.
De acordo com o deputado Gerben-Jan Gerbrandy, dos Países Baixos, no Renovar a Europa, que participou nas negociações, apenas foram acordadas “pequenas alterações”. A mais significativa é a redação mais forte sobre os créditos internacionais de carbono (CIC), que têm de ser de “alta qualidade” e de “alta integridade” – referência constante da proposta da Comissão Europeia, mas eliminada, posteriormente, pelo Conselho Europeu.
O PE pretende que a compra e a utilização desses créditos sejam regulamentadas para garantir que resultem em reduções de emissões em países terceiros. Os acordos conexos com a utilização de CC devem estar sujeitos a “salvaguardas robustas que garantam a integridade, evitem a dupla contagem, tenham uma governação transparente e metodologias sólidas de monitorização, comunicação de informações e verificação”, lê-se no texto aprovado.
Os eurodeputados Comissão do Ambiente também instaram a Comissão Europeia a considerar critérios mais rigorosos, de acordo com o PE, do que os constantes do Acordo de Paris.
O alemão Tiemo Wölken, dos S&D reconhece que o resultado não é tão ambicioso como se pretendia, mas que o acordo forjado é “melhor do que nenhum acordo”. “O Parlamento demonstrou responsabilidade e unidade, face ao ceticismo climático e ao populismo. Vamos continuar a insistir em medidas mais fortes, mais investimento em empregos verdes e um acordo justo para os trabalhadores e as comunidades mais afetadas pela transição”, disse Wölken.
A deputada austríaca Lena Schilling, dos Verdes/ Aliança Livre Europeia (ALE) lamenta a decisão de utilizar CIC, descrevendo-a como “lacuna” que enfraquece a ambição climática da UE. “Uma vez que os estados-membros exigiram a utilização de créditos internacionais, temos de garantir que estes tenham um impacto climático real e verificável. Caso contrário, correm o risco de comprometer os nossos objetivos climáticos e de custar milhares de milhões aos contribuintes sem reduzir as emissões”, declarou Schilling.
O acordo foi negociado pelo Partido Popular Europeu (PPE), pelos S&D e pelo Renovar a Europa, a maioria centrista que apoia a Comissão, e pelo Grupo dos Verdes/ALE.

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Na verdade, a 5 de novembro, após meses de impasse político, os ministros do Ambiente apoiaram uma revisão da lei climática da UE, depois da inclusão de diversas flexibilidades significativas destinadas a ajudar os estados-membros a atingira a meta da redução, em 90%, das emissões de GEE até 2040 – compromisso que a presidência dinamarquesa, que lidera o bloco da UE27, considerou necessário para fechar o acordo. Faltava o PE pronunciar-se sobre tal meta.
O comissário para a Ação Climática, Wopke Hoekstra, declarou aos jornalistas que se concordou com a meta vinculativa para 2040 de redução de 90%, com a meta nacional de 85% e até 5% de CI, ou seja, reafirmaram-se as flexibilidades propostas.
O impasse referido ameaçou a capacidade de a UE chegar a consenso sobre uma meta climática vinculativa, vista por muitos como o grande obstáculo ao desenvolvimento da indústria europeia. Porém, os ministros concordaram com maior volume de CC para as indústrias, para lhes facilitar a transição para a neutralidade climática até 2040.
O acordo firmado estabeleceu os CIC em até 5%, acima dos 3% propostos pela Comissão Europeia, podendo outros 5% ser considerados como parte da cláusula de revisão, se o bloco se desviar da meta de redução de 90%.
A Finlândia, a Alemanha, os Países Baixos, Portugal, a Eslovénia, a Espanha e a Suécia estavam entre os países mais ambiciosos que buscavam manter a meta de 3% para CC relacionados com a emissão de poluentes, enquanto a França e a Itália pressionavam por 5% e a Polónia defendia 10%. Os ministros do Ambiente concordaram em manter o ano de 2036, proposto pelo executivo da UE, como data de início para a utilização de CC. No entanto, será considerado um período piloto entre 2031 e 2035. “O período de teste serve para mostrar a algumas partes que somos a favor da utilização desses créditos, mas isso pode ser contraproducente. É preciso haver respaldo científico”, declarou um diplomata da UE.
Os CC são certificados negociáveis ​​que a indústria pode usar para compensar parte das suas emissões e para criar incentivos financeiros para reduzir a poluição. Cada crédito representa uma tonelada métrica de dióxido de carbono (CO2) reduzida ou sequestrada da atmosfera. Porém, os grupos ambientalistas opõem-se aos CC, aduzindo que não reduzem a poluição; apenas a transferem para países de baixo rendimento.
Para chegar a acordo sobre a meta climática de 2040, os países mais ambiciosos tiveram de fazer concessões, que alguns consideraram “bastante dolorosas”, mas necessárias para obter uma maioria qualificada, essencial para que se concluísse um acordo. Contudo, a Chéquia, a Hungria, a Eslováquia e a Polónia não apoiaram a revisão da lei. E a Bélgica e a Bulgária abstiveram-se.
A UE está, assim, a rever a Lei Europeia do Clima, que estabelece a via para a neutralidade climática, até 2050, em relação aos níveis de 1990. A lei exige que a UE defina uma meta climática para 2040, a fim de reduzir a lacuna entre as metas climáticas de 2030 e de 2050. Diversos países da UE temem que os esforços de redução das emissões de GEE até 2040 prejudiquem a competitividade das indústrias europeias. Com efeito, políticas climáticas mais rigorosas e regulamentações ambientais mais rígidas aumentam os custos de produção, principalmente, para setores com alto consumo de energia, como o siderúrgico. Porém, os países da UE que apresentam bom desempenho na geração de energia limpa ou que estão no rumo certo para atingirem a neutralidade climática, apoiam a meta climática de 2040, mas outros são cautelosos.
Segundo a lei climática da UE, o objetivo é descarbonizar os processos tradicionais da indústria pesada por meio de tecnologias, como captura de carbono e eletrificação, assim como por tecnologias limpas, como bombas de calor e veículos elétricos. Ao mesmo tempo, a UE estava sob pressão para chegar à Cimeira Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP30, com uma posição clara e ambiciosa.
Os CIC, as remoções de carbono e uma cláusula de revisão estão entre as flexibilidades que ajudaram a forjar o acordo, apesar de os estados-membros mais ambiciosos terem manifestado preocupação com a credibilidade da UE, aos olhos dos investidores que precisam de segurança política para desbloquearem as tecnologias limpas.
As últimas alterações ao texto incluem um mecanismo de travagem de emergência, proposto pela França, conexo com as emissões e com as remoções de CO2, provenientes de atividades ligadas à Terra. Porém, a medida só pode ser invocada após cinco anos da entrada em vigor da lei.
Com o declínio da saúde florestal e com as tecnologias de captura e de armazenamento de carbono a apresentar baixo desempenho, o mecanismo de emergência tenta encontrar outras maneiras para os países da UE compensarem as emissões que os sumidouros naturais de carbono supririam.
“Precisamos de ter expectativas realistas sobre a contribuição que a remoção de CO2 da Terra e das florestas pode oferecer. [...] É preciso haver salvaguardas para que outros setores não consigam suprir as deficiências neste setor”, disse um diplomata da UE.
De facto, como referia um diplomata da UE de um país ambicioso, observando a pressão para adotar uma posição, “o risco de não ter uma Lei Europeia do Clima é maior do que ter uma cláusula de revisão”. Assim, após meses de impasse, era fundamental que a UE chegasse a acordo sobre uma meta climática global a ser apresentada na COP30.
“Se conseguirmos uma lei climática com 90%, podemos conviver com uma faixa de metas climáticas para 2035, a apresentar na COP30”, disse um diplomata da UE, referindo-se à declaração de intenções com uma faixa entre 66,25% e 72,5% que os ministros do Ambiente da UE aprovaram em setembro.
Apesar de apoiar a revisão da lei climática da UE, o ministro do Ambiente alemão, Carsten Schneider, afirmou que a sua votação foi uma questão de autodeterminação e de autossuficiência para a UE, destacando os desafios de competitividade que o bloco enfrenta, como o facto de os Estados Unidos da América (EUA) terem abandonado a política internacional de proteção climática e o de a UE ter de lidar com a China em competitividade. Por outro lado, o ministro alemão sustenta que a UE precisa de estar na vanguarda das tecnologias limpas e das inovações, observando que estas beneficiarão os mercados futuros, pois, em seu entender, “a combinação de proteção ambiental, política de proteção climática e política económica é fundamental”.
Para o ministro do Ambiente da Chéquia, Petr Hladík, as economias dos países da região central e do Leste do país enfrentam dificuldades, pelo que insistiu na neutralidade tecnológica para os estados-membros utilizarem os meios mais eficientes para atingirem as metas climáticas.
Além do delicado desafio de equilibrar a competitividade com a ambição climática, a Roménia relembrou a atual situação geopolítica, destacando a guerra sangrenta nas fronteiras entre a UE e a Roménia e o quanto o cenário mudou, desde a adoção da lei climática em 2021. Para a ministra do Ambiente da Roménia, Diana-Anda Buzoianu, a situação geopolítica exige que cidadãos e empresas cubram os gastos com defesa, que aumentaram muito em pouco tempo.

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Em abril, apesar do crescente número de evidências científicas e da vida real sobre o ritmo do aumento da temperatura global, ativistas climáticos temiam que o executivo da UE estivesse a tentar formas de introduzir brechas, antes de propor uma meta para reduzir a pegada de carbono. Por isso, instaram a UE a apresentar, urgentemente, um projeto de lei para uma meta de redução das emissões de GEE, até 2040, já que um novo relatório confirmou temperaturas recordes no ano passado no continente que aquece mais rapidamente no Mundo. E a segunda Comissão Europeia, sob a presidência de Ursula von der Leyen, prometeu, repetidamente, “manter o rumo” na ação climática, seguindo o mínimo absoluto recomendado pelo conselho consultivo independente da UE sobre ciência climática e propondo a meta de redução líquida de 90% das emissões de GEE.
Na verdade, retroceder significaria grande perda de prestígio, mas sinais de Bruxelas sugeriam que o executivo da UE estava a considerar permitir que os governos usem créditos de carbono de fora do bloco, terceirizando parte da redução de suas emissões, para atingir a meta.
O eurodeputado verde Michael Bloss afirmou que o interesse político europeu em ações climáticas está a diminuir, mesmo com o aquecimento do continente. “A UE precisa, finalmente, de uma meta climática vinculativa: uma redução de pelo menos 90% das emissões até 2040, com planos claros de eliminação gradual do carvão, petróleo e gás, maior agilidade na expansão da energia eólica e solar, o desmantelamento dos subsídios aos combustíveis fósseis e um equilíbrio social justo”, afirmou o parlamentar alemão. Porém, grupos ambientalistas estão céticos, quanto aos esquemas de compensação de carbono. O Carbon Market Watch (CMW) publicou, na segunda semana de abril uma análise do primeiro projeto desse tipo aprovado, em março, sob o sistema internacional de créditos acordado na COP29 em Baku, em novembro de 2024.
“Esses créditos são essencialmente conversa fiada”, disse o diretor de políticas Sam Van den plas, após a análise do CMW sugerir que a redução de emissões ligada a um projeto para substituir fogões a lenha por fogões limpos, em Myanmar, havia sido superestimada, em 27 vezes. E, se a UE depender de CIC para introduzir flexibilidade a fim de atingir sua meta climática de 2040, corre o risco de aumentar as emissões globais.
A Alemanha comprometeu-se a eliminar a sua pegada de carbono até 2045, cinco anos antes da meta de emissões líquidas zero da UE. Porém, a meta da UE para 2040 não exige que a Alemanha aumente a sua própria meta de 88% para o mesmo ano; e aos governos deve ser permitido o uso de créditos de carbono para cobrir até 3% da redução de emissões exigida.
O PPE, o maior grupo no PE, já defendia a legalização dos créditos de carbono. O coordenador de política ambiental do grupo, Peter Liese, afirmou, em abril, que a Europa deve “optar por metas mais baixas ou incluir flexibilidades significativas”. Com efeito, o relatório climático europeu frisou a importância da “proteção climática eficaz”, mas frisou que isso não deve ocorrer em detrimento da indústria da UE e que a fixação da Comissão na cifra de 90% é problemática. E, no atinente à meta climática da UE para 2040, o maior problema é que não temos meta para o período posterior a 2030, ao passo que países, como o Japão, o Reino Unido e o Brasil, já definiram as suas metas. A China e a Índia, assim como outros países, estavam a aguardar pela UE.
A Comissão Europeia pretendia apresentar uma proposta antes do verão, mas ela não constava da agenda provisória das reuniões semanais do executivo da UE até ao final de junho.

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É muito difícil um consenso global para a ação climática. Consegui-lo-á a COP30?

2025.11.11 – Louro de Carvalho

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