domingo, 16 de novembro de 2025

Centro político com dificuldades em manter-se no Parlamento Europeu

 

Um artigo de opinião de Jorge Liboreiro e de Vincenzo Genovese, publicado a 16 de novembro pela Euronews, sob o título “Como o PPE está cada vez mais alinhado com a direita”, considera que, “pela primeira vez, está a surgir uma maioria de direita no Parlamento Europeu [PE], à medida que o Partido Popular Europeu [PPE] se aproxima de grupos que, no passado, eram considerados demasiado ‘tóxicos para trabalhar com ele”.
Doravante, o conservador PPE, que já não domina o hemiciclo parlamentar comunitário, mas ainda é predominante, tem de optar por trabalhar com os aliados pró-europeus e progressistas ou por aliar-se à extrema-direita – “combinação que parecia demasiado tóxica para funcionar”, há quatro anos. De facto, preocupa-se com os seus objetivos e, com a maré política a mudar na Europa, o grupo tenta sobreviver a todo o custo. E, se isso implica aliança com a direita mais dura do PE, o grupo partidário parece preparado para a fazer. Assim, como apontam os dois articulistas, “o centro está a ter dificuldades em manter-se no Parlamento Europeu”.
A sessão plenária da semana anterior mostrou que a aliança tradicional que dominou a política europeia, desde o início da União Europeia (UE) já é discutível.
Na verdade, nessa sessão, o PPE mostrou-se determinado a aprovar um projeto de lei para simplificar os relatórios de sustentabilidade das empresas e para reduzir os requisitos de diligência devida (o pacote “Omnibus I”). Para conseguir o seu escopo legislativo, tentou aprovar a lei com a maioria centrista, mediante acordo, em outubro, com os Socialistas e Democratas (S&D) e com os liberais do Renew Europe. O acordo ruiu, quando alguns socialistas se queixaram de que era injusto para o ambiente e para os direitos sociais e de que traía os regulamentos já aprovados.
O pacote “Omnibus I” é um conjunto de propostas legislativas da UE, apresentado a 26 de fevereiro de 2025, que visa simplificar e reduzir os encargos regulamentares para as empresas na área da sustentabilidade. As suas principais medidas incluem a alteração da Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) para simplificar os requisitos de relato e para prolongar prazos, a modificação da Diretiva de Dever de Diligência, em matéria de Sustentabilidade (CSDDD), e a simplificação e o reforço do Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM). E está em sintonia com a vontade do grupo de centro-direita de facilitar a vida às empresas, visto que aplica as regras de diligência devida da UE, apenas às grandes empresas e elimina as multas que podem ir até 5% do volume de negócios líquido de uma empresa que não cumpra as regras.
Sem os progressistas, o PPE guinou à direita e pactuou com a extrema-direita, alinhado com a tendência europeia crescente. Se o pacote era inaceitável para os socialistas e para os liberais, funcionou para os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), para os Patriotas pela Europa (PfE) e para a Europa das Nações Soberanas (ESN), de extrema-direita. E a mudança foi justificada com a necessidade de redução da burocracia. “Apresentámos apenas alterações do PPE e estas foram apoiadas pelos partidos de direita”, declarou aos jornalistas, após a votação, o eurodeputado sueco Jörgen Warborn, relator do dossiê, estando a explicação alinhada com a estratégia de Manfred Weber, presidente do PPE, de excluir qualquer operação estruturada com a extrema-direita, mas contar com os seus votos, quando necessário.
O PPE argumenta que, se as forças progressistas mostrassem mais flexibilidade, os votos da direita deixariam de ser decisivos. Com efeito, em 2024, assinou um acordo de coligação informal, a “declaração de cooperação da plataforma”, com os socialistas e com os liberais, seus aliados tradicionais na anterior legislatura. O acordo tripartido era necessário para desbloquear o novo Colégio de Comissários: o PPE concordou em apoiar Teresa Ribera, nomeada pelo governo de esquerda de Espanha, enquanto os socialistas e os liberais concordaram em apoiar Raffale Fitto, do ECR, de Itália, aliado da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.
A plataforma centrista deveria funcionar como maioria estável, mas nunca funcionou como tal.
No PE, uma coligação “governamental” é menos rígida do que nos parlamentos nacionais, onde o chefe de governo provém, geralmente, do maior partido com assento parlamentar. Na UE, a única forma de derrubar a Comissão Europeia – o executivo comunitário – é a moção de censura, que tem de ser aprovada por, pelo menos, dois terços dos votos expressos no PE. O limiar de dois terços é tão elevado que a probabilidade de a Comissão Europeia cair é muito menor do que a de isso acontecer a um governo nacional, por definição, menos estável.
A viragem à direita no PE significa que o PPE se obriga a uma escolha, o que não acontecia nas legislaturas anteriores. Os partidos de extrema-direita, que estavam em minoria, eram facilmente ignorados e tidos por demasiado tóxicos para serem parceiros de acordos. Ao invés, a ascensão da extrema-direita, na UE, significa mais lugares e um grupo parlamentar demasiado grande para ser ignorado. E, na ótica do PPE, significa que é possível uma maioria alternativa, sempre que isso for tido como adequado. Enfim, mais do que promover a prevalência da ideologia que enforma o perfil e a prática dos partidos que formam o PPE – uma formação democrática (com que se pode concordar ou de que se pode discordar) –, o que está em causa, presentemente, é a sobrevivência, mesmo que por meios oportunistas.   
