sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Forte contestação ao anteprojeto de reforma das leis laborais

 

Há uns tempos, o governo de coligação do Partido Social Democrata (PSD) e do partido do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) anunciou o Anteprojeto de Lei da reforma da legislação laboral, designado “Trabalho XXI” e conhecido por “Pacote Laboral”, sem que tal matéria constasse do programa com que a coligação se apresentou ao eleitorado, nem do programa do governo que passou no escrutínio parlamentar.
Várias entidades, nomeadamente, os sindicatos, manifestaram-se contra os conteúdos do anteprojeto, ficando em evidência pontos concretos que mereceram o repúdio de entidades e de organizações ligadas a diversos setores afetados por alguns conteúdos críticos, como a licença para a amamentação ou o luto gestacional.  
O governo foi respondendo às críticas de forma evasiva e mantendo, no geral, os mais de cem itens a alterar na legislação laboral em vigor.
Naturalmente, a contestação foi ganhando pulso e, a 8 de novembro, ingente massa de trabalhadores encheu a Avenida da Liberdade, em Lisboa, “Contra o Pacote Laboral”, sob convocação da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN).
Na resolução que deu corpo à convocação da marcha de protesto, a CGTP-IN acusa o governo de, com apoio do partido Chega (CH) e da Iniciativa Liberal (IL), ter em marcha “uma política de assalto aos direitos fundamentais e de afronta à Constituição da República Portuguesa [CRP] que atinge quem trabalha e trabalhou, os serviços públicos e as funções sociais do Estado”.
Mais refere que tal estratégia “procura fragilizar os direitos laborais, bem como o direito à saúde, à educação, à proteção social, à habitação, entre outros”, aliás, como foi clarificado na proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) que, a ser aprovada, “será mais um instrumento de degradação dos serviços públicos”. Ou seja, na ótica desta organização sindical, esse pacote laboral, se fosse levado à prática, “representaria um enorme retrocesso nos direitos dos trabalhadores”, visto que “o seu conteúdo não só não dá resposta aos problemas que, já hoje, existem na legislação laboral, com normas que agridem os trabalhadores e os seus direitos e que precisam de ser revogadas, como os agrava”, constituindo “uma resposta integral às pretensões do capital que os patrões aplaudem”.
Sustenta a CGTP que se trata de “ataque concertado a um conjunto alargado de direitos”, contendo “propostas que visam a perpetuação e agravamento dos baixos salários, intensificam a desregulação dos horários, multiplicam os motivos e alargam os prazos para os vínculos precários, facilitam, ainda mais, os despedimentos e limitam a defesa e [a] reintegração dos trabalhadores, procurando impor o despedimento sem justa causa”. Por outro lado, há um ataque aos “direitos de maternidade e [de] paternidade”, a promoção da caducidade/ destruição da contratação coletiva, pondo em causa “o princípio do tratamento mais favorável em mais matérias”, um ataque à “liberdade sindical e ao direito de greve”, com a imposição de “limitações que ferem, de forma profunda, estes direitos fundamentais”, ao arrepio do “exigido, para os trabalhadores e para o país”.
Por conseguinte, a CGTP-IN exige ao governo “que retire o pacote laboral que apresentou e que revogue as normas gravosas que, já hoje, existem na legislação laboral e que tanto prejudicam os trabalhadores”. E, ao mesmo tempo, afirma o desenvolvimento da luta reivindicativa e da mobilização dos trabalhadores, “pela derrota do pacote laboral, por mais salário e direitos, contra o aumento do custo de vida, em defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado”.
Assim, “para responder a este enorme ataque aos direitos e para abrir caminho para um outro rumo para o país”, assume “a elevação e a ampliação da luta organizada, com a mobilização e a adesão à ‘Greve Geral – Contra o Pacote Laboral! Não ao retrocesso e à exploração. Por mais salário, mais direitos, mais serviços públicos’, que vamos realizar no próximo dia 11 de dezembro”.

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Entretanto, o candidato presidencial Luís Marques Mendes, em entrevista à RTP 1, lançou um apelo ao governo, no sentido de ter em conta a relevância da União Geral de Trabalhadores (UGT), por se tratar de uma central sindical que sempre tem estado presente nas negociações com o governo e assinado os respetivos acordos.  
O governo, pela voz do primeiro-ministro (PM), pede às centrais sindicais responsabilidade num momento em
que o país se debate com graves desafios, não entende a razão pela qual é convocada uma greve geral e avisa que “não há razão” para greve geral, porque a lei laboral está em negociação.
Esquece, porém, que a negociação está a encaminhar-se no sentido contrário ao que desejam e do que precisam os trabalhadores.
Por seu turno, o Presidente da República (PR) pediu “espírito de concertação social”, para se obter “o máximo consenso possível” sobre as alterações à legislação laboral, considerando que ainda há tempo para se ponderar e para se debater.
O chefe de Estado considerou que, sendo a greve um direito, “a greve geral é um direito com maior amplitude, porque reúne o maior número de trabalhadores ou o maior número de confederações sindicais”. Por outro lado, salientou que o processo de revisão da legislação laboral – lançado pelo governo, em julho, através de um anteprojeto – “ainda está longe da sua conclusão”, porque “tem de ir à Assembleia da República [AR], tem de ir à concertação social”.
Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, prometeu não mexer, em demasia, na proposta inicial do governo, visando a maior flexibilização laboral. Todavia, o governo foi sensível à marcação de greve geral, o que não se via, desde 2013.
Para convencer a UGT a recuar na paralisação, o executivo desiste da ideia de poder dar dois dias extra de férias sem direito a remuneração, beneficiando, ao invés, o trabalhador que não falte durante o ano a conseguir três dias de férias extra. Repõe a ideia das 40 horas de formação (antes, propunha 20) e pressupõe que duodécimos no Natal e de férias dependem de acordo entre trabalhador e empregador.
No entanto, é no processo de simplificação do despedimento com justa causa, nomeadamente, com a inexistência de obrigação de testemunhas, que é feita a grande mudança. Permanece a ideia de simplificação, mas baixa o índice. Antes, seriam afetadas empresas até 250 trabalhadores; agora, só abaixo de 50 poderá ser efetuada a simplificação. É uma resposta clara à reivindicação das centrais, quanto à crítica às grandes empresas e aos despedimentos coletivos, pressupondo recorrer a outsourcing. Nesse capítulo, o governo não recua, contrariando a lei atual, que impede o recurso a outsourcing, nos 12 meses subsequentes a um despedimento coletivo. E também não há recuo, no fim da obrigatoriedade de reintegração, em caso de despedimento fraudulento.
Como havia sido anunciado, o trabalhador poderá escolher a jornada contínua e abdicar de pausa, para sair mais cedo do trabalho. Mais recuos significativos veem-se na amamentação: apesar de exigir atestado na dispensa para a lactação, passa a ser necessário o comprovativo apenas após o primeiro ano da criança.
“Tivemos uma conversa com o governo, há dois ou três dias, em que surgiu uma nova proposta”, afirmou, no dia 13 de novembro, Mário Mourão, líder da UGT. Porém, as suas declarações à agência Lusa reiteraram a intenção de manter a greve geral. “Não há ainda matéria em cima da mesa que deixe a UGT confortável para desmarcar a greve. É muito pouco”, frisou.
A reformulação do Pacote Laboral foi pedida por todos os partidos da oposição. Para o Chega, a questão da amamentação era pilar essencial. Para o Partido Socialista (PS), o despedimento coletivo simplificado e a ausência de reintegração eram os grandes celeumas. A esquerda, generalizadamente, falou de grave ataque aos “direitos dos mais jovens trabalhadores, das mulheres trabalhadoras, das famílias e dos mais vulneráveis”, criticando a subserviência, quanto às confederações empresariais. Também o PR, pediu concertação social para o efeito, pressionando o governo a ajustar algumas das medidas anunciadas, já desde julho.

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Do seu lado, a UGT reafirma a autonomia e responde às declarações do PM sobre a greve geral.
A UGT rejeita, categoricamente, qualquer insinuação de que esteja “refém” de partidos políticos ou de governos, pois “nunca esteve, não está e não estará submetida a interesses partidários”. Ao invés, é “uma central sindical livre, democrática e autónoma”, cuja ação “é orientada pelos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras portugueses”.
Em declarações à Antena 1 e à TSF, o secretário-geral da UGT recordou que a central “já assinou acordos” com governos sociais-democratas, com governos socialistas e com o atual, porque não está “para servir governos, nem partidos”, mas “para servir os trabalhadores portugueses”.
Face às recentes asserções do PM, Mário Mourão sustenta que “revelam um desconhecimento profundo sobre o ADN da UGT”. E explicitou: “Provavelmente, não conhece aquilo que é o ADN da UGT, mas tem de se esforçar um pouco mais, porque a UGT, por acaso, também tem no seu seio os trabalhadores sociais-democratas (TSD). Ninguém resgata a UGT, porque a UGT responde apenas àqueles que representa.”
O líder desta central sindical sublinhou que “são os interesses daqueles que representamos – nós e os nossos sindicatos – que orientam a ação sindical” e que isso “nunca pode estar em causa, independentemente do partido que esteja no governo ou de qualquer outra organização”.
Sobre o processo negocial em curso, destacou a dimensão e a gravidade do pacote laboral que está em cima da mesa. “O pacote contém mais de 100 artigos para serem alterados. É muita coisa, e há situações gravíssimas que a UGT jamais poderá aceitar”, vincou.
Mário Mourão reafirmou que a UGT nunca se fechou ao diálogo: “Sempre lá estivemos. Ainda na última reunião, estivemos. Vamos continuar a estar. Nós não vamos ameaçar abandonar a Concertação Social, nós nunca fechámos a porta.”
Por isso, a UGT exige clareza ao governo, quanto à sua estratégia e quanto aos interlocutores, face a declarações públicas da ministra do Trabalho, que assumiu ter negociado com o Chega. “Se essa é a opção do governo, então que a assuma claramente. Assim, evitavam-se falsas expectativas junto dos trabalhadores, dos sindicatos e do país.”
A UGT considera que o governo deve reforçar o compromisso com soluções justas, equilibradas e negociadas, e reafirma o seu princípio central e inegociável: “defender os direitos e os interesses de quem trabalha, com autonomia, independência e liberdade. Sempre.”
Em rejeição firme da reforma laboral proposta pelo governo e exigindo verdadeira negociação, a UGT decidiu, a 13 de novembro, em reunião do seu conselho geral, convocar uma greve geral para o dia 11 de dezembro, em resposta ao Anteprojeto de Lei da reforma da legislação laboral apresentado pelo governo, designado “Trabalho XXI”.
Desde a confrontação com esta proposta, em julho de 2025, na Comissão Permanente de Concertação Social, a UGT tem manifestado oposição firme e fundamentada a um documento que julga “desequilibrado, regressivo e prejudicial para quem trabalha”. Com efeito, na sua ótica:
* reflete opção clara a favor dos empregadores, aumentando o poder unilateral das empresas em áreas, como banco de horas individual, contratação a termo, despedimentos, outsourcing, parentalidade ou formação profissional;
* fragiliza os trabalhadores e a ação sindical, atingindo a negociação coletiva, o exercício do direito à greve e a intervenção dos sindicatos nos locais de trabalho;
* ignora prioridades essenciais para o país, como salários e rendimentos, políticas de migração, habitação ou atualização de acordos essenciais à concertação social.
Apesar da sua tradicional postura de diálogo e de abertura negocial, a UGT assinala que, ao longo das últimas reuniões, o governo passou de posição de suposta disponibilidade para negociar para a imposição de “linhas vermelhas”, condicionando qualquer evolução à assinatura de um acordo fechado, independentemente da justiça ou do equilíbrio das matérias em causa. Assim, a UGT considera que este comportamento configura simulacro de negociação, desvirtuando o papel da concertação social e pondo em causa a confiança entre os parceiros sociais. E proclama o óbvio: “A UGT quer negociar, mas não negoceia sozinha.”
Por isso, está “contra uma reforma laboral que não pode avançar, contra um ataque sem precedentes aos trabalhadores e sindicatos, contra a indiferença, face aos problemas reais dos portugueses, contra o simulacro negocial”; e “por um verdadeiro diálogo e uma negociação com resultados, por uma legislação que responda aos verdadeiros desafios do presente e do futuro do trabalho, por um país mais justo, em nome de quem trabalha e quer dignidade no seu trabalho.”
Perante o contexto atual, o Conselho Geral da UGT, sob proposta do Secretariado Nacional aprovou, por unanimidade: a convocação de uma greve geral para 11 de dezembro de 2025; e o início de contactos com outras estruturas representativas de trabalhadores, com vista à construção de uma plataforma de convergência na ação sindical.
Em suma, a UGT “reafirma o seu compromisso com a defesa dos trabalhadores e com a construção de soluções que respondam aos desafios atuais e futuros do mundo do trabalho, rejeitando quaisquer retrocessos na legislação laboral”.

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A situação é muito grave. Os direitos dos trabalhadores, embora protegidos constitucionalmente, estão cada vez mais exíguos; as condições de trabalho estão sufocantes; o salário médio não dá para sobreviver condignamente e o salário mínimo dá para sobreviver por milagre, mercê do custo de vida e, em especial, dos custos de alimentação, de medicação e de habitação; é cada vez mais difícil congraçar a vida profissional com a vida pessoal e familiar; a precariedade cresce e recrudesce; e o apoio à natalidade é contraditado por medidas laborais e pelos custos da infância, não fazendo inverter o inverno demográfico e a prevalência de uma população envelhecida.
O patronato parece considerar que não precisa dos trabalhadores; e os governos, em vez de promoverem o bem-estar geral, estão ao serviço do patronato, tantas vezes, anónimo, em resultado de um capitalismo financeiro sem rosto, que subjuga os cidadãos, aos quais acusa de iliteracia financeira. É para isto que elegemos os nossos representantes, que, sem contestação de jeito, dizem ou permitem que se diga que precisamos de “Três Salazares”?
As greves incomodam, mas são um direito; e esta é mais que justa e vem a tempo!

2025.11.14 – Louro de Carvalho

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