Um
artigo de opinião de Jorge Liboreiro e de Vincenzo Genovese, publicado a 16 de novembro
pela Euronews, sob o título “Como o PPE está cada vez mais alinhado com
a direita”, considera que, “pela primeira vez, está a surgir uma maioria de
direita no Parlamento Europeu [PE], à medida que o Partido Popular Europeu [PPE]
se aproxima de grupos que, no passado, eram considerados demasiado ‘tóxicos
para trabalhar com ele”.
Doravante, o conservador PPE, que já não domina o hemiciclo parlamentar comunitário, mas ainda é predominante, tem de optar por trabalhar com os aliados pró-europeus e progressistas ou por aliar-se à extrema-direita – “combinação que parecia demasiado tóxica para funcionar”, há quatro anos. De facto, preocupa-se com os seus objetivos e, com a maré política a mudar na Europa, o grupo tenta sobreviver a todo o custo. E, se isso implica aliança com a direita mais dura do PE, o grupo partidário parece preparado para a fazer. Assim, como apontam os dois articulistas, “o centro está a ter dificuldades em manter-se no Parlamento Europeu”.
Doravante, o conservador PPE, que já não domina o hemiciclo parlamentar comunitário, mas ainda é predominante, tem de optar por trabalhar com os aliados pró-europeus e progressistas ou por aliar-se à extrema-direita – “combinação que parecia demasiado tóxica para funcionar”, há quatro anos. De facto, preocupa-se com os seus objetivos e, com a maré política a mudar na Europa, o grupo tenta sobreviver a todo o custo. E, se isso implica aliança com a direita mais dura do PE, o grupo partidário parece preparado para a fazer. Assim, como apontam os dois articulistas, “o centro está a ter dificuldades em manter-se no Parlamento Europeu”.
A
sessão plenária da semana anterior mostrou que a aliança tradicional que
dominou a política europeia, desde o início da União Europeia (UE) já é discutível.
Na
verdade, nessa sessão, o PPE mostrou-se determinado a aprovar um projeto de lei
para simplificar os relatórios de sustentabilidade das empresas e para reduzir
os requisitos de diligência devida (o pacote “Omnibus I”). Para conseguir o seu
escopo legislativo, tentou aprovar a lei com a maioria centrista, mediante
acordo, em outubro, com os Socialistas e Democratas (S&D) e com os liberais
do Renew Europe. O acordo ruiu, quando alguns socialistas se queixaram de
que era injusto para o ambiente e para os direitos sociais e de que traía os
regulamentos já aprovados.
O
pacote “Omnibus I” é um conjunto de propostas legislativas da UE, apresentado a
26 de fevereiro de 2025, que visa simplificar e reduzir os encargos
regulamentares para as empresas na área da sustentabilidade. As suas principais
medidas incluem a alteração da Diretiva de Relato de Sustentabilidade
Corporativa (CSRD) para simplificar os requisitos de relato e para prolongar
prazos, a modificação da Diretiva de Dever de Diligência, em matéria de
Sustentabilidade (CSDDD), e a simplificação e o reforço do Mecanismo de
Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM). E está em sintonia com a vontade
do grupo de centro-direita de facilitar a vida às empresas, visto que aplica as
regras de diligência devida da UE, apenas às grandes empresas e elimina as
multas que podem ir até 5% do volume de negócios líquido de uma empresa que não
cumpra as regras.
Sem
os progressistas, o PPE guinou à direita e pactuou com a extrema-direita,
alinhado com a tendência europeia crescente. Se o pacote era inaceitável para
os socialistas e para os liberais, funcionou para os Conservadores e
Reformistas Europeus (ECR), para os Patriotas pela Europa (PfE) e para a Europa
das Nações Soberanas (ESN), de extrema-direita. E a mudança foi justificada com
a necessidade de redução da burocracia. “Apresentámos apenas alterações do PPE
e estas foram apoiadas pelos partidos de direita”, declarou aos jornalistas,
após a votação, o eurodeputado sueco Jörgen Warborn, relator do dossiê, estando
a explicação alinhada com a estratégia de Manfred Weber, presidente do PPE, de excluir
qualquer operação estruturada com a extrema-direita, mas contar com os seus
votos, quando necessário.