A mudança começou em outubro de 2024, quando os eurodeputados do PPE se juntaram ao ECR, ao PfE e ao ESN para reconhecer o líder da oposição Edmundo González como presidente da Venezuela, numa resolução não-vinculativa, que era, sobretudo, simbólica. Não obstante, o lamiré passou a afinar a chamada “maioria venezuelana”, que ressurgiu em decisões mais substanciais, no sistema de aliança informal, por exemplo, quando a lei da desflorestação da UE foi adiada e diluída por alterações, que introduziam requisitos menos rigorosos, apresentadas pelo PPE e apoiadas pelos grupos ECR, PfE e ESN. Casos similares incluem o Prémio Sakharov, a criação do grupo de trabalho para analisar o financiamento da UE às organizações não-governamentais (ONG) e a rejeição das novas regras de transparência.
Anotam os articulistas que a aliança informal é tão recorrente que a ONG “The Good Lobby” criou um registo para assinalar as vezes em que o PPE se alinha com a direita, incluindo a mais radical. Contudo, estas votações não significam mudança permanente da maioria no PE. O PPE continua a votar, com o centro, a maioria dos dossiês, incluindo os cruciais. Os três grupos em causa defenderam a Comissão Europeia em votações das sucessivas moções de censura (uma, em julho, e duas, em setembro) e juntaram-se aos Verdes para a exigência de alterações ao próximo orçamento da UE.
Tudo isto torna expectável que, a “maioria venezuelana” possa influenciar a definição de políticas europeias, durante esta legislatura. O recuo do Pacto Ecológico, através de pacotes de simplificação, e o recuo das leis ambientais poderão pôr à prova as alianças, com a proibição dos automóveis com motor de combustão, em 2035, a preparar-se para fazer eclodir um confronto total entre a direita e a esquerda.
Também a política das migrações é outro ponto polémico entre os centristas. As novas propostas da Comissão Europeia estão alinhadas com a linha dura do PPE, nesta matéria (sobretudo, no atinente ao financiamento de barreiras nas fronteiras externas do bloco, para proteção das mesmas), a qual não é contestada por alguns deputados liberais e por muitos socialistas. E será necessária a maioria de direita para aprovar projetos de lei controversos, como a diretiva sobre o regresso, que permite aos países da UE estabelecer campos de deportação fora do bloco, ou o conceito de “terceiro país seguro”, que permitiria aos estados-membros rejeitar alguns pedidos de asilo sem qualquer contestação.
As aproximações do PPE à extrema-direita constituem uma dor de cabeça para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a qual, desde a sua escolha para o cargo mais relevante da política de Bruxelas, em 2019, tem contado com a maioria centrista para fazer avançar a sua agenda. Na campanha para a reeleição, em 2024, afirmou que só trabalharia com partidos “pró-europeus, pró-estado de direito e pró-Ucrânia”. E, a fim de garantir a reeleição, voltou-se para os quatro partidos centristas, incluindo, para incómodo do PPE, os Verdes.
Nessas negociações, prometeu uma linha vermelha entre o centro e a extrema-direita, um compromisso que os progressistas vêm recordando. “Hoje é um bom dia para a Europa, porque esta votação mostra que o centro se mantém. […] Nos próximos cinco anos, o que será de importância crucial é a unidade. Nunca é demais sublinhar este facto”, afirmou, em 2024, após a aprovação do seu Colégio de Comissários.
Ursula von der Leyen tem-se mantido fiel ao mantra pró-centro, mesmo que a sua maioria pró-europeia tenha enfraquecido e fraturado, em comparação com o primeiro mandato.
Os funcionários da Comissão Europeia estão alarmados com a fragmentação e com a polarização no PE, à medida que as votações críticas se transformam em recriminações, em acusações e em guerras culturais entre partidos que deveriam cerrar fileiras e apoiar a visão da presidente. Os diplomatas queixam-se da incapacidade de o PE agir, com rapidez e com determinação, em maré de múltiplos desafios. E a paciência está a esgotar-se entre os estados-membros, os verdadeiros detentores de poder, devido ao sentimento crescente de que os dois colegisladores – o Parlamento e o Conselho – avançam em direções separadas e irreconciliáveis.
Ursula von der Leyen, para quem “isso significa complicações adicionais”, está determinada a manter os progressistas do seu lado, de tal modo que, em setembro, anunciou sanções contra Israel (o que era inédito), pelas violações dos direitos humanos em Gaza, e novas medidas para combater a crise da habitação – dois temas fundamentais para a esquerda. Ao mesmo tempo, está cônscia da mudança mais ampla para a direita, o que se reflete na sua política.
No atinente à segunda vertente política, desenvolveu estreita relação com Friedrich Merz, chanceler alemão, com Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana, e com Donald Tusk, primeiro-ministro polaco – todos oriundos da direita e que a pressionaram a desfazer elementos do seu primeiro mandato. Porém, o recuo mais notável é o Pacto Verde Europeu, que saudara, em tempos, como o momento do “homem na Lua” da Europa, falando, agora, de descarbonização e de indústria europeia “limpa”.
Enquanto presidente do executivo europeu, Ursula on der Leyen pretende que as suas propostas avancem no ciclo legislativo e sejam aprovadas. E, se, nos estados-membros, sente que o pulso está à direita, no PE, ainda tenta perceber.

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Que o PPE está alinhado mais à direita, também em relação aos estados-membros, fica patente em tomadas de posição, como a referente à rejeição de uma comissão de inquérito parlamentar (CPI) para investigar a alegada rede de espionagem liderada pelos serviços secretos húngaros, em Bruxelas, alegando que isso só ajudaria a estratégia de Victor Orbán para antagonizar a UE, podendo utilizar a CPI como arma.
Depois de vários meios de comunicação social terem noticiado que o governo húngaro tentou recrutar funcionários da UE, em Bruxelas, como informadores, a Comissão Europeia, em outubro, lançou uma investigação sobre o caso. Os agentes ter-se-ão feito passar por diplomatas da Representação Permanente da Hungria junto da UE, em Bruxelas, que foi liderada, entre 2015 e 2019, por Olivér Várhelyi, que é, atualmente, o Comissário Europeu húngaro.
Ao invés, os grupos progressistas do PE querem criar a sua própria CPI sobre o assunto. Os Verdes, os Socialistas e os liberais do Renew Europe estão a pressionar para que tal comissão seja criada o mais rapidamente possível. No entanto, o PPE, o maior grupo do PE, opõe-se à iniciativa.
Fontes do PPE sustentam que o inquérito iria “fazer o jogo de Viktor Orbán”, antes das eleições renhidas de abril, em que este concorre contra o candidato conservador Peter Magyar, muito mais jovem, que também é membro do PPE. Ou seja, uma CPI, no PE, criaria um palco para o primeiro-ministro húngaro reforçar a sua narrativa interna contra as instituições da UE e para se apresentar como “o defensor” da nação húngara.
Mesmo assim, os progressistas pró-europeus consideram que a investigação é necessária, porque as alegações são graves. Porém, a Hungria e Várhelyi negam as alegações.
“Queremos ter a certeza de que todos os factos estão em cima da mesa e que a posição do Parlamento pode também ter sido prejudicada por esta atividade”, declarou a eurodeputada dos Verdes Tineke Strik, relatora do relatório sobre o Estado de direito na Hungria.
E o eurodeputado húngaro Csaba Molnár, sugerindo que a alegada espionagem foi efetuada “em nome da Rússia e no interesse de Putin” entende que “a questão não é saber se houve espionagem, porque sabemos que houve”, mas “saber aonde foi parar a informação obtida através da espionagem”.
A CPI pode ser convocada com os votos de apenas um quarto dos eurodeputados, mas precisa do apoio da maioria do PE para ser aprovada.
O primeiro passo é dado pela Conferência dos Presidentes, que inclui os líderes dos diferentes grupos e a presidente do PE, Roberta Metsola. Qualquer decisão no seio da Conferência dos Presidentes é tomada por maioria, estando o voto de cada líder correlacionado com a dimensão do seu grupo parlamentar. E o voto do PPE é fundamental para a criação de uma CPI.
De acordo com as regras do PE, as CPI podem organizar missões de apuramento de factos, convidar testemunhas, ouvir funcionários da UE ou dos estados-membros e solicitar a assistência das autoridades nacionais, no decurso da sua investigação. Porém, contrariamente às comissões criadas por alguns parlamentos nacionais, as testemunhas não são obrigadas a comparecer, quando convocadas, nem a depor sob juramento.

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Não admira que o PPE tenha guinado à direita, tendo em conta a pressão de extrema-direita em ascensão na Europa, aliás como no resto do Mundo. Todavia, o PPE foi eleito, em 2024, quando a extrema-direita não obteve um espaço marcante do PE. Em conformidade com tal realidade, embora em risco de alteração, deveria continuar a observar o pacto social com que foi eleito, pelo que é censurável o abandono dos princípios, com vista a sobrevivência a qualquer custo.
O resultado está à vista: os novos regulamentos comunitários espelham forte retrocesso.
Quanto à CPI sobre a suposta espionagem dos serviços secretos da Hungria, independentemente do incómodo futuro, deveriam ser esclarecidos os factos e apuradas as responsabilidades, a não ser que faça doutrina o Parlamento português, que, na iminência de uma CPI, preferiu a dissolução, ou o governo português, que pretende aprovação parlamentar de legislação retrógrada sobre matérias não previstas em campanha eleitoral, nem no seu programa de governo.

2025.11.16 – Louro de Carvalho

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