quarta-feira, 5 de novembro de 2025

A geopolítica dominou as atenções na Cimeira do Alargamento

 

A geopolítica dominou, a 4 de novembro, em Bruxelas, as atenções da Cimeira do Alargamento da União Europeia (UE), organizada pela Euronews, com os líderes dos países candidatos a enquadrarem a sua ambição de aderirem à UE como uma decisão estratégica para abraçarem a prosperidade e a estabilidade, num Mundo volátil, de turbulência global e de ascensão do autoritarismo.
Durante anos, o alargamento esteve adormecido e esquecido, enquanto os estados-membros se focavam em prementes desafios, como a crise financeira, o desemprego, a desigualdade social, a pandemia de covid-19 e a concorrência chinesa. Porém, quando o presidente, russo Vladimir Putin, decidiu invadir a Ucrânia em grande escala, esta política ganhou nova dimensão.
Considerando o valor estratégico da adesão, logo no início dos trabalhos, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, apelou a um bloco maior, mais seguro e mais forte e classificou a adesão como o “melhor investimento” num futuro comum. Nesse sentido desafiou a UE a “decidir se pode dar-se ao luxo de perder mais tempo e se está preparada para evoluir e adaptar-se às atuais realidades geopolíticas”, pois, em seu entender, “a Europa não deve tornar-se um museu da prosperidade passada”.
Por sua vez, o presidente ucraniano, Volodymir Zelenskyy, que participou na cimeira, por videoligação, a partir de local não revelado, na linha da frente, frisou que a escolha em jogo – democracia versus autocracia –, ou seja, a adesão é uma “garantia de segurança” contra o neoimperialismo russo. Por isso, como vincou, “a Ucrânia optou por ser membro da UE”, devido a “sentimento semelhante de vida, liberdade, democracia e humanidade”, sendo por isso que está a lutar por tudo isso, pela terra, pelas casas, pelos direitos e liberdades do Estado.
A seguir, a presidente da Moldova, Maia Sandu, cujo país é um dos principais alvos da interferência híbrida do Kremlin, apelou aos líderes da UE para que cumpram a promessa de alargamento ou pagarão um preço devastador. E, em conversa com Maria Tadeo, jornalista da Euronews, disse que, “não se pode permitir que alguns países sejam utilizados por regimes autoritários contra a UE e que acontecerá isso, caso não haja “uma verdadeira perspetiva sobre a integração da UE”.
Os movimentos quase simultâneos de Kiev e de Chișinău para apresentar pedidos de adesão forçaram os líderes da UE a reconsiderar os seus preconceitos tradicionais sobre a adesão. Os benefícios pareciam superar os riscos. “Infelizmente, foi necessária uma agressão militar em solo europeu para acordar Bruxelas. […] Surgiu um novo impulso e espero que não desapareça”, disse o primeiro-ministro albanês Edi Rama, falando à distância da cimeira.
É o caminho para a reunificação da Europa cujos progressos têm sido palpáveis, nos últimos três anos. A Ucrânia, a Moldova, a Geórgia e a Bósnia e Herzegovina obtiveram o estatuto de candidatos. A Macedónia do Norte e a Albânia abriram, formalmente, negociações com Bruxelas e Montenegro avançou e solidificou a sua posição como candidato principal.
Em contraponto, este impulso expôs a frustração e a exasperação que acompanham a ambição de aderir à família europeia de nações. O veto incontestável da Hungria à adesão da Ucrânia levantou questões incómodas sobre o processo interno de tomada de decisões do bloco e sobre a natureza do processo de alargamento baseado no mérito. Apesar de Kiev ter cumprido todos os requisitos legais e técnicos para abrir o primeiro capítulo das negociações, a oposição húngara travou, sozinha, o processo. E este impasse deixou a Moldova em estado de paralisia colateral.
Simultaneamente, as aspirações da Macedónia do Norte continuam bloqueadas pela Bulgária, que impôs exigências conexas com a História, com a identidade nacional e com a língua, como condição para permitir que o candidato avance no processo que se arrasta, há anos.
O primeiro-ministro macedónio, Hristijan Mickoski, não se contendo, na cimeira, classificou os pedidos da Bulgária como “disputas artificiais” semelhantes a “intimidação. “Se alguém se atreve a intimidar outra pessoa que quer entrar no clube, porque é que o outro deve ficar calado? Isto não é normal”, disse Mickoski, sublinhando que, “apesar de todas as humilhações e desilusões”, o seu país estava empenhado na sua candidatura a estado-membro e prevendo que o alargamento acabará por conduzir à “reunificação” do continente.
Bruxelas repreendeu, severamente, a Sérvia, por ter recuado no atinente ao Estado de direito, à liberdade de expressão e à luta contra a corrupção. O presidente sérvio, Aleksandar Vučić, também foi criticado, por ter assinado um acordo de comércio livre com a China, por se ter recusado a aplicar sanções à Rússia e por ter assistido à parada militar de 9 de maio, em Moscovo.
Em resposta, Aleksandar Vučić procurou um equilíbrio na defesa das suas políticas controversas, garantindo que não se iria justificar “por ter falado com alguém”. Por outro lado, dizendo que são de considerar todas as observações e exigências da UE, porfiou que “a Sérvia está muito empenhada no seu caminho para a UE e vai fazê-lo de uma forma muito séria e responsável”.
Por seu turno, a comissária europeia para o Alargamento, Marta Kos, traçou um limite, apelando à Sérvia para escolher um lado na cena mundial. “Apoiar um regime russo que está a matar pessoas na Ucrânia, não aceitar as sanções que a UE impõe à Rússia, são coisas que não podemos continuar a tolerar”, afirmou Marta Kos, sustentando que “temos de fazer escolhas geopolíticas”.
Nos países e nas organizações, os vetos são parte da História. No caso da adesão à UE, alguns candidatos foram empurrados para o fim da fila de espera, devido às suas próprias decisões.

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O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, criticou o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, por dar “apoio específico” ao presidente russo, ao bloquear a ambição de Kiev de aderir à UE, e apelou a que levante o veto ao processo de adesão da Ucrânia.
O impasse impediu a Ucrânia e a Moldávia, que estão informalmente ligadas, de iniciar o primeiro grupo de conversações de adesão, alimentando a raiva e a frustração. “Não creio que tenha de oferecer algo a Viktor Orbán”, disse Zelenskyy, numa entrevista, por videoligação, com o diretor executivo e editorial da Euronews, Claus Strunz, na Cimeira, explanando: “Penso que Viktor Orbán tem de defender a Ucrânia, que está a proteger toda a Europa da Rússia, e mesmo agora, durante esta guerra, não recebemos qualquer apoio dele, apoio à nossa visão da vida. […] Não gostaríamos que Viktor apoiasse a Rússia, porque o bloqueio da Ucrânia na UE é um apoio muito específico de Viktor a Putin. E, na minha opinião, isso não é bom. Esta é a minha opinião subjetiva.”
O veto húngaro começou, oficialmente, em julho de 2024, quando Budapeste assumiu a presidência rotativa do Conselho da UE. O bloqueio provocou a indignação dos outros estados-membros, que veem a adesão como uma futura garantia de segurança para Kiev.
A polémica agravou-se neste ano, depois de Viktor Orbán ter convocado uma consulta nacional para avaliar a opinião dos cidadãos húngaros sobre o pedido de adesão da Ucrânia à UE. Desde então, tem usado os resultados negativos como um “mandato” para justificar o seu veto.
Em outubro, falhou um plano para alterar as regras de votação, de modo a atenuar o poder de veto. Na Dinamarca, Viktor Orbán, reconhecendo os apelos dos seus colegas líderes, declarou: “A pressão é grande. Precisamos de toda a nossa força para nos mantermos fora desta guerra.”
No entanto, a obstrução de Orbán inspirou conversas informais sobre a redução do poder de veto dos novos membros da UE e a implementação do “período de experiência”, o que não convenceu Zelenskyy, que, não se mostrando convencido da ideia não testada, insistiu que a adesão deve ser plena e funcionar em pé de igualdade, pois “não se pode ser um semimembro ou um demimembro da UE”. “Temos à mesma mesa países iguais, independentemente da dimensão do seu território ou da sua população. É importante que partilhem valores semelhantes”, afirmou.
Apesar da pressão crescente de outras capitais, Budapeste manteve a sua posição, o que levou a especulações de que a obstrução só será levantada, depois do país ir a votos, em abril de 2026. As sondagens de opinião mostram que Orbán está atrás de Péter Magyar, o líder da oposição.
Questionado sobre se irá tentar reparar a relação pessoal com Orbán ou se esperará pelos resultados das eleições, Zelenskyy recusou-se a tomar partido. “Não creio que alguém tenha o direito de influenciar a escolha do povo húngaro, nem as eleições na Hungria. “É um direito pessoal deles e eu não quero ter nada em comum com isso”, disse o líder ucraniano, vincando que a diplomacia deve estar acima das “personalidades” e que os líderes devem “ter a oportunidade de se respeitarem uns aos outros”.
O presidente ucraniano instou o primeiro-ministro húngaro a seguir a avaliação da Comissão Europeia, que sustenta que a Ucrânia cumpriu todos os critérios legais e técnicos para abrir o primeiro grupo de conversações. “Estamos em guerra pela nossa sobrevivência, pelas nossas vidas, e não gostaríamos de ter outras linhas de frente, mesmo sem armas, quaisquer linhas de frente políticas abertas [com] outros vizinhos. […] Gostaríamos que o primeiro-ministro húngaro nos apoiasse e não nos bloqueasse”, observou.
Depois, argumentou: “Se existem regras e as cumprimos, o que quer que seja necessário para abrir as fronteiras, gostaríamos de ser respeitados. E não é só o respeito por nós, mas também o respeito do líder húngaro pelas regras e regulamentos da União Europeia, uma vez que a Hungria é membro da UE. São essas as regras.”

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Em todo o caso, depois de anos de estagnação no processo de alargamento da UE, vários países estão, de novo, no bom caminho para aderir ao bloco, nos próximos anos. Assim, os países candidatos à adesão à UE mostraram-se otimistas na Cimeira do Alargamento do dia 4.
O Montenegro, a Albânia e a Moldova têm por objetivo aderir ao bloco nos próximos cinco anos.
O primeiro-ministro da Albânia, como dissemos, lamentou ter sido necessária uma agressão em solo europeu para que Bruxelas acordasse, mas revelou a esperança de que esta dinâmica renovada não se desvaneça e que o seu país possa ocupar um lugar na UE.
Não é o único a esperar tornar-se membro da UE, nos próximos anos. Prevê-se que o Montenegro e a Albânia sejam membros, em 2028 e em 2030, respetivamente.
De acordo com o relatório anual, publicado no dia 4, o mesmo da Cimeira, a Comissão Europeia considera que o Montenegro está “no bom caminho” para atingir o seu ambicioso objetivo de encerrar todos os pontos das negociações de adesão à UE, até ao final de 2026.
O vice-primeiro-ministro dos Negócios Estrangeiros e Europeus do Montenegro, Filip Ivanović, afirmou, na cimeira, que os progressos do seu país são o resultado de “trabalho árduo e [de] dedicação política”. “O relatório que acabámos de receber é uma prova adicional do plano que temos tido enquanto governo. Queremos que cada relatório seja melhor do que os outros. Este é o melhor relatório de sempre”, afirmou.
Filip Ivanović também elogiou os objetivos renovados de alargamento da UE, chamando-lhe a “política mais importante” do bloco e dizendo que a adesão de mais países reforçaria a sua posição geopolítica.
A presidente da Moldova também considera que o país deverá aderir à UE, até 2030. No seu discurso, alertou para os riscos de não se registarem progressos tangíveis, nos próximos três anos, antes das próximas eleições na Moldova: “Seremos usados contra a UE, se não houver uma verdadeira perspetiva de integração”, advertiu.
O presidente da Ucrânia espera que a Ucrânia também adira até 2030. Efetivamente, o relatório da Comissão Europeia sublinha que a Ucrânia demonstrou uma “resiliência notável” e avançou em reformas cruciais, mas a superação destes desafios, particularmente, na área do Estado de direito e no combate à corrupção, é fundamental para o seu processo de adesão.
Do outro lado do espetro está a Sérvia, que viu o processo estagnar nos últimos anos. O presidente sérvio defendeu o compromisso do país com as reformas.
Não obstante, para muitos destes países, em especial, os dos Balcãs Ocidentais, o processo de adesão arrasta-se há mais de uma década. A Macedónia do Norte apresentou o seu pedido de adesão, em 2004, há mais de vinte anos. O Montenegro seguiu-se-lhe, em 2008, enquanto a Albânia e a Sérvia o fizeram em 2009. A Moldova é uma das mais recentes, tendo apresentado a sua candidatura em 2022.
Hristijan Mickoski, primeiro-ministro da Macedónia do Norte, afirmou que o país pouco progrediu num quarto de século: “Infelizmente, estamos no mesmo lugar onde estávamos há 25 anos, devido a algumas razões artificiais”, declarou, referindo-se ao veto grego, de décadas, que levou o país a mudar de nome, bem como ao atual veto búlgaro, em questões relacionadas com os direitos das minorias, com a História e com a língua.
O presidente da Albânia também lamentou o que chamou de “anos de humilhação”, durante os quais o processo esteve parado.
Contudo, após anos de conversações, os candidatos à UE têm uma coisa evidente: querem ser membros de pleno direito. Sem meio-termo, sem período de experiência e com pleno direito de voto: “Temos estado a ser julgados nos últimos 15 anos e continuaremos a sê-lo, até encerrarmos todos os capítulos das negociações. Assim que fecharmos todos os capítulos, no que me diz respeito, o julgamento termina”, declarou o presidente do Montenegro.

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A UE tem necessidade do alargamento, para, ganhando escala, se afirmar como potência política, económica e militar, pelo que não pode circunscrever-se a um clube limitado e fechado. Todavia, cumpre-lhe exigir que os candidatos à adesão trilhem, inequívoca e irreversivelmente, caminhos de democracia, nas suas diversas vertentes (política, social, económica, cultural, educativa, a nível da proteção física e social e da saúde), mas também que os estados-membros não regridam nos valores fundamentais que inspiraram a UE. E a saída do Reino Unido foi um triste exemplo.
Contudo, é temerário, em minha opinião, aceitar a adesão de um país tocado pela guerra. Primeiro, há ajudá-lo a sair da guerra e a planear a sua reconstrução. Parece que é assim que manda a prudência.    

2025.11.05 – Louro de Carvalho


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