O
PPE argumenta que, se as forças progressistas mostrassem mais flexibilidade, os
votos da direita deixariam de ser decisivos. Com efeito, em 2024, assinou um
acordo de coligação informal, a “declaração de cooperação da plataforma”, com
os socialistas e com os liberais, seus aliados tradicionais na anterior
legislatura. O acordo tripartido era necessário para desbloquear o novo Colégio
de Comissários: o PPE concordou em apoiar Teresa Ribera, nomeada pelo governo
de esquerda de Espanha, enquanto os socialistas e os liberais concordaram em
apoiar Raffale Fitto, do ECR, de Itália, aliado da primeira-ministra italiana,
Giorgia Meloni.
A
plataforma centrista deveria funcionar como maioria estável, mas nunca
funcionou como tal.
No
PE, uma coligação “governamental” é menos rígida do que nos parlamentos nacionais,
onde o chefe de governo provém, geralmente, do maior partido com assento parlamentar.
Na UE, a única forma de derrubar a Comissão Europeia – o executivo comunitário –
é a moção de censura, que tem de ser aprovada por, pelo menos, dois terços dos
votos expressos no PE. O limiar de dois terços é tão elevado que a
probabilidade de a Comissão Europeia cair é muito menor do que a de isso
acontecer a um governo nacional, por definição, menos estável.
A
viragem à direita no PE significa que o PPE se obriga a uma escolha, o que não acontecia
nas legislaturas anteriores. Os partidos de extrema-direita, que estavam em
minoria, eram facilmente ignorados e tidos por demasiado tóxicos para serem
parceiros de acordos. Ao invés, a ascensão da extrema-direita, na UE, significa
mais lugares e um grupo parlamentar demasiado grande para ser ignorado. E, na
ótica do PPE, significa que é possível uma maioria alternativa, sempre que isso
for tido como adequado. Enfim, mais do que promover a prevalência da ideologia
que enforma o perfil e a prática dos partidos que formam o PPE – uma formação democrática
(com que se pode concordar ou de que se pode discordar) –, o que está em causa,
presentemente, é a sobrevivência, mesmo que por meios oportunistas.
A
mudança começou em outubro de 2024, quando os eurodeputados do PPE se juntaram
ao ECR, ao PfE e ao ESN para reconhecer o líder da oposição Edmundo González
como presidente da Venezuela, numa resolução não-vinculativa, que era,
sobretudo, simbólica. Não obstante, o lamiré passou a afinar a chamada “maioria
venezuelana”, que ressurgiu em decisões mais substanciais, no sistema de aliança
informal, por exemplo, quando a lei da desflorestação da UE foi adiada e diluída por
alterações, que introduziam requisitos menos rigorosos, apresentadas pelo PPE e
apoiadas pelos grupos ECR, PfE e ESN. Casos similares incluem o Prémio
Sakharov, a criação do grupo de trabalho para
analisar o financiamento da UE às organizações não-governamentais (ONG) e a rejeição
das novas regras de transparência.
Anotam
os articulistas que a aliança informal é tão recorrente que a ONG “The Good
Lobby” criou um registo para assinalar as vezes em que o PPE se alinha com
a direita, incluindo a mais radical. Contudo, estas votações não significam
mudança permanente da maioria no PE. O PPE continua a votar, com o centro, a
maioria dos dossiês, incluindo os cruciais. Os três grupos em causa defenderam
a Comissão Europeia em votações das sucessivas moções de censura (uma, em
julho, e duas, em setembro) e juntaram-se aos Verdes para a exigência de alterações
ao próximo orçamento da UE.
Tudo
isto torna expectável que, a “maioria venezuelana” possa influenciar a
definição de políticas europeias, durante esta legislatura. O recuo do Pacto
Ecológico, através de pacotes de simplificação, e o recuo das leis ambientais
poderão pôr à prova as alianças, com a proibição dos automóveis com motor de
combustão, em 2035, a preparar-se para fazer eclodir um confronto total
entre a direita e a esquerda.
