domingo, 23 de novembro de 2025

Marcha em Lisboa pediu fim dos combustíveis fósseis até 2030

 

A 22 de novembro, a encerrar uma semana de protestos estudantis que reivindicaram o fim da utilização da energia de origem fóssil e em que escolas foram fechadas pelos estudantes, a manifestação da Greve Climática Estudantil e da Climáximo fez marchar 200 pessoas, em Lisboa, a exigirem o fim dos combustíveis fósseis até 2030. “Eu não sei, mas ouvi dizer que o planeta está a arder. Há medidas a tomar e o governo anda a brincar”, entoaram os manifestantes, na marcha que saiu do Largo Camões e seguiu até à Assembleia da República (AR).
Os manifestantes gritaram ainda que “sem futuro não há paz”.
José Borges, estudante da Escola Secundária de Camões e integrante da Greve Climática Estudantil, disse à Lusa que o objetivo é passar a mensagem ao governo, que “tem de cumprir a reivindicação do fim ao fóssil, até 2030”. “Não é uma reivindicação que nós inventámos, mas o prazo da ciência”, disse o estudante de 18 anos, apontando que os decisores políticos “têm de ser defensores dos interesses desta geração e das futuras”.
Por seu turno, Alice Gato, do coletivo Climáximo, registou que a marcha decorreu no contexto da Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP30), que decorreu em Belém do Pará, no Brasil. “Durante esta semana, os estudantes estiveram a parar as suas escolas em protesto e estiveram também a reunir apoio de diferentes setores das sociedades – mães e pais, professores, profissionais de saúde e profissionais da cultura, para demonstrarem que esta luta não é uma luta apenas dos estudantes”, explicitou.
Ivo Relveiro, professor na Escola Artística António Arroio e um dos vários professores presentes na marcha, declarou à Lusa, junto à AR, que a presença dos docentes na iniciativa visa “apoiar o futuro destes jovens” e acusou o governo de não escutar as sugestões sobre o tema, pois “é pertinente tomar medidas que não estão a ser tomadas e que não vão ser consideradas”.
Fazendo um balanço da COP30, os três manifestantes lamentaram que o roteiro para o abandono dos combustíveis fósseis, exigido por dezenas de países, tenha ficado de fora do texto final da conferência. “Desta COP saiu o que tem sempre saído das COP: nada. Metas insuficientes e falta de responsabilidade por parte dos governos para cumprirem essas mesmas metas, ou seja, é o que sempre foi”, apontou José Borges.
Segundo Alice Gato, os intervenientes da COP30 são “os mesmos governos e empresas que, ao longo dos últimos 30 anos”, provocaram, “deliberadamente, esta crise climática”.
Para Ivo Relveiro, a COP “acaba por ser um projeto falhado, cada vez mais falhado”, porque “não está a tomar atenção às verdadeiras necessidades”. “Torna-se cada vez mais presente esta ideia de que o consumo de combustíveis fósseis é uma coisa prioritária, que não deveria ser”, registou.
Em piada, o jornal Público, de 23 de novembro (“Bartoon Luís Afonso”), considera: “É sempre assim, nas conferências do clima: No início, o fim dos combustíveis fósseis é já. Depois, passa a ser daqui a uns anos. A seguir, fica para um pouco mais tarde… Às tantas, a gentes esquece-se.”

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Intitulada “O Nosso Futuro Não Está à Venda-Fim ao Fóssil 2030” e organizada pelos movimentos Climáximo e Greve Climática Estudantil, mas promovida por mais de dez organizações, contou com intervenções de professores e de médicos.
Começou, às 15h00, no Largo Camões e terminou em frente da AR, onde foram discutidos, numa assembleia popular, os próximos passos na luta contra os combustíveis fósseis, incluindo novas ações de protesto.
Ainda que a manifestação tenha sido anunciada para marcar o final da COP30, Catarina Bio, porta-voz dos organizadores, disse à Lusa que os jovens nunca esperam resultados concretos das reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU), porque delas “nunca sai nada”, para garantir o futuro dos jovens. “As reuniões da ONU sobre o clima começaram quando ainda nem éramos nascidos e, até agora, sem resultados. São uma farsa. Não podemos consentir que os governos ponham em risco o nosso futuro”, considerou Catarina Bio.
Há um ano, estudantes do movimento “Fim ao Fóssil” entregaram uma carta ao governo a exigir que apresentasse, até hoje, um plano para acabar com o uso de combustíveis fósseis, em Portugal, até 2030, através de uma transição justa. Como tal não aconteceu, os jovens iam manifestar-se e, segundo a porta-voz, eram esperadas centenas de pessoas, com grupos de apoiantes já confirmados de professores, de profissionais de saúde, de pais e de profissionais da área da cultura. “Estamos a lutar pelo futuro a que temos direito, por um Mundo sem combustíveis fósseis, que tenha a voz e [as] necessidades das pessoas no centro da tomada de decisão. Queremos poder viver num Mundo justo, sem medo e com bem-estar, num planeta habitável”, refere um comunicado dos organizadores.
Os organizadores consideram também que a opção dos governos por “intensificar a crise climática” é “um ataque direto às pessoas e à vida”.

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De André Carrilho a Rui Chafes, passando por Capicua, artistas de diversas áreas criativas apoiam luta estudantil pelo clima e contra os combustíveis fósseis. Enfim, mais de uma centena de artistas e de profissionais de todas as áreas da cultura assinaram duas cartas em apoio aos estudantes e apelando à ação coletiva pelo fim dos combustíveis fósseis até 2030, informou a Climáximo, em comunicado, no dia 20.
O movimento ambientalista adianta que as duas missivas – “Carta Aberta: Cultura pelo Fim ao Fóssil” e a “Carta Aberta da Indústria da Música pelo Fim ao Fóssil até 2030 e Apoio ao Movimento Estudantil” – reuniram mais de 100 assinaturas de artistas, de músicos, de escritores, de atores e de criadores. Criadores como a rapper Capicua, a escritora Joana Bértholo e o artista plástico Rui Chafes são alguns dos nomes que assinam as missivas. Estre os subscritores estão ainda Paulo Pascoal, Fado Bicha, Manuel Pureza, Gisela Casimiro, André Carrilho, Bordalo II, Lena d'Água, Manuela Azevedo, Nuno Saraiva, Isabel Abreu e Xinobi.
“A Carta da Cultura destaca a importância de amplificar a voz dos estudantes, que, desde 2019, têm ocupado escolas e universidades, para exigirem ação real contra a crise climática, e apela a todos os agentes culturais para que usem as suas plataformas de forma ativa na viabilização da luta por justiça climática”, refere o Climáximo.
A Carta da Música reforça “o papel da música como motor de consciência social e exige um plano nacional de descarbonização, até 2030, o fim do uso e [dos] subsídios a combustíveis fósseis e apoio a energias limpas e renováveis, solidarizando-se com os estudantes e sublinhando que, sem futuro, não há música”.
As cartas convidavam o setor da cultura e toda a sociedade a participar na manifestação “O Nosso Futuro Não Está à Venda”. E o movimento ambientalista lembra que, na semana em referência, foram lançadas outras três cartas de apoio aos estudantes, que contam com mais de 100 nomes de docentes universitários e do ensino secundário, de profissionais de saúde e de mais de uma centena de mães, de pais e de cuidadores. O lançamento das cartas aconteceu em plena semana de paralisação de escolas e universidades convocada pela Greve Climática Estudantil.
A manifestação “O Nosso Futuro Não Está à Venda” contou com mais de 10 organizações, apoiantes entre as quais, a Associação Habita, o Movimento Cívico Ar Puro, a Federação Nacional dos Médicos e o Sindicato dos Médicos da Zona Sul.

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Também profissionais de saúde se declararam pelo fim ao fóssil, até 2030. Na verdade, a 17 de novembro, garantiam que, se o governo não apresentasse um plano para garantir o fim ao fóssil, até 2030, os profissionais de saúde, sairiam à rua e marchariam no dia 22 de novembro até à AR, numa manifestação que em convergem diversos setores da sociedade, de diferentes idades, profissões e origens.
Eis o teor da sua pertinente mensagem:
“Nós, profissionais de saúde, estamos particularmente preocupados com os efeitos da atual crise climática na saúde da população, assim como com os desafios que nos colocará na prestação de cuidados. O impacto destes efeitos poderá ser catastrófico, se não forem tomadas, rapidamente, ações decisivas para mudar as atuais projeções de uma elevação da temperatura média do planeta de 2 a 3º C [graus centígrados ou Celsius], até ao final do século.
“As vagas de calor trazem consigo mais fogos florestais, mais doenças cardiovasculares, como enfartes de miocárdio e AVC, que já são a principal causa de morte em Portugal. Produzem ainda um aumento de doença respiratória aguda, assim como de doença renal. Levam a partos prematuros e [a] perdas indesejadas de gravidez. As inundações que se seguem a chuvas extremas levam a afogamentos, [a] derrocadas e [a] desalojamento, assim como a contaminação por águas residuais. Todas estas situações dificultam o acesso a medicamentos, a cuidados de saúde e, mais importante ainda, travam o acesso a alimentos e [a] água potável, com graves consequências no estado de saúde.
“Estima-se que mais de 58% das doenças infeciosas possam ser agravadas pelos danos climáticos, por vários mecanismos, como o aumento da proliferação de patogénicos comuns ou a disseminação de insetos vetores, como os do dengue e [da] malária, trazendo doenças de elevada mortalidade para áreas geográficas que lhes passam a ser favoráveis, como o território português.
“Das secas, fogos e tempestades também são vítimas as terras agrícolas e o gado, motivando subida de preços e insegurança alimentar para um crescente conjunto de pessoas.
“Conhecemos os efeitos, a nível da saúde mental, como o trauma decorrente de eventos extremos, a ansiedade climática e os elevados níveis de stresse associados à precariedade económica que contribuem para o agravamento das problemáticas de saúde física. Estes impactos são particularmente graves para crianças, mulheres, pessoas mais velhas, comunidades vulneráveis e/ou com perturbações pré-existentes, [pelo] que, tendo em conta as comprovadas insuficiências do Serviço Nacional de Saúde em responder às necessidades de saúde mental da população, poderão contribuir, decisivamente, para o seu colapso.
“Se é urgente que os sistemas de saúde desenvolvam um mapeamento de riscos, sistemas de alerta precoce e um reforço muito significativo de capacidade que lhes permita melhor lidar com desastres e aumento de ameaças crónicas, sabemos que a crise ditada pelo atual ritmo de emissões colocaria os sistemas de saúde para lá da sua capacidade de adaptação.
“Sabemos que o tempo não joga a nosso favor e que todos os impactos da crise climática serão inevitáveis, se ultrapassarmos a barreira de segurança dos 1,5ºC de aquecimento, desde os níveis de temperatura pré-industriais. Caminhamos, a passos largos, para essa situação com as propostas do atual quadro político. Para países do Norte Global, como Portugal, o único plano compatível com a ciência e com justiça social é acabar com os combustíveis fósseis, até 2030, através de uma transição energética justa que não prejudique aqueles que menos contribuíram para esta crise que todos enfrentamos.
“É essa urgência que sentem os jovens que deram, até 15 de novembro, para o governo apresentar um plano concreto que garanta o futuro de todos e é por isso mesmo que merecem toda a nossa solidariedade nesta luta, que é, provavelmente, o maior imperativo sanitário e existencial do nosso tempo.
“É também por isso que, se o governo não apresentar um plano para garantir o Fim ao Fóssil, até 2030, nós, profissionais de saúde, vamos sair à rua e marchar no dia 22 de novembro até à Assembleia da República numa manifestação que converge diversos setores da sociedade, de diferentes idades, profissões e origens.”
A mensagem é subscrita por André Almeida, médico internista, assistente convidado Nova Medical School; por Mário André Macedo, enfermeiro especialista em saúde infantil e pediátrica, gestor hospitalar; por Luana Cunha Ferreira, PhD. Psicóloga, Professora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa; e por Mónica Pina, médica internista, especialista em Medicina de Lactação, presidente da European Association of Breastfeeding Medicine.

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O que se passou em Lisboa, a 22 de novembro, revela a insuficiência da “COP da implementação” e “da verdade”. Com cerca de 24 horas de derrapagem e ante forte resistência dos países produtores de petróleo, mais de 190 nações aprovaram o que a União Europeia (UE) classificou como “o acordo possível” e a que não faltaram objeções de última hora.
Tal progresso exíguo só ocorreu depois de uma maratona noturna de negociações, à porta fechada, que ultrapassou o bloqueio liderado pela Arábia Saudita e pela Rússia, contra a proposta de mais de 80 países que defendiam um roteiro para eliminar, gradualmente, os combustíveis fósseis. Porém o mapa do caminho e a causa principal da crise climática acabaram omissos.
“Este é o acordo possível, acho que é bom, e é melhor um mau acordo do que nenhum”, afirmou a ministra portuguesa do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, aos jornalistas.
Para a governante, a ausência de acordo representaria “a vitória dos negacionistas” e poria em risco o Acordo de Paris. Assim, ficaram garantidas as principais “linhas vermelhas” da UE: maior ambição na mitigação, referências – ainda que indiretas – à redução dos combustíveis fósseis, manutenção da meta dos 1,5 °C e triplicação do financiamento para adaptação até 2035, de 40 para 120 mil milhões de dólares anuais.
Este pacote insere-se no outro aprovado, anteriormente, de mobilização de 1,3 biliões de dólares, por ano, até 2035, com o reforço do fundo de perdas e danos. O texto do “Mutirão” (designação brasileira da iniciativa coletiva de ajuda a alguém ou de defesa duma causa) apela à reforma da arquitetura financeira internacional. E, embora admita que o acordo não avança, face ao decidido na COP28, “mantém o compromisso de implementar o então aprovado”.
O comissário europeu para a Ação Climática, Wopke Hoekstra, apresentou aos jornalistas, como aspetos positivos, o reforço da mitigação, o apoio aos países vulneráveis e o valor do multilateralismo. Porém, lamentou que a eliminação dos combustíveis fósseis não tivesse sido incluída no texto principal.
Num contexto de ausência dos Estados Unidos da América (EUA) e de crescente influência dos BRICS, a UE aceitou flexibilizar o prazo para o financiamento da adaptação – passando de 2030 para 2035 –, para garantir a manutenção da meta dos 1,5 °C e a aceleração de cortes de emissões. E o comissário reconheceu que a ausência de um “jogador dessa magnitude” – numa alusão aos EUA – foi um golpe para as negociações. “É o maior ator geopolítico do planeta, a maior economia, o segundo maior emissor. Claro que é um golpe sério, se esse parceiro não aparece. Mas temos de aceitar o Mundo como ele é e de trabalhar com os meios que temos”, vincou.

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É a vida. Os interesses não deixam avançar o Mundo.

2025.11.23 – Louro de Carvalho

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