segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Tempo até ao hospital coloca Portugal ao nível da Europa de Leste

 

Portugal está entre os países europeus onde o acesso da população a unidades hospitalares implica maiores deslocações por estrada, revelando profundas disparidades regionais. Segundo o último relatório da Eurostat, sete regiões do país apresentam uma realidade em que, pelo menos, metade dos residentes necessita de mais de 15 minutos para chegar, de carro, ao hospital.
Em alguns concelhos, tal percurso ultrapassa uma hora, como acontece em Barrancos, no distrito de Beja, que regista a distância média de 90 minutos, em Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança, com 79,7 minutos, em Miranda do Douro, também no distrito de Bragança, com cerca de 72,5 minutos, em Melgaço, no distrito de Viana do Castelo, com 65,7 minutos, e, em Alcoutim, no distrito de Faro, com 60,9 minutos.
Por outro lado, o tempo de acesso, de carro, a hospital com serviço de Maternidade mais próximo, se não estiver encerrado, em minutos é de 90, em Barrancos, no distrito de Beja, de 80,5, em Sines, no distrito de Setúbal, de 79,7, em Freixo de Espada-à-Cinta, no distrito de Bragança, de 72,5, em Miranda do Douro, também no distrito de Bragança, de 71,2, em Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal, e de 68,4, em Odemira, no distrito de Beja.
De acordo com o Jornal de Notícias (JN), estes dados colocam Portugal ao nível de vários países da Europa de Leste, como a Roménia, a Croácia, a Polónia ou a Eslovénia, e muito abaixo dos padrões do Centro e do Norte da Europa. Também na Espanha, há nove regiões com problemas semelhantes, nomeadamente, na Província de Lugo, na Galiza, e na região de Castela-la-Mancha, com metade da população a ter de percorrer enorme distância, para chegar a unidade de saúde; e a Grécia regista 15 áreas onde as distâncias são igualmente expressivas.
Segundo o retrato por microrregiões do Eurostat, as regiões mais afetadas são o Alto Tâmega e Barroso, o Tâmega e Sousa, a Beira Baixa, a Lezíria do Tejo, o Alentejo Central, o Alentejo Litoral e o Baixo Alentejo, onde cerca de 50% da população vive longe do hospital.
A Beira Baixa é um dos casos mais evidentes: segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os residentes de Oleiros demoram cerca de 47 minutos a chegar ao hospital de Castelo Branco. João Lobo, presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) da Beira Baixa, afirmou que, apesar de não ser possível reduzir a distância geográfica, “é necessário investir na mobilidade”, pelo que está em curso o concurso para reforçar as carreiras e os horários, mas que “será essencial complementar a oferta com transporte flexível”. Situação semelhante vive-se em Montalegre, no Alto Tâmega e Barroso, onde a população está a 48 minutos de um hospital, e em Ribeira de Pena, a 42 minutos. E Nuno Vaz, presidente da CIM Alto Tâmega e Barroso, sustenta que a população sente “esquecimento e desconsideração”, pelo que apela ao governo para qualificar estruturas, como o Hospital de Chaves e os centros de saúde dos seis concelhos da região.
No Tâmega e Sousa, algumas localidades ficam a mais de 50 minutos de uma unidade hospitalar. Nuno Fonseca, presidente da CIM Tâmega e Sousa, explica que já pediu reuniões com a Unidade Local de Saúde e com a ministra da Saúde, defendendo soluções para um melhor aproveitamento do Hospital de São Gonçalo, em Amarante, e a instalação de urgências em zonas críticas para reduzir assimetrias. Também nas regiões de Terras de Trás-os-Montes, Beiras e Serra da Estrela, Coimbra e Alto Alentejo, cerca de 45% da população necessita de mais de 15 minutos de deslocação, com Miranda do Douro, a destacar-se com 72,5 minutos. Pedro Lima, presidente da CIM das Terras de Trás-os-Montes, diz que a centralização de serviços hospitalares em Bragança agravou o problema, exemplificando com o caso de Freixo de Espada à Cinta.
As disparidades estendem-se a diversos municípios: Meda, nas Beiras e Serra da Estrela, regista 47 minutos; Góis, na região de Coimbra, 44 minutos; e Ponte de Sor, no Alto Alentejo, apresenta 35 minutos. Embora regiões, como Alto Minho, Douro, Viseu Dão Lafões, Leiria, Oeste e Médio Tejo apresentem melhores indicadores, continuam abaixo da média europeia, onde 83,4% das pessoas vivem a menos de 15 minutos de um hospital. Já Aveiro, Cávado e Ave aproximam-se desse valor, com 75% a 85% da população próxima de unidades hospitalares. Apenas quatro regiões portuguesas têm entre 5% e 15% da população a viver longe de um hospital: a Área Metropolitana do Porto (AMP), a Península de Setúbal, o Algarve (mas Alcoutim fica de fora) e, de forma total, a Grande Lisboa.
A nível europeu, o relatório da Eurostat assinala que, em 2023, uma em cada quatro regiões tinha, pelo menos, 95% da população a menos de 15 minutos de um hospital. Em Portugal, os melhores indicadores surgem nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, onde, segundo o INE, os residentes demoram, em média, apenas seis minutos a chegar a uma unidade hospitalar – valores que contrastam, profundamente, com os registados no Interior e que evidenciam a persistência de desigualdades territoriais no acesso aos cuidados de saúde.
Como dissemos, em Barrancos, vila raiana do Sudeste do Alentejo, o tempo para aceder a hospital, a urgência ou a maternidade ronda os 90 minutos, pelo que os/as utentes recorrem a unidades de saúde do país vizinho. Como afirma o presidente da Câmara de Barrancos, Emílio Domingues, a distância de 100 quilómetros dos hospitais de Beja e de Évora prejudica os seus munícipes no acesso aos serviços de saúde. “É triste, mas é uma realidade”, lamenta o edil, referindo-se ao facto de os utentes terem de recorrer a centros de saúde de Espanha.
Além dos dados estatísticos referidos, é de salientar, como refere Diana Morais Ferreira, no JN, que, em 93 municípios (um terço dos 278 municípios do continente), a distância a percorrer para chegar a uma maternidade é superior a 30 minutos, sendo que 34 concelhos distam mais de 45 minutos, estando no topo, como referimos, Barrancos, a que se seguem Sines, Freixo de Espada-à-Cinta, Miranda do Douro, Santiago do Cacém e Odemira.
Terrível é o panorama dos serviços de Ginecologia e Obstetrícia, com 33,33% da população a viver a mais de 30 quilómetros de um serviço destes. Por exemplo, um residente do concelho de Sever do Vouga demora 30 minutos, enquanto um residente no concelho de Pedrógão Grande demora cerca de 40 minutos.
Todavia, há zonas com cenário bem pior. Em 34 concelhos, o tempo de distância ultrapassa os 45 minutos e, em alguns, passa de uma hora.
Em 2022, segundo o INE, o tempo mediano de acesso, de carro, da população variava, a nível sub-regional, entre 7,9 minutos, na Grande Lisboa, e 65,9 minutos, no Alentejo Litoral. No atinente às urgências, a distância e, consequentemente o tempo de chegada, a diferença é pequena. Barrancos é o concelho com pior média (90 minutos). No total, há 87 concelhos (31% dos 278 do continente) em que a média de tempo a percorrer é de meia hora ou mais. Em termos das regiões, o tempo mediano varia entre os 7,4 minutos, na Grande Lisboa, e os 35,8 minutos, no Alentejo Litoral. Já na Área Metropolitana do Porto, o tempo mediano registado foi de 11,3 minutos.        

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É de frisar que todos estes dados se referem ao ano de 2023, no caso do Eurostat, e ao de 2022, no caso do INE. Já passaram dois anos, em relação aos dados do Eurostat, e quase três, em relação aos do INE. E, se a situação era má, agora está muito pior, apesar de o governo ter prometido, em abril de 2024, que resolveria os problemas da Saúde em 60 dias.
Por outro lado, a questão da distância nem será o maior problema. Se as urgências das especialidades mais críticas não estivessem encerradas, a cada passo (além das distâncias que geram os tempos acima indicados, os doentes, nomeadamente, grávidas, são obrigados a percorrer outras distâncias (em meios próprios ou hospitalares), se o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) tivesse meios (humanos e logísticos) suficientes e adequados e se a referenciação para urgência não fosse tão rígida, o atendimento seria mais confortável.
A este respeito, a Euronews espelha Portugal, no âmbito da Saúde, com a publicação, a 7 de novembro de um artigo de Joana Mourão Carvalho intitulado “Ministra com a cabeça a prémio após morte de grávida e bebé. O que se passa na Saúde em Portugal?”
O caso da guineense de 36 anos, a grávida que morreu no Hospital Amadora-Sintra voltou a expor as falhas no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Umo Cami tinha estado naquela unidade hospitalar, durante a tarde de 29 de outubro, por causa de um episódio de hipertensão, mas foi mandada para casa. Na madrugada de 31 de outubro, deu entrada na urgência do mesmo hospital, mas já em paragem cardiorrespiratória. Foi feita uma cesariana de emergência, mas o desfecho foi trágico. E a filha, que nasceu dessa cesariana, também não resistiu e morreu na manhã de 2 de novembro.
O hospital avançou de imediato com um inquérito interno, mas garantiu, em comunicado, que foram cumpridos todos os protocolos (como se isso fosse dogma de eficácia). Inicialmente, o diretor do Serviço de Ginecologia e Obstétrica veio a público justificar que Umo Cami chegara, há pouco tempo, a Portugal e que “o seguimento da gravidez não foi ideal”.
Na Assembleia da República (AR), a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, confrontada com o caso, insistiu que a mulher não foi devidamente acompanhada, durante a gravidez, assumindo que o mesmo sucede com muitos casos de desfechos menos bons na área da Obstetrícia. “Maioritariamente são grávidas que nunca foram seguidas durante a gravidez, que não têm médico de família, recém-chegadas a Portugal, com gravidezes adiantadas e algumas nem falam Português, nem foram preparadas para acionar o socorro, nem têm meios para recorrer a um serviço privado. Por vezes, nem telemóvel têm”, discorreu a governante, sobre o aumento do número de partos fora do hospital. Um discurso de todo lamentável!
Os comentários ministeriais redobraram a controvérsia e verificou-se que Umo Cami era, afinal, acompanhada no SNS, desde julho. Familiares e amigos seus vieram a público garantir que a gravidez era acompanhada naquela unidade de saúde e que ela vivia em Portugal, há um ano, legalmente, facultando registos das confirmações das consultas nas redes sociais.
A administração do Hospital de Amadora-Sintra reconheceu o erro, 48 horas após o óbito. Segundo o seu comunicado, a mulher fez duas consultas de vigilância de gravidez, em 14 de julho e em 14 de agosto, no centro de saúde de Agualva-Cacém, tendo realizado consultas de obstetrícia no Hospital Fernando Fonseca, na Amadora, nos dias 17 de setembro e 29 de outubro, esta última dois dias antes de morrer. E realçou que a informação do acompanhamento, desde julho, só foi transmitida à ministra da Saúde, a 2 de novembro, e que as declarações da governante, na AR, onde disse que a mulher não tinha tido acompanhamento prévio, tiveram por base informação e o comunicado emitido pelo Hospital Fernando Fonseca.
Em causa, poderá estar falha de articulação entre os serviços de saúde e a partilha de dados sobre os pacientes. Isto, porque o Amadora-Sintra é uma das quatro unidades do SNS sem sistema informático de partilha de dados. Nas outras, os dados dos utentes foram já transferidos para o Registo de Saúde Eletrónico desde 2012. Em comunicado oficial, a Unidade Local de Saúde de Amadora-Sintra (ULSASI) admitiu a falta de um sistema integrado de informação clínica, que permita a troca automática de dados entre os diferentes serviços e unidades.
Perante a gravidade do caso, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) anunciaram a abertura de inquéritos independentes, para apurar as circunstâncias da morte da grávida e da recém-nascida e eventuais falhas no acompanhamento clínico. Também o Ministério Público (MP) abriu um inquérito ao caso.
Nos últimos meses, Ana Paula Martins alegou, por várias vezes, que os partos com complicações, nomeadamente, muitos dos ocorridos fora dos hospitais, estão, acima de tudo relacionados com gravidezes que não foram seguidas no SNS.
O contexto de fortes limitações inerentes ao encerramento e concentração de serviços de urgência de obstetrícia, devido à falta de profissionais, tem feito disparar o número de partos pré-hospitalares, em Portugal, e obrigado várias mulheres em trabalho de parto a deslocarem-se quilómetros para receberem assistência médica. Considerando todos os contextos pré-hospitalares – em ambulâncias, na via pública e em casa –, o INEM contabilizou 154 partos, entre 1 de janeiro e 14 de setembro deste ano.
Face aos constrangimentos nos serviços de Ginecologia, Obstetrícia e Bloco de Partos dos hospitais, sobretudo, em Lisboa e Setúbal, a oposição tem denunciado que não é assegurado o acompanhamento adequado das grávidas, pedindo a cabeça da ministra.
Ainda antes do caso da grávida que morreu no Amadora-Sintra, a oposição já pedia a demissão da ministra pela gestão do SNS e pela acumulação de casos que a põem em xeque. As críticas vão desde o desinvestimento no setor, à falta de médicos de família, aos atrasos nas consultas e nas cirurgias, ao fecho de urgências e às condições laborais dos profissionais de saúde.
Horas antes da notícia do caso de Umo Cami, o próprio Presidente da República (PR) segurou a ministra, numa intervenção, no encerramento de uma conferência sobre os 50 anos do Serviço Médico na Periferia (SMP). “Se acaba um governo, entra outro com outra política de saúde. Depois entra outro, que tem outra política de saúde. Não há política de saúde que aguente. […] Talvez valha a pena pensar que não é boa ideia, de cada vez que [se] muda de governo, mudar-se de política também no domínio da saúde”, afirmou o chefe de Estado.
E o PR prefere um “acordo amplo de regime”, para que haja um quadro de médio prazo, mas sustenta que o governo, mesmo sem acordo, tem de decidir sobre o “que deve ser SNS, o que é que deve ser setor social, o que é que deve ser setor privado lucrativo”.
Luís Montenegro não deixa cair a ministra, até diplomas indispensáveis estarem assegurados, o que deverá acontecer no final do ano. O governo está a preparar a Lei de Bases da Saúde, sendo dezembro o mês decisivo para reavaliar as condições políticas da ministra da Saúde.
No meio da tempestade, paira no ar a possibilidade da paralisação das urgências e a adesão à greve geral. Em causa estão as alterações ao regime dos médicos prestadores de serviços, para esbater as diferenças entre os clínicos que têm contrato com o SNS e os tarefeiros. Inconformados com as mudanças que o governo quer implementar, mais de mil médicos prestadores de serviço, reunidos num grupo de WhatsApp, ameaçam paralisar os serviços de urgência dos hospitais públicos, pelo menos, durante três dias.

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A má gestão, a inflexibilidade da referenciação prévia da urgência, a falta de meios e a burocracia levam as grávidas a temer o parto em casa, na rua, na ambulância ou na sala de espera; e os cidadãos, em geral, a temerem uma emergência em casa ou à porta do hospital e não serem atendidos, devido ao rigor dos cânones da referenciação. A Saúde devia ser a prioridade do governo e através do SNS, pois a mercantilização generalizada da Saúde é iníqua.

2025.11.17 – Louro de Carvalho

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