Também
a política das migrações é outro ponto polémico entre os centristas. As novas
propostas da Comissão Europeia estão alinhadas com a linha dura do PPE, nesta
matéria (sobretudo, no atinente ao financiamento de barreiras nas fronteiras
externas do bloco, para proteção das mesmas), a qual não é contestada por
alguns deputados liberais e por muitos socialistas. E será necessária a maioria
de direita para aprovar projetos de lei controversos, como a diretiva sobre o
regresso, que permite aos países da UE estabelecer campos de deportação fora
do bloco, ou o conceito de “terceiro país seguro”, que permitiria aos estados-membros rejeitar
alguns pedidos de asilo sem qualquer contestação.
As
aproximações do PPE à extrema-direita constituem uma dor de cabeça para a
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a qual, desde a sua
escolha para o cargo mais relevante da política de Bruxelas, em 2019, tem
contado com a maioria centrista para fazer avançar a sua agenda. Na campanha
para a reeleição, em 2024, afirmou que só trabalharia com partidos “pró-europeus,
pró-estado de direito e pró-Ucrânia”. E, a fim de garantir a reeleição,
voltou-se para os quatro partidos centristas, incluindo, para incómodo do PPE,
os Verdes.
Nessas
negociações, prometeu uma linha vermelha entre o centro e a
extrema-direita, um compromisso que os progressistas vêm recordando. “Hoje é um
bom dia para a Europa, porque esta votação mostra que o centro se mantém. […] Nos
próximos cinco anos, o que será de importância crucial é a unidade. Nunca é
demais sublinhar este facto”, afirmou, em 2024, após a aprovação do seu Colégio
de Comissários.
Ursula
von der Leyen tem-se mantido fiel ao mantra pró-centro, mesmo que a sua maioria
pró-europeia tenha enfraquecido e fraturado, em comparação com o primeiro
mandato.
Os
funcionários da Comissão Europeia estão alarmados com a fragmentação e com a
polarização no PE, à medida que as votações críticas se transformam em
recriminações, em acusações e em guerras culturais entre partidos que deveriam
cerrar fileiras e apoiar a visão da presidente. Os diplomatas queixam-se da
incapacidade de o PE agir, com rapidez e com determinação, em maré de múltiplos
desafios. E a paciência está a esgotar-se entre os estados-membros, os
verdadeiros detentores de poder, devido ao sentimento crescente de que os dois colegisladores
– o Parlamento e o Conselho – avançam em direções separadas e irreconciliáveis.
Ursula
von der Leyen, para quem “isso significa complicações adicionais”, está
determinada a manter os progressistas do seu lado, de tal modo que, em
setembro, anunciou sanções contra Israel (o que era inédito), pelas
violações dos direitos humanos em Gaza, e novas medidas para combater a crise
da habitação – dois temas fundamentais para a esquerda. Ao mesmo tempo, está cônscia
da mudança mais ampla para a direita, o que se reflete na sua política.
No
atinente à segunda vertente política, desenvolveu estreita relação com Friedrich
Merz, chanceler alemão, com Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana, e
com Donald Tusk, primeiro-ministro polaco – todos oriundos da direita e
que a pressionaram a desfazer elementos do seu primeiro mandato. Porém, o recuo
mais notável é o Pacto Verde Europeu, que saudara, em tempos, como o momento do
“homem na Lua” da Europa, falando, agora, de descarbonização e de indústria
europeia “limpa”.
Enquanto
presidente do executivo europeu, Ursula on der Leyen pretende que as suas
propostas avancem no ciclo legislativo e sejam aprovadas. E, se, nos estados-membros,
sente que o pulso está à direita, no PE, ainda tenta perceber.
***
Que
o PPE está alinhado mais à direita, também em relação aos estados-membros, fica
patente em tomadas de posição, como a referente à rejeição de uma comissão de
inquérito parlamentar (CPI) para investigar a alegada rede de espionagem
liderada pelos serviços secretos húngaros, em Bruxelas, alegando que isso só
ajudaria a estratégia de Victor Orbán para antagonizar a UE, podendo utilizar a
CPI como arma.
Depois de vários meios de comunicação social terem noticiado que o governo húngaro tentou recrutar funcionários da UE, em Bruxelas, como informadores, a Comissão Europeia, em outubro, lançou uma investigação sobre o caso. Os agentes ter-se-ão feito passar por diplomatas da Representação Permanente da Hungria junto da UE, em Bruxelas, que foi liderada, entre 2015 e 2019, por Olivér Várhelyi, que é, atualmente, o Comissário Europeu húngaro.
Depois de vários meios de comunicação social terem noticiado que o governo húngaro tentou recrutar funcionários da UE, em Bruxelas, como informadores, a Comissão Europeia, em outubro, lançou uma investigação sobre o caso. Os agentes ter-se-ão feito passar por diplomatas da Representação Permanente da Hungria junto da UE, em Bruxelas, que foi liderada, entre 2015 e 2019, por Olivér Várhelyi, que é, atualmente, o Comissário Europeu húngaro.
Ao
invés, os grupos progressistas do PE querem criar a sua própria CPI sobre o
assunto. Os Verdes, os Socialistas e os liberais do Renew Europe estão a
pressionar para que tal comissão seja criada o mais rapidamente possível. No
entanto, o PPE, o maior grupo do PE, opõe-se à iniciativa.
Fontes
do PPE sustentam que o inquérito iria “fazer o jogo de Viktor Orbán”, antes das
eleições renhidas de abril, em que este concorre contra o candidato conservador
Peter Magyar, muito mais jovem, que também é membro do PPE. Ou seja, uma CPI,
no PE, criaria um palco para o primeiro-ministro húngaro reforçar a sua
narrativa interna contra as instituições da UE e para se apresentar como “o
defensor” da nação húngara.
Mesmo
assim, os progressistas pró-europeus consideram que a investigação é
necessária, porque as alegações são graves. Porém, a Hungria e Várhelyi negam
as alegações.
“Queremos
ter a certeza de que todos os factos estão em cima da mesa e que a posição do
Parlamento pode também ter sido prejudicada por esta atividade”, declarou a
eurodeputada dos Verdes Tineke Strik, relatora do relatório sobre o Estado de
direito na Hungria.
E
o eurodeputado húngaro Csaba Molnár, sugerindo que a alegada espionagem foi
efetuada “em nome da Rússia e no interesse de Putin” entende que “a questão não
é saber se houve espionagem, porque sabemos que houve”, mas “saber aonde foi
parar a informação obtida através da espionagem”.
A
CPI pode ser convocada com os votos de apenas um quarto dos eurodeputados, mas
precisa do apoio da maioria do PE para ser aprovada.
O
primeiro passo é dado pela Conferência dos Presidentes, que inclui os líderes
dos diferentes grupos e a presidente do PE, Roberta Metsola. Qualquer decisão
no seio da Conferência dos Presidentes é tomada por maioria, estando o voto de
cada líder correlacionado com a dimensão do seu grupo parlamentar. E o voto do
PPE é fundamental para a criação de uma CPI.
De
acordo com as regras do PE, as CPI podem organizar missões de apuramento de
factos, convidar testemunhas, ouvir funcionários da UE ou dos estados-membros e
solicitar a assistência das autoridades nacionais, no decurso da sua
investigação. Porém, contrariamente às comissões criadas por alguns parlamentos
nacionais, as testemunhas não são obrigadas a comparecer, quando convocadas,
nem a depor sob juramento.
***
Não
admira que o PPE tenha guinado à direita, tendo em conta a pressão de extrema-direita
em ascensão na Europa, aliás como no resto do Mundo. Todavia, o PPE foi eleito,
em 2024, quando a extrema-direita não obteve um espaço marcante do PE. Em conformidade
com tal realidade, embora em risco de alteração, deveria continuar a observar o
pacto social com que foi eleito, pelo que é censurável o abandono dos princípios,
com vista a sobrevivência a qualquer custo.
O resultado está à vista: os novos regulamentos comunitários espelham forte retrocesso.
O resultado está à vista: os novos regulamentos comunitários espelham forte retrocesso.
Quanto
à CPI sobre a suposta espionagem dos serviços secretos da Hungria,
independentemente do incómodo futuro, deveriam ser esclarecidos os factos e apuradas
as responsabilidades, a não ser que faça doutrina o Parlamento português, que,
na iminência de uma CPI, preferiu a dissolução, ou o governo português, que pretende
aprovação parlamentar de legislação retrógrada sobre matérias não previstas em campanha
eleitoral, nem no seu programa de governo.
2025.11.16
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário