sábado, 15 de novembro de 2025

Operação “Southern Lance” visa narcotráfico e governo da Venezuela

 

O secretário do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América (EUA), Pete Hegseth, anunciou, a 13 de novembro, o lançamento da Operação “Southern Lance” (Lança do Sul), cujo objetivo é “expulsar” os narcotraficantes que traficam droga na sua “vizinhança” e, por extensão, no hemisfério ocidental. Esta operação poderá afetar, ainda mais, as relações entre os EUA e a Venezuela.
A este respeito, Pete Hegseth escreveu, no X, que “esta missão defende a nossa pátria, expulsa os narcoterroristas do nosso hemisfério e protege a nossa pátria das drogas que estão a matar o nosso povo [; e que] o hemisfério ocidental é a vizinhança da América, e nós vamos protegê-lo”.
Esta iniciativa surge em maré de tensão crescente com a Venezuela e de escalada militar nas Caraíbas. Porém, o secretário do Departamento de Defesa declarou que a decisão foi tomada em resposta às “ordens de ação” do presidente Donald Trump. E o Pentágono não deu pormenores.
O anúncio surge poucos dias depois de o USS Gerald R. Ford, o maior e mais avançado porta-aviões da Marinha dos EUA, se ter juntado ao destacamento naval, no Sul das Caraíbas. O navio, acompanhado pelo seu grupo de ataque, reforça a presença de destroyers (contratorpedeiros), de navios anfíbios e de aviões de vigilância que os EUA mantêm na região, desde agosto. A administração norte-americana releva que o destacamento faz parte da sua ofensiva contra o narcotráfico e que visa o governo venezuelano de Nicolás Maduro, que qualifica de ilegítimo e que acusa de liderar o Cartel dos Sóis.
O Cartel dos Sóis é uma organização venezuelana, alegadamente, chefiada por membros de alto escalão das Forças Armadas da Venezuela que estão envolvidos no comércio internacional de drogas. Segundo Héctor Landaeta, jornalista e autor de “Chavismo, narcotráfico e militares”, a situação iniciou-se quando as drogas colombianas começaram a entrar na Venezuela, a partir de unidades corruptas de fronteira, e a “podridão subiu nas fileiras”.
A campanha militar incluiu a destruição de numerosas embarcações nas Caraíbas e no Pacífico oriental, desde setembro, em ações que mataram cerca de 80 pessoas. Os EUA afirmam tratar-se de embarcações utilizadas para transportar fentanil e outras drogas para o seu território. No dia 10, o Pentágono confirmou outro ataque, de que resultou a morte de quatro outros supostos narcoterroristas.
A operação “Southern Lance” coincide também com outros planos anunciados pelo Pentágono no início deste ano para integrar sistemas robóticos e capacidades autónomas, na deteção e no seguimento do tráfico ilícito. E a administração norte-americana insiste que o reforço militar responde à necessidade de desmantelar redes transnacionais cada vez mais sofisticadas, enquanto continua a avaliar opções adicionais, em relação à Venezuela.
O Comando Sul dos EUA divulgou, a 14 de novembro, imagens de um ataque cinético letal contra um barco, em águas internacionais nas Caraíbas, no dia 10 de novembro. Os quatro tripulantes a bordo foram mortos, segundo a administração norte-americana, que diz ter-se elevado o número de vítimas para quase 80, em mais de 20 ataques, desde que a operação começou, em agosto, ao largo da costa venezuelana. E o presidente dos EUA anunciou que “já foram tomadas decisões” sobre novas ações militares contra a Venezuela.
O secretário da Defesa dos EUA denominou, oficialmente, a missão de “Southern Lance”, justificando-a como uma ação de combate ao tráfico de droga a partir da América Latina. O destacamento inclui cerca de 10 mil militares e o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior navio do Pentágono, posicionado perto das águas venezuelanas.
De acordo com o “Washington Post”, Donal Trump reuniu-se, no dia 14, na Sala Oval com funcionários do Pentágono, para discutir “uma série de opções”, incluindo a escalada dos ataques. Um funcionário citado pelo jornal disse que as forças norte-americanas “estão a preparar-se para possíveis ordens de ataque” e aguardam novas diretrizes operacionais.
Questionado pelos jornalistas sobre a sua próxima ação militar contra a Venezuela, respondeu: “Já tomei uma decisão. Não posso dizer-vos o que vai ser.” E acrescentou que “se fizeram muitos progressos com a Venezuela, em termos de travar o afluxo maciço de drogas”, embora não tenha explicado os seus planos.
Segundo o “Washington Post”, Donald Trump é “muito bom a manter a ambiguidade estratégica”, e o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, “está muito assustado e com razão”, dado o leque de opções “prejudiciais” que tem de enfrentar. Em outubro, o presidente dos EUA afirmou não descartar possíveis ataques a alvos terrestres, tanto na Venezuela como na Colômbia.
Por sua vez, o governo da Venezuela condenou a operação e considerou-a um “pretexto para uma intervenção”. Ao mesmo tempo, Nicolás Maduro apelou à população para se preparar para uma eventual “luta armada” e anunciou a mobilização de 200 mil militares.
Em discurso transmitido pela televisão estatal, o presidente venezuelano fez um apelo direto ao povo americano: “Parem a mão louca dos que ordenam bombardeamentos, mortes e guerras na América do Sul, nas Caraíbas.” E, traçando paralelo com outros conflitos, perguntava: “Será que queremos outra Gaza, agora, na América do Sul?”
A tensão na região continua a aumentar, visto que Washington não exclui a possibilidade de novas operações militares, deixando a comunidade internacional preocupada com a escalada da guerra nas Caraíbas.

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Entretanto, a 16 de outubro, o jornal “Miami Herald” revelou, a partir de uma investigação que promoveu, que um grupo de altos funcionários venezuelanos, liderado pela vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, e pelo seu irmão Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional, promovera, discretamente, nos últimos meses, uma série de iniciativas para se apresentarem a Washington como uma alternativa “mais aceitável” ao regime de Nicolás Maduro, viabilizando uma transição de poder, sem Nicolás Maduro, mediada pelo Qatar.
Segundo aquele jornal norte-americano, as propostas foram discutidas, através de intermediários no Qatar, com o objetivo de convencer setores do governo dos EUA de que um “Maduroismo sem Maduro” poderia permitir uma transição pacífica na Venezuela, mantendo a estabilidade política, sem desmantelar o aparelho de poder chavista. Nestes termos, os mediadores do Qatar apresentaram a Washington duas propostas, neste ano – uma, em abril, e outra, em setembro –, delineando possíveis mecanismos de governação sem Maduro no poder. Nestes cenários, Delcy Rodríguez atuaria como figura de continuidade institucional, enquanto o general reformado Miguel Rodriguez Torres, exilado em Espanha, chefiaria um governo de transição.
O argumento central é que os irmãos Rodríguez representam, para a Casa Branca, uma versão “mais digerível” do chavismo, já que nenhum foi acusado pela justiça norte-americana de tráfico de drogas, ao invés de Maduro ou de Diosdado Cabello. Porém, antigos funcionários do regime envolvidos em investigações sobre o Cartel dos Sóis apontaram os dois irmãos por alegado envolvimento em operações de lavagem de dinheiro e de apoio logístico ao tráfico de droga.
O “Miami Herald” refere que os contactos no Qatar se intensificaram, após o endurecimento da posição de Washington, em relação a Caracas, e após o destacamento militar nas Caraíbas, o maior em décadas. Os esforços teriam sido mediados por membros da família real do Qatar, com quem Delcy Rodríguez tem uma “relação significativa”. Com efeito, numa reunião, em Doha, um membro sénior da família real terá concordado em servir de ponte entre Caracas e Washington, em questões económicas e de informação. As propostas foram transmitidas à Casa Branca e ao Departamento de Estado pelo enviado especial dos EUA, Richard Grenell, que se reuniu com Maduro, em Caracas, neste ano, e que facilitou a libertação de vários cidadãos norte-americanos presos na Venezuela. Contudo, Richard Grenell não quis comentar o assunto, nem o Departamento de Estado respondeu às perguntas do “Miami Herald”.
Alguns setores da administração dos EUA interpretaram estas aberturas como parte de uma estratégia conhecida internamente como o “Cártel Ligero”, o plano para facilitar uma transição gerida que não envolvesse uma rutura completa com as estruturas do chavismo.
A proposta de abril previa que Maduro se demitisse, permanecendo na Venezuela, com garantias de segurança, e que as empresas norte-americanas voltassem a ter acesso ao setor petrolífero e mineiro do país. Em troca, os procuradores norte-americanos retirariam as acusações criminais contra o presidente Nicolás Maduro. Já a proposta de setembro, previa a substituição de Nicolás Maduro por um governo de transição liderado por Delcy Rodríguez e por Miguel Rodríguez Torres, com a possibilidade de Maduro se exilar no Qatar ou na Turquia.
Segundo o “Miami Herald”, Donald Trump rejeitou qualquer uma das duas propostas, classificando-as como tentativa de preservar as estruturas criminosas do regime sob uma nova fachada. Nestes termos, “o Cártel Ligero não era uma opção viável”. Assim, após essa decisão, Washington endureceu a sua posição e fechou a porta a quaisquer negociações que envolvessem funcionários sancionados ou ligados ao chavismo.
Os EUA intensificaram as suas operações militares nas Caraíbas, com seis ataques letais, em dois meses, que terão feito, pelo menos, 27 mortos, até meados de outubro.
O presidente Donald Trump garantiu que estas operações são legais, ao abrigo da sua autoridade executiva, e que o seu objetivo neutralizar as redes narcoterroristas ligadas ao regime venezuelano. E não excluiu a possibilidade de operações terrestres, na Venezuela, afirmando que os EUA “já têm o controlo do mar” e que, agora, pretende “detê-lo em terra”.
De acordo com uma notícia do “New York Times”, o presidente norte-americano terá autorizado a CIA a conduzir operações secretas na Venezuela e nas Caraíbas, ao abrigo de uma “determinação presidencial” recentemente assinada.
A 15 de outubro, o próprio Donald Trump afirmou que tinha autorizado a Agência Central de Inteligência (CIA) a conduzir operações secretas na Venezuela, uma rara confirmação de um líder norte-americano, sobre as operações daquela agência de espionagem. Todavia, recusou-se a dizer se a CIA tem autoridade para agir contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Assim, tudo leva a crer que administração norte-americana está a considerar novos ataques na região e está a analisar o terreno.
O reconhecimento surge após as forças militares dos EUA, nas últimas semanas, terem realizado uma série de ataques mortíferos contra barcos alegadamente envolvidos no tráfico de drogas nas Caraíbas, destruindo, pelo menos, cinco embarcações (quatro provenientes da Venezuela), desde o início de setembro, o que resultou na morte de, pelo menos, 27 pessoas, até àquela data.
Na Sala Oval, na noite de 15 de outubro, Donald Trump justificou tal autorização à CIA, por duas razões: “eles esvaziaram as suas prisões para os Estados Unidos da América”; e “temos muitas drogas a entrar da Venezuela, e muitas das drogas venezuelanas vêm pelo mar.”
O inquilino da Casa Branca disse, expressamente, que o governo federal estava a ponderar mais ataques na região, mas recusou-se a dizer se a CIA estava autorizada a agir contra Nicolás Maduro.
Este reconhecimento incomum segue-se à publicação do “The New York Times” de que a CIA tinha sido autorizada a realizar ações secretas na Venezuela.
No próprio dia, o presidente venezuelano reagiu, criticando o historial da agência de espionagem dos EUA, em vários conflitos, no Mundo inteiro, e apelou à paz.
Nicolás Maduro, num evento televisivo do Conselho Nacional para a Soberania e Paz, que inclui representantes de vários setores políticos, económicos, académicos e culturais na Venezuela, proclamou, em Inglês: “Não à guerra, sim à paz, não à guerra. […] Não à guerra, mas sim, paz, para o povo dos Estados Unidos, por favor. Por favor, por favor, por favor.”
Criticando a CIA, relembrou alguns dos seus alegados atos sombrios no passado: “Não à mudança para regime que tanto nos lembra as guerras eternas falhadas no Afeganistão, [no] Iraque, [na] Líbia, e assim por diante. […] Não aos golpes de Estado realizados pela CIA, que tanto nos lembram os 30 mil desaparecidos. […] Até quando a CIA continuará a realizar os seus golpes? A América Latina não os quer, não precisa deles e repudia-os.”
O número de 30 mil desaparecidos é o estimado por organizações de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio, durante a ditadura militar argentina, entre 1976 e 1983.
Nicolás Maduro também se referiu ao golpe de 1973, no Chile.
Por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Venezuela, numa declaração, rejeitou as “declarações belicosas e extravagantes do presidente dos Estados Unidos, nas quais ele admite, publicamente, ter autorizado operações para agir contra a paz e estabilidade da Venezuela.”
“Esta declaração [de Donald Trump] sem precedentes constitui uma violação muito grave do direito internacional e da Carta das Nações Unidas e obriga a comunidade de países a denunciar estas declarações claramente desmedidas e inconcebíveis,” lê-se na declaração que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Yván Gil, publicou no seu canal de Telegram.
Entretanto, as ações contra os chamados cartéis de droga venezuelanos estão a gerar alvoroço no Congresso, entre membros dos dois principais partidos políticos.
No início de outubro, a administração norte-americana declarou os cartéis de droga como combatentes ilegais e anunciou que os EUA estão em conflito armado com eles, justificando a ação militar como escalada necessária para conter o fluxo de drogas para solo norte-americano. O movimento gerou indignação, com deputados a alegarem que Donald Trump estava a cometer um ato de guerra, sem autorização do Congresso.
Segundo dois oficiais dos EUA familiarizados com o assunto, até àquela data, a Casa Branca não tinha fornecido aos congressistas provas de que os barcos alvejados pelas forças militares dos EUA estavam, de facto, a transportar narcóticos.

***

Parece que a legitimidade do presidente dos EUA para a atuação nas Caraíbas decorre, unicamente, das suas decisões executivas, ou seja, a pseudolegitimidade do ditador, que não precisa de ouvir ninguém e que tem de ser obedecido por todos. Por outro lado, o combate à droga e a defesa do hemisfério ocidental (que, pelos vistos, deveríamos agradecer) não passam de pretexto para estudar o terreno e almejar vigoroso ataque ao regime chavista, quanto for oportuno. Talvez por isso é que a CIA terá poderes especiais de espionagem na Venezuela, obviamente, também sobre Nicolás Maduro. A CIA tem mais ciência do que Donald Trump.
Esta situação lembra o gato discreto, que surpreende a sua presa, e a alegada existência de armas de destruição massiva no Iraque, que ditou a célere invasão do país.

2025.11.15 – Louro de Carvalho


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