segunda-feira, 10 de novembro de 2025

As famílias continuam a contar os cêntimos

 

Apesar dos valores e da cultura partilhados e das políticas de coesão social gizadas, em toda a Europa, persistem disparidades de rendimento significativas a marcar o mapa económico europeu e o fosso diminui, quando ajustado ao poder de compra, mas subsistem diferenças substanciais.
Na verdade, nos últimos anos, as famílias enfrentaram grave crise de custo de vida, exacerbada pela guerra da Rússia na Ucrânia e pelos choques de abastecimento pós-pandemia.
A 9 de novembro, a Euronews publicou um artigo de De Servet Yanatma, intitulado “Rendimento líquido equivalente na Europa: Onde é que as famílias ganham mais?”, a dar-nos conta de que “as famílias europeias enfrentaram uma grave crise de custo de vida, exacerbada pela guerra da Rússia na Ucrânia e pelos choques de abastecimento pós-pandemia”. Tanto assim é que “muitas famílias foram obrigadas a limitar as suas despesas”, ou seja, as famílias continuam a contar os cêntimos”, apesar de a inflação se aproximar do objetivo de 2%, do Banco Central Europeu (BCE).
O artigo em referência apresenta como medida útil do rendimento das famílias o “rendimento líquido equivalente mediano”. Trata-se do rendimento anual típico por pessoa, ajustado à dimensão do agregado familiar e depois de deduzidos os impostos.  Chama-se “equivalente”, porque é ajustado para reconhecer que as famílias maiores e mais complexas precisam de mais rendimento para satisfazer as suas necessidades do que o indivíduo ou a família pequena. E chama-se “mediano”, por indicar que este é o rendimento que divide a população a meio. Ou seja, metade das pessoas tem um rendimento equivalente inferior a este valor, e a outra metade tem um rendimento superior. 
Para tal, utiliza-se uma escala que atribui pesos diferentes aos membros da família (por exemplo, o primeiro adulto vale 1, cada adulto adicional vale 0,5 e cada criança vale 0,3).
A partir de 2024, o rendimento mediano equivalente, nos 34 países europeus, varia entre 3075 euros, na Albânia, e 50799 euros, no Luxemburgo.
Na União Europeia (UE), a Bulgária tem o rendimento mediano equivalente mais baixo, com 7811 euros, enquanto a média da UE é de 21582 euros.
No topo, a Suíça e a Noruega juntam-se ao Luxemburgo na liderança da classificação, seguidas pela Dinamarca, pela Áustria, pela Irlanda, pelos Países Baixos e pela Bélgica, todas entre os 30 mil e os 35 mil euros. A Finlândia, a Alemanha, a Suécia e a França também se situam acima da média da UE. Em contraponto, a Macedónia do Norte, a Turquia e o Montenegro ocupam os últimos lugares da classificação. Dentro da UE, a Hungria e a Roménia – juntamente com a Bulgária – também registam totais inferiores a 10 mil euros.
Em 2024, Portugal registou um rendimento líquido equivalente médio de 12646 euros, o que corresponde a 14446 euros, quando ajustado ao poder de compra (PPC). Estes valores colocam o país abaixo da média da UE, que se fixou em 21582 euros, refletindo o fosso persistente entre as economias do Norte e do Sul do continente.
Os números revelam uma clara divisão: os países da Europa Ocidental e do Norte registam os rendimentos medianos mais elevados, enquanto as regiões do Sul e do Leste ficam atrás. Por exemplo, a diferença entre o Luxemburgo e a Bulgária ultrapassa os 40 mil euros.
Stefano Filauro, professor assistente na Universidade Sapienza de Roma, declarou à Euronews Business: “O nível de prosperidade médio observado em 2024 reflete fatores estruturais de longo prazo, como as trajetórias históricas de crescimento, a industrialização e o desenvolvimento do bem-estar.”
Para Giulia De Lazzari, economista da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as diferenças de produtividade e de composição industrial ajudam a explicar o fosso. Nestes termos, segundo a economista, “uma produtividade mais elevada permite que os países mantenham salários mais altos”. Isto significa que os países com setores de grande valor, como as finanças, as tecnologias da informação ou a indústria avançada, tendem a pagar mais, enquanto os que dependem da agricultura ou dos serviços básicos têm salários mais baixos.

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Todavia, ajustado ao padrão de poder de compra (PPC) – unidade monetária artificial que iguala o que o dinheiro pode comprar em diferentes países –, o fosso diminui, mas permanece grande.
O rendimento líquido equivalente mediano varia entre 5098 PPC, na Albânia, e 37781 PPC, no Luxemburgo. A média da UE é de 21245 PPC, sendo a Hungria (11199 PPC) o país da UE com o rendimento mais baixo.
A diferença entre o valor mais baixo e o valor mais alto da UE é de cerca de 26500 PPC, em comparação com quase 43 mil euros, em termos nominais. E países, como a Polónia, a Roménia e a Bulgária apresentam um desempenho notavelmente melhor, quando os rendimentos são medidos em PPC, e não em termos nominais.
Entre as “quatro grandes” economias da UE, a Alemanha e a França continuam acima da média, enquanto a Itália e a Espanha estão ligeiramente abaixo da média.
Portugal posiciona-se entre as economias intermédias da UE, à frente de vários países do Leste e dos Balcãs, mas distante das médias registadas nos países do Norte e Centro da Europa.
O rendimento médio nacional de 12646 euros (14446 PPC) reflete as limitações estruturais da economia portuguesa, marcada por uma produtividade inferior à média europeia e pela predominância de setores de baixo valor acrescentado. Mesmo assim, o desempenho português mostra aproximação aos países do Sul, como a Espanha e a Itália, que, embora mais desenvolvidos, também ficaram ligeiramente abaixo da média da UE, em 2024.

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Há uma medida política a ajudar algum afrouxamento da perda de rendimento. Nas últimas décadas, vários países europeus revogaram os impostos sobre o património. Desde 2025, apenas três continuam a impor uma taxa sobre a riqueza líquida individual, enquanto outros taxam apenas ativos selecionados.
A desigualdade é evidente em todo o Mundo, incluindo na Europa. De acordo com o BCE, no início de 2025, os 5% mais ricos da população da Zona Euro controlavam 45% da riqueza líquida das famílias, enquanto os 10% mais ricos detinham 57,4%.
Esta concentração da riqueza mantém o debate sobre o património no centro das discussões em muitos países. Recentemente, o bilionário francês Bernard Arnault opôs-se, veementemente, a uma proposta de imposto de 2% sobre os cidadãos com ativos superiores a 100 milhões de euros, alvitrada pelo ex-primeiro-ministro François Bayrou. “Uma ofensiva mortal para a nossa economia”, atirou Arnault.
Neste âmbito, é curioso saber que países europeus aplicam um imposto sobre o património, quanto arrecadam com esse imposto e qual o seu impacto no volume total das receitas fiscais provenientes das taxas sobre o património na Europa.
De acordo com a Tax Foundation, desde 2025, os impostos sobre o património líquido das pessoas singulares só existem em Espanha, na Noruega e na Suíça, variando as taxas e os limiares para o património tributável entre estes países.
Além disso, a França, a Itália, os Países Baixos e a Bélgica impõem impostos sobre o património em classes de ativos específicas, mas não sobre o património líquido global das pessoas singulares.
Portugal aplica os seguintes impostos sobre o património:
* Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que incide sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, com taxa agravada no caso dos prédios devolutos, há mais de um ano, ou em ruínas;
* Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), que recai sobre a transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade de imóveis ou de figuras parcelares;
* Imposto de selo, que só afeta atos que não estão sujeitos ao imposto sobe o valor acrescentado (IVA) e que aplica a todos os atos oficiais, desde: contratos, documentos, títulos financeiros, aquisição de bens, arrendamento, jogos e apostas, operações financeiras, seguros, crédito à habitação e ao consumo.

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O imposto sobre o património líquido, em Espanha, é progressivo, variando entre 0,16% e 3,5% sobre o património superior a 700 mil euros. Os residentes são tributados sobre os seus ativos, a nível mundial, enquanto os não residentes são tributados apenas sobre os ativos localizados em Espanha. Em 2022, o governo central espanhol introduziu um “imposto de solidariedade sobre a fortuna” adicional, com taxas que variam entre 1,7% e 3,5%, sobre os indivíduos que detêm ativos líquidos superiores a três milhões de euros. Inicialmente, concebido como medida temporária, para fazer face à crise do custo de vida, tornou-se, entretanto, permanente e complementar ao imposto sobre o património.
A Noruega cobra um imposto de 1% sobre o património individual superior a 1,7 milhões de NOK (coroas norueguesas) (145425 euros) e até 20 milhões de NOK (1,71 milhões de euros). Para o património superior a 20 milhões de NOK, a taxa aumenta para 1,1%. Do total, 0,7% vai para os municípios e 0,3% para o governo central.
De acordo com o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “The Role and Design of Net Wealth Taxes” (“O papel e a conceção dos impostos sobre o património líquido”), o imposto sobre o património líquido da Suíça apresenta limiares de isenção relativamente baixos, que variam consoante os cantões. Por conseguinte, não visa apenas as famílias mais ricas, mas afeta também parte significativa da classe média.
Em 2025, segundo a PwC, em Zurique, o imposto começa em 80 mil francos suíços (CHF) (85560 euros) para os contribuintes solteiros, com a taxa inicial de 0,05%. Para os contribuintes casados e para os pais solteiros com filhos menores, o limiar sobe para 159 mil CHF (170090 euros). A taxa aumenta gradualmente e atinge 0,3% sobre o património que excede 3,262 milhões de CHF (3,49 milhões de euros) para os solteiros, e 3,342 milhões de CHF (3,58 milhões de euros) para os contribuintes casados e pais com filhos menores.
Os residentes fiscais em França estão sujeitos a um imposto sobre o património imobiliário, se os seus ativos imobiliários líquidos a nível mundial estiverem avaliados em 1,3 milhões de euros ou mais. Os não residentes também estão sujeitos ao imposto se o valor dos seus ativos imobiliários franceses atingir ou exceder o mesmo limiar. Em função do valor líquido dos ativos, a taxa de imposto pode atingir 1,5%.
A Itália, a Bélgica e os Países Baixos também cobram alguns impostos sobre o património, nomeadamente, sobre os ativos financeiros.
O montante das receitas geradas pelos impostos sobre o património e a sua percentagem no total das receitas fiscais refletem a sua importância e eficácia.
De acordo com a OCDE, a Suíça arrecadou 9,5 mil milhões de euros provenientes do património individual em 2023, o que representa 4,3 % das receitas fiscais globais. Na Espanha, o valor foi de 3,1 mil milhões de euros, o que equivale a 0,6% do total. A Noruega gerou 2,7 mil milhões de euros, ou seja, 1,5% das suas receitas fiscais, enquanto a França arrecadou 2,3 mil milhões de euros, o que corresponde a apenas 0,2%.
A sua percentagem do produto interno bruto (PIB) é relativamente pequena. Em 2023, as receitas dos impostos sobre o património líquido individual variaram entre 0,21% do PIB, em Espanha, e 1,16%, na Suíça.
Embora a discussão sobre a imposição de impostos sobre o património esteja a aumentar, sobretudo, porque os governos procuram visar os ricos e gerar receitas, a tendência geral é revogá-los. Assim, nas últimas três décadas, vários países revogaram os impostos individuais sobre o património. O número de membros da OCDE que cobram este tipo de impostos caiu de 12, em 1990, para apenas quatro, em 2017. Entre os países da UE, sobressaem: a Áustria (1994), a Dinamarca (1997), a Alemanha (1997), os Países Baixos (2001), a Finlândia, a Islândia, o Luxemburgo (todos em 2006) e a Suécia (2007).
Foram invocadas várias razões para justificar a revogação dos impostos sobre o património líquido. De acordo com o relatório da OCDE, os principais argumentos centram-se nos custos de eficiência e no risco de fuga de capitais. Concluiu-se que, devido ao aumento da mobilidade dos capitais e ao acesso dos contribuintes ricos a paraísos fiscais, “os impostos sobre a riqueza líquida não conseguiram, frequentemente, atingir os seus objetivos redistributivos”.
Segundo os analistas, as grandes expectativas colidem, frequentemente, com as realidades práticas da reação dos contribuintes, pois cada vez mais países estão a discutir os impostos sobre o património para atingir os ricos e gerar receitas substanciais.
Quando um imposto está concentrado num pequeno número de indivíduos ricos e com grande mobilidade, um aumento (mesmo pequeno) da taxa de imposto pode levar à fuga de capitais e à deslocalização de indivíduos ricos para jurisdições vizinhas. E, quando os contribuintes fogem do país não levam consigo apenas as receitas do imposto sobre o património, mas também as receitas do imposto sobre o rendimento e sobre o consumo, que são fontes de receita mais importantes para os países europeus.

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Enfim, os governos bem dizem que taxarão os mais ricos, mas muitos destes, sem grandes clamores, sabem escapar ao látego fiscal (até em prejuízo dos seus países), os governantes acabam por ceder aos interesses instalados, a classe média baixa conta os cêntimos e os pobres nem cêntimos têm para contar.

2025.11.10 – Louro de Carvalho